15 Setembro 2017
Em todas as viagens de Francisco, é importante fixar-se nos discursos que ele dirige aos bispos do lugar. Talvez, nem sempre sejam os que fornecem mais manchetes para a imprensa, mas costumam condensar as ênfases que o papa considera mais urgentes e substanciais para guiar o caminho da Igreja.
A reportagem é de José Luis Restán, publicada no sítio Página Digital, 13-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na viagem à Colômbia, é evidente que o nó gordiano estava na mensagem de reconciliação, mas convém não esquecer os discursos proferidos aos bispos colombianos e à direção do Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam).
Neles, reflete-se intensamente o que Francisco quer dizer quando se refere a uma “Igreja em saída”, um núcleo precioso e cheio de sugestões, que, no entanto, corre o risco de se ver esvaziado ou reduzido por interpretações acomodatícias e ideológicas, de um sinal ou outro.
No fim do discurso dirigido aos dirigentes do Celam, após ter desenhado um panorama nada tranquilizador do momento presente na América Latina, Francisco lhes pede que façam tudo com paixão: “Paixão no trabalho das nossas mãos, paixão que nos converte em contínuos peregrinos nas nossas igrejas, como São Toríbio de Mogrovejo, que não se instalou na sua sede: de 24 anos de episcopado, ele passou 18 entre os povos da sua diocese. Irmãos, por favor, peço-lhe paixão, paixão evangelizadora”.
Essa frase ajuda mais a compreender Francisco do que qualquer debate entre opostos daqueles que agora proliferam: doutrina e pastoral, verdade e misericórdia, fé e moral. Há algumas semanas, o secretário de Estado, Pietro Parolin, disse no Meeting de Rimini que, “através desse movimento de ‘saída’, o corpus doutrinal da Igreja deve recuperar nova vida no marco do anúncio missionário”. E acrescentava que “isso não tem nada a ver com um enfraquecimento da identidade cristã (como defendem as críticas que alguns dirigem ao papa), mas representa a sua reafirmação radical”. Parece-me uma chave decisiva para entender o pontificado.
No discurso aos bispos colombianos, Francisco os exorta a “sempre manter fixo o olhar no homem concreto”, levando em conta sua história, seus sentimentos, suas feridas e desilusões... e lhes adverte que essa concretude do homem desmascara as frias estatísticas, os cálculos manipulados, as estratégias cegas, as informações falsas, para lembrá-los de que, “realmente, o mistério do homem só se esclarece no mistério do Verbo encarnado”.
Trata-se, portanto, de entrar com essa luz viva de Jesus (viva e palpitante na experiência da Igreja) nas encruzilhadas dos homens e mulheres desta época, e isso significa correr o risco de nos envolvermos em um corpo a corpo, com todas as suas consequências.
Daí a insistência paterna de Francisco aos bispos para conservar a serenidade, mais ainda neste momento trepidante. Os tempos de Deus são longos porque é incomensurável o seu olhar de amor. Por isso, convidou-os a confiar no poder oculto do seu fermento, sem se deixar tomar pelo desânimo ou pela impaciência.
Em outro momento, o papa fala aos bispos da Colômbia sobre o centro da missão e sobre a liberdade essencial que a Igreja deve preservar a todo o custo. “Vocês não são técnicos nem políticos, são pastores. Cristo é a palavra de reconciliação escrita em seus corações, e vocês têm a força de poder pronunciá-la não somente nos púlpitos, nos documentos eclesiais ou nos artigos de jornal, mas também no coração das pessoas... Não interessa à Igreja outra coisa senão a liberdade de pronunciar essa Palavra... Não adiantam alianças com uma parte ou outra, mas sim a liberdade de falar aos corações de todos. Precisamente aí vocês têm a autonomia e o voo para inquietar, aí têm a possibilidade de sustentar uma mudança de rota”.
Mudar de rota é algo que aqueles primeiros que seguiram Jesus conheceram em primeira mão. E isso não tem nada a ver com qualquer fraqueza quanto à proposta de fé. Mudar de rota em termos de costumes e assentamentos que é preciso deixar, com mais ou menos dor, porque o Senhor chama sempre, também através de circunstâncias que parecem obscuras e inquietantes. E isso significa mover-se, acolher novas formas de presença, novos estilos missionários... Como ocorreu ao longo de 20 séculos de história.
Aos diretores do Celam, Francisco advertiu-lhes que “as realidades indispensáveis da vida humana e da Igreja nunca são um monumento, mas sim um patrimônio vivo. É muito mais cômodo transformá-las em recordações das quais se celebram os aniversários: 50 anos de Medellín, 20 de Ecclesia in America, 10 de Aparecida!”.
Em vez disso, trata-se de proteger e fazer fluir a riqueza desse patrimônio no presente, e isso requer uma inteligência renovada daquilo que acontece, uma ousadia e uma liberdade que só podem vir da pertença a Jesus: “Por isso, insisti no discipulado missionário como um chamado divino para este hoje tenso e complexo, um permanente sair com Jesus para conhecer como e onde o Mestre mora”.
E, novamente, ele volta a explicar fortemente o conteúdo da “Igreja em saída”, que ele reivindica a todo o momento: “Sair para encontrar, sem passar longe; reclinar-se sem preguiça; tocar sem medo. Trata-se de se pôr dia a dia no trabalho de campo, ali onde vive o Povo de Deus que lhes foi confiado. Não nos é lícito nos deixar paralisar pelo ar condicionado dos escritórios, pelas estatísticas e pelas estratégias abstratas. É necessário dirigir-se ao homem em sua situação concreta; não podemos desviar o olhar dele. A missão se realiza sempre corpo a corpo”.
Palavras que são como um vento fresco, que dissipa tantas nuvens tóxicas de Oriente e de Ocidente.
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O papa aos bispos colombianos - Um pedido para este hoje, tenso e complexo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU