22 Setembro 2017
Não há atalhos. Os sacerdotes e religiosos condenados por pedofilia nunca terão a graça do Papa Francisco. Por quê? “Simplesmente porque a pessoa que faz isto, seja um homem ou uma mulher, está doente. A pedofilia é uma doença. Hoje, ela se arrepende, segue adiante, nós a perdoamos, mas dois anos depois recai”.
A reportagem é de Salvatore Cernuzio, publicada por Vatican Insider, 21-09-2017. A tradução é do Cepat.
A linha de “tolerância zero”, inaugurada por Bento XVI e retomada amplamente por Bergoglio aos crimes de abusos sexuais contra menores de idade, assume novos tons e novas aplicações práticas. O Pontífice argentino as ilustrou na audiência com a Pontifícia Comissão para a Proteção dos Menores, que foi recebida hoje pela manhã no Vaticano. Durante a audiência, colocou sobre a mesa os temas que deverão ser enfrentados durante a assembleia plenária da Comissão, que começará hoje.
Em um breve discurso, Francisco anunciou mudanças e indicações que, de certa maneira, representam uma ruptura com o passado. “Quem é condenado por abusos sexuais contra menores pode se dirigir ao Papa para obter a graça”, mas “eu nunca concedi uma destas e nunca a concederei. Espero que fique claro”, destacou o Papa.
Uma linha dura que Francisco decidiu adotar, após anos de lacunas e erros por parte das dioceses e dos Tribunais eclesiásticos na luta contra a praga da pedofilia. “A Igreja chegou tarde”, admitiu o Pontífice: tarde para ganhar consciência da gravidade do problema, tarde para assumir suas responsabilidades. “É a realidade: chegamos tarde. Talvez a antiga prática de transferir as pessoas tenha adormecido um pouco as consciências”, disse. E “quando a consciência chega tarde, também os meios para resolver o problema chegam tarde”.
Apesar disso, nem tudo está perdido: “O Senhor suscitou profetas”, disse Francisco, “um é o cardeal” Sean O’Malley, arcebispo de Boston (diocese estadunidense duramente atingida pelos casos de abusos sexuais) e presidente da Comissão que, com os demais membros, está trabalhando duramente e “contracorrente” para “fazer com que o problema surja na superfície e vê-lo de frente”.
Contudo, este trabalho, destacou o Papa, não tem haver somente com a Comissão, mas, sim, com “toda a Santa Sé”. Começando pela Congregação para a Doutrina da Fé, o Dicastério que se ocupa de enfrentar estes crimes. “Acredito que, de momento, resolver o problema dos abusos deve estar sob a competência da Congregação para a Doutrina da Fé”, confirmou Francisco, “esta foi uma coisa prática. Quando chegava um problema novo, vinha uma disciplina nova para a redução ao estado laico, e sempre a tomou a Congregação para a Doutrina da Fé. Depois, quando a coisa se afirmou bem, no caso da “laicização” dos sacerdotes, passou a Culto Divino e, depois, a do Clero”. “E digo isto – acrescentou – porque alguns pedem que vá diretamente ao sistema judiciário da Santa Sé, ou seja, à Rota ou à Assinatura”.
“Neste momento, o problema é grave”, denunciou o Bispo de Roma, e não é somente grave o problema, mas também que “alguns não tenham tido consciência do problema”. Portanto, “é bom que permaneça na Doutrina da Fé, para que todos na Igreja ganhem consciência”.
O primeiro passo é “começar a estudar e classificar” os casos, para poder acelerar alguns processos que ficaram parados. “Ah, há muitos casos que não avançam, estão ali... Isto é certo”, disse o Papa Francisco, razão pela qual, “com o novo secretário (Giacomo Morandi, ndr.), e também com o prefeito anterior (o cardeal Gerhard Ludwig Müller, que concluiu seu mandato no dia primeiro de julho passado, ndr.) estava acordado: está se buscando contratar cada vez mais pessoas para que trabalhem na classificação dos processos”.
O segundo passo, ao contrário, tem a ver com a comissão dentro da Congregação para a Doutrina da Fé, presidida pelo arcebispo de Malta, Charles Scicluna, que é quem recebe os recursos: “Trabalha bem, mas deve ser ajustado com a presença de algum bispo diocesano que conheça o problema no local”, afirmou o Papa Bergoglio. “Está sendo trabalhado isto” e também, revelou, em outra frente: “nesta comissão, há principalmente canonistas. Avaliam se todo o processo caminha bem, se não há um qui pro quo, mas, desta maneira, “existe a tentação dos advogados em reduzir a pena. No mais, vivem disto”.
Então, anunciou o Papa, “decidi equilibrar um pouco esta situação e digo que também um abuso contra menores, caso seja provado, é suficiente para não receber recursos. Se existem provas é definitivo. Por quê? Simplesmente porque a pessoa que faz isto, seja homem ou mulher, está doente. É uma doença. Hoje, ela se arrepende, segue adiante, nós a perdoamos, mas depois de dois anos recai. Devemos colocar isto na cabeça: esta é uma doença”.
Seguindo esta mesma linha, o Papa falou sobre o terceiro nível: “Quem for condenado pode se dirigir ao Papa para pedir a graça. Eu nunca concedi uma destas e nunca a concederei. Que fique claro, podem dizer”. Bergoglio fez um mea culpa e admitiu que somente em um caso, no início de seu Pontificado, para um sacerdote de Crema, decidiu “a via mais benévola” ao invés de reduzi-lo ao estado laico. “Contudo, após dois anos ele voltou a cair”. Eu “aprendi” com esta experiência e “nunca mais voltei a fazer”.
É uma “doença feia”, destacou o Papa. Feia e “velha”, como atestam as cartas de São Francisco Xavier, que repreendia os monges budistas por este “vício”. Há que seguir adiante com confiança”, concluiu Francisco. E insistiu em seu agradecimento aos membros da Comissão antiabusos, porque “sem vocês não teria sido possível fazer o que fizemos na Cúria e que precisamos continuar fazendo”.
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A Igreja e a pedofilia. "É a realidade: chegamos tarde", constata o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU