06 Outubro 2017
Antecipamos aqui alguns trechos do artigo que será publicado no próximo número de "Vita e Pensiero", dedicado à Günther Anders, o filósofo judeu alemão que morreu em 17 de dezembro de 1992. Graduado com Husserl, em 1933, após a chegada ao poder de Hitler, ele se mudou, primeiro, para Paris e, depois, para os Estados Unidos, onde também trabalhou como operário. Após o fim de seu casamento com Hannah Arendt, ele se casou com a escritora Elisabeth Freundlich. Em 1950, voltou para a Europa e estabeleceu-se em Viena.
O comentário é de Devis Colombo, publicado por L'Osservatore Romano, 21-22 de setembro 2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em tempos em que a reflexão cristã sobre a ética do meio ambiente, o "paradigma tecnocrático dominante” e os “direitos das gerações futuras" parece particularmente reavivada pela encíclica Laudato Si’ do Santo Padre, parece mais prolífico confrontar-se com um autor que demonstrou com sua conduta intelectual e civil uma forte afinidade com os temas em questão.
Günther Anders-Stern (1902-1992) morreu em 17 de dezembro de vinte e cinco anos atrás, deixando-nos uma produção variada que abrange da antropologia da técnica à literatura alegórico-didática e até o enunciado de novos "mandamentos morais", e que permanece vinculada tanto pelo recurso a categorias teológicas (como onipotência, aniquilação, salvação, divindades) quanto por uma atitude na qual a crítica da razão atinge tons não diferentes daqueles da pregação soteriológica, em que encontram amplo espaço argumentos e topoi retirados do Antigo e Novo Testamentos.
Os traços mais concretos do que Anders chama de "teologia atômica", e que ele formula também entrando em contato com vários pensadores cristãos (Helmut Gollwitzer, Martin Niemöller e Friedrich Heer, entre outros), podem ser encontrados principalmente nas obras O Antiquismo do Homem (1956; 1980) e Endzeit und Zeitenende (1972). A especulação andersiana sobre Deus é marcada por ter como objeto uma negativa "transcendência imanente", ou seja, uma sobrenaturalidade que exerce na vida terrena uma influência não orientada ao bem e que se manifesta como o resultado destrutivo da prepotência produtiva de "cegos e desenfreados prometeus". Referindo-se a Salomon Reinach, ele recupera a origem da palavra religio em religere, definindo-a assim uma escrupulosa “prática (um ritual) mediante o qual o homem tentou por ordem nas dificuldades de sua existência que excediam a sua capacidade de compreensão e suportação”.
Uma impostação que se revela em alguns aspectos contígua àquele existencialismo religioso que Anders experienciou principalmente através do intercâmbio intelectual com Gabriel Marcel, mantido durante as suas longas estadas na França (por motivo de estudo e exílio). Além disso, no tratamento específico da situação atômica, acrescenta que com "fato religiosum" está se referindo a "nada de positivo", mas apenas ao "pavor que transcende qualquer dimensão humana do fazer humano". Tal factualidade religiosa, sobre a qual nem o método científico, nem o filosófico têm condições de se pronunciar de forma abrangente, segundo Anders é constituída, principalmente, por pelo menos dois elementos essenciais, sobre os quais pretendemos aqui nos deter brevemente, ou seja, a dialética entre onipotência e impotência e o ingresso da história universal na fase do 'tempo do fim'.
O cada vez mais elevado nível técnico-científico alcançado pela humanidade também comportou algumas consequências ruinosas - cujo melhor exemplo é o da bomba nuclear, ou seja, "a marca de Caim definitiva da nossa existência" - que tornaram os homens "iguais a Deus", embora, evidentemente, em sentido contrário. Eles, de fato, agora usam as vestes de destruidores herostráticos que opõem à divina creatio ex nihilo uma ameaçadora reductio ad nihil com a qual poderiam liquidar a sua "inteira existência de Adão em diante".
A esse “salto” na nova qualidade de “absolutamente grande” pertence certa irremediabilidade devida à ligação encontrada por Anders entre a irreversibilidade dos processos cognitivos subjacentes ao processo produtivo e o princípio da “ontologia econômica”, pelo qual tudo que pode ser projetado deve necessariamente também ser criado e utilizado.
Anders aponta como a questionável interpretação do Gênesis fundada em um viés antropocêntrico de sujeição do mundo como tarefa transmitida por Deus (1, 28), esteja na base das pretensões de domínio de um progresso cuja derivação materialista levou, em última instância, para um colapso do humano frente à alcançada ingovernabilidade da técnica. A presumida centralidade da posição do homem é virada de ponta-cabeça para irrelevante, e o seu papel degradado a "negação extrema do seu ser à imagem e semelhança", na medida em que ele modifica, através da praxe técnica, seu "status metafísico" de genus mortalium para genus mortale.
O “ano zero” a partir do qual toda a humanidade - e não mais apenas o homem como indivíduo – tornou-se “matável”, no sentido de uma autoextinção é identificado no ano de 1945, e mais precisamente na explosão da bomba de Hiroshima, com que é ao mesmo tempo inaugurada a fase escatológica de um novo cálculo do tempo. Nisso as considerações de Anders alicerçam-se no paradigma cristão da temporalidade no qual ele percebe não só algumas ambiguidades, mas também alguns pontos de força a serem subsumidos na própria concepção teológica.
Na interpretação de São Paulo do tempo do apocalipse, Anders avalia positivamente o que, à primeira vista, poderia parecer uma "falta de clareza" do próprio apóstolo sobre o momento efetivo em que se deveria verificar o evento da parúsia. Seria apresentado de tal forma que não ficaria claro se deveria ser considerado iminente ou algo que já aconteceu, mas, a um olhar mais atento, justamente essa estrutura teórica paulina demonstra-se adequada para captar a nossa atual "condição técnica do mundo" (Weltzustand Technik): o tempo configura-se, hoje, como caracterizado por um "adiamento", ou seja, "como um período que se define através da limitação e da ausência de fundamento, portanto, através do seu finis; como um período finito no qual não apenas o finis já lançou sua sombra (...), mas que já foi ao mesmo tempo tocado pelo finis" (cfr. o ensaio, Die Frist, 1960). Esse "tempo do fim" é determinado pelo fato de que a energia nuclear já lançou as bases materiais para um apocalipse que não seria desencadeado pelo juízo de Deus, mas resultaria "autoproduzido" por uma atividade humana em que o irracional levou a melhor.
O fato de situar essa ameaça apocalíptica na cotidianidade das relações políticas e econômicas transforma a partir de agora a nossa época em uma era definitivamente em suspensão no nada, à qual não seguirão outras épocas, porque a qualquer momento poder-se-ia incorrer em uma catástrofe nos confrontos da qual aquela anunciada na Bíblia acaba por ser desconstruída como uma "pura metáfora", bem menos decisiva e urgente da potência do niilismo técnico. Deixando atrás de si o agora desatualizado messianismo judaico do "ainda-não" (no qual teria, ao contrário, perseverado até o fim o amigo Ernst Bloch), Anders chega à visão do "apenas ser-aí-ainda" (bloßes Noch-Dasein).
Assim como para São Paulo, o continuar a existir do mundo no tempo entre a crucificação de Cristo e seu retorno para instaurar o Reino de Deus foi considerado como algo efêmero e contingente, da mesma forma a Terra e a vida dos homens, entre Hiroshima e o provável estouro de uma "guerra nuclear total", permanecem "ainda aí, mas apenas ainda".
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A marca de Caim. Hiroshima foi um ponto de não retorno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU