31 Outubro 2017
No sábado, o Papa Francisco nomeou o bispo irlandês Paul Tighe para ser o secretário do Pontifício Conselho para a Cultura, essencialmente cimentando o seu status como o principal assessor do cardeal italiano Gianfranco Ravasi. Durante anos Tighe foi um eficiente emissário para as sedes da Igreja Católica, entre outras razões porque é amplamente considerado como talvez o cara mais legal do Vaticano.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 29-10-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Marshall McLuhan certa vez teria dito: “o meio é a mensagem”. Nesse sentido, poderíamos acrescentar que, igualmente frequente, “o mensageiro é a mensagem”. Em outras palavras, quando se está tentando pôr um rosto humano em algo, a melhor estratégia é geralmente ter uma pessoa genuinamente decente em seu lugar.
Por quase uma década, isso é exatamente o que fez Dom Paul Tighe ser um emissário público eficaz das sedes da Igreja Católica, porque, entre muitas outras qualidades, o prelado irlandês de 59 anos é considerado como o cara possivelmente mais legal do Vaticano.
O sábado, o Papa Francisco elevou Tighe nomeando-o secretário do Pontifício Conselho para a Cultura, tornando-o a segunda autoridade no departamento presidido pelo cardeal italiano Gianfranco Ravasi, diferentemente da função ad hoc de “secretário adjunto” que vinha desempenhando desde dezembro de 2015.
Antes disso, Tighe trabalhava como secretário do Pontifício Conselho para as Comunicações Sociais desde 2007. Nessa função, rapidamente tornou-se uma fonte preciosa para os jornalistas do mundo inteiro, especialmente dos países de língua inglesa.
Por um lado, ele é destacadamente acessível, sempre pronto a atender um telefonema, não importa o quanto esteja envolvido de trabalhos num momento em particular. Por outro, é um alguém incrivelmente honesto. Tighe sempre diz o que sabe e o que não sabe, ele não embeleza as situações e nunca existe a sensação de que ele está apenas tentando fazer ele ou “o sistema” parecer melhor.
Tighe também é uma figura profundamente verdadeira. É genuinamente humilde, nunca levando ele mesmo muito a sério, um alguém que olha para os jornalistas com os quais lida não apenas como membros da imprensa, mas sim como amigos, tendo um interesse sincero nas vidas e carreiras deles.
Quando ficou claro no final de 2015 que o Conselho para as Comunicações Sociais iria se dissolver como parte de uma reorganização maior do setor de comunicação do Vaticano, Tighe foi transferido para o departamento de cultura. Na época, alguns analistas suspeitaram que as suas qualidades de secretário adjunto poderiam levá-lo a outros ares, naquilo que os italianos chamam de “parcheggio”, um lugar para deixar alguém momentaneamente enquanto se acha para ele uma nova função de longo prazo.
Em vez disso, Tighe e Ravasi desenvolveram uma forte identificação, e agora Francisco cimentou o status do prelado irlandês como uma peça-chave do trabalho social da Igreja no mundo da cultura.
Há tempos o Pontifício Conselho para a Cultura tem ficado às margens. Diferentemente de outros departamentos, como a Congregação para os Bispos ou o Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, ele não conta com áreas claramente delineadas de ação. Com efeito, parece-se um pouco com uma “tabula rasa”, à espera de uma equipe criativa para pensar algo.
Lançado em 1982 durante o papado de João Paulo II, o Conselho para a Cultura subsumiu o antigo Conselho para o Diálogo com os Não Crentes fundado pelo Papa Paulo VI em 1965. Basicamente, a ideia é que ele seja o departamento do Vaticano para dialogar com as pessoas que não necessariamente compartilham os valores ou a cosmovisão da Igreja. Exemplo disso é o projeto “Pátio dos Gentios” lançado por Ravasi em 2011.
É uma iniciativa sobre a qual Francisco tem um particular interesse. No sábado, Tighe me contou que, quando Francisco o nomeou para o Conselho para a Cultura em 2015, as ordens que recebeu foram: “Saia por aí” – ou seja, explicou Tighe, começe diálogos – “em todos os lugares e ambientes”.
Como Francisco, Tighe adota uma visão descentralizada e colegiada de como o Vaticano deveria funcionar, ou pelo menos o seu departamento.
“Acho que o Vaticano dá o seu melhor quando age como uma tenda”, disse. “A ideia é aprender o que já está acontecendo aí fora, identificar as melhores práticas, eficazes, e então tentar alavancá-las em toda a Igreja”.
Quando pedi que explicasse a sua função, Tighe falou que, até certo ponto, ela não difere das funções de um secretário vaticano qualquer.
“Em geral, o secretário é a pessoa que deve entender a visão do cardeal e, em seguida, certificar-se de que ela seja posta em ação, servindo como uma ponte entre ele e o restante da equipe”, disse. “Parte disso é certificar-se de que a equipe tenha os recursos para fazer o trabalho, e assim por diante”.
Tighe também é o responsável por duas áreas: a da cultura digital e a de desenvolver a relação do Pontifício Conselho para a Cultura com os países de língua inglesa.
Como ele passa os seus dias? Bem, neste momento Tighe está envolvido na organização da próxima assembleia plenária, entre os dias 15 e 18 de novembro, do Pontifício Conselho. O tema será nada menos do que “o futuro da humanidade”.
Especificamente, os participantes irão ponderar os mais recentes desdobramentos em genética, neurociência e inteligência artificial. Inicialmente, irão ouvir breves apresentações de destacados cientistas e pesquisadores da área e, depois, começarão a pensar o sentido moral do que já aconteceu e o que é razoável esperar no futuro.
Entre os analistas do Vaticano, o superior de Tighe é conhecido como uma figura profundamente original. Hoje com 75 anos, Ravasi é um exegeta de formação, tendo sido prefeito da Biblioteca Ambrosiana, em Milão, e um ávido leitor.
Eis uma situação característica de Ravasi: em dezembro de 2015, perguntei sobre sua reação ao discurso de Francisco à Cúria Romana, em que anunciou um conjunto de 15 “doenças espirituais” das quais a citada cúria sofria.
“Tenho de dizer que primeira coisa que me veio à mente foi Constantin Noica, autor de um livro chamado ‘As seis doenças do espírito contemporâneo’ (ed. Record), disse Ravasi, numa seriedade absoluta.
Apesar de ter completado 75 anos no começo deste mês, Ravasi provavelmente estará na ativa nos próximos anos, e Tighe, obviamente, se sente confortável em trabalhar junto dele.
“Ravasi é um pensador muito original, uma pessoa que realmente lê muito, um erudito”, falou. “Ele consegue analisar as coisas num nível muito simples. Mesmo nas missas que preside para os funcionários, eu sempre encontro pelo menos três coisas em seus sermões que me ajudam, que me fazem pensar”.
Por outro lado, poderíamos dizer o mesmo sobre Tighe. Ele é extremamente inteligente, no entanto possui um toque simples, levado, sem dúvida, pelo fato de genuinamente se importar não apenas com o que diz, mas com o que o interlocutor está ouvindo.
Tudo isso ajuda a explicar por que, três anos mais tarde, a nomeação de Tighe para o Conselho para a Cultura não mais se parece um “parcheggio”, e sim com uma “missione”: não um lugar de parada, e sim um lugar de missão. Fiquemos atentos, pois com Ravasi e Tighe livres para seguir em frente no que fazem, será difícil fazer previsões, mas definitivamente valerá a pena acompanhar.
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Francisco eleva o cara possivelmente mais legal do Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU