20 Junho 2017
É pouco comum que uma democracia ocidental historicamente constituída termine em um partido único. Essa realidade excepcional se dará na França, neste domingo (19/06), caso o segundo turno das eleições legislativas repetir o resultado da abertura. O partido presidencial de Emmanuel Macron, criado há pouco mais de um ano, poderá obter entre 390 e 470 deputados do total de 577. As oposições, ou seja, os socialistas, a direita, a extrema-direita, a esquerda radical, o centro, os comunistas e os ambientalistas ficariam com apenas 100. A dinâmica da eleição presidencial de abril e maio passados e a saturação das alternâncias entre socialistas e conservadores seguem beneficiando a narrativa fundacional de Macron e sua bandeira: “nem de esquerda, nem de direita”. A situação é ainda mais inédita, pois o macronismo funcionou como uma força centrífuga que aspirou todas as demais forças políticas. Hoje, a direita e os socialistas acusam o presidente de “absolutismo”, de concentração de todos os poderes. Segundo ambos, a situação atual, com um partido que abarca tudo, coloca em risco a democracia.
A reportagem é de Eduardo Febbro, publicada por Página/12, 18-06-2017. A tradução é do Cepat.
Os dois partidos de governo só terão algumas migalhas. A pior situação é vivida pelos socialistas que estavam no poder até maio. Com apenas 7,44% no primeiro turno, o Partido Socialista (PS) está no limiar da evaporação. As previsões calculam que o PS poderá perder 264 deputados. O primeiro turno deixou um impressionante varal de candidatos socialistas derrotados, inclusive ministros do governo que sai, figuras históricas e até o próprio primeiro secretário do PS, Jean-Christophe Cambadélis. A rosa socialista se locomove na velocidade das novas tecnologias.
A República em Marcha de Macron levou às suas urnas quase todo o fluxo de votos socialistas. Golpeados até o mais profundo por este assalto eleitoral e na impossibilidade dos dirigentes socialistas em manter seu partido em pé, os militantes contam ainda com o milagre da mobilização dos abstencionistas, que foram muitos no domingo passado: 51,29% do eleitorado não saiu para votar. No entanto, os depoimentos dos candidatos derrotados no primeiro turno deixam poucas esperanças. Muitos contaram como os benefícios do passado se voltaram contra eles. O rótulo “socialista” enterrou suas candidaturas, ao invés de levantá-las.
A sensação de que o mandato do presidente François Hollande foi uma aplicada traição aos ideais da esquerda se traduziu no terreno em uma das maiores sanções eleitorais que o socialismo francês sofreu em sua longa história. O fim de ciclo é hoje uma perspectiva tangível perfeitamente diagnosticada na própria mobilização que o PS suscitou nos últimos 10 anos. Entre 2007 e 2017, o Partido Socialista passou de 256.000 filiados para 120.000. O PS era o partido que defendia os serviços públicos, os trabalhadores, o partido que se definia como o eixo da transformação social. Sua inclinação ao liberalismo social acabou sendo uma sentença de morte.
A agonia do socialismo francês foi imparável. Salvo as eleições presidenciais de 2012 e as legislativas que se seguiram, o PS dilapidou toda a sua força eleitoral. Entre 2014 e 2017, perdeu as eleições municipais, as europeias, as do senado, as departamentais, as regionais, as presidenciais e agora as legislativas. Os militantes têm fé que entre o liberalismo presidencial de Emmanuel Macron e a esquerda radical de Jean-Luc Mélenchon ainda resta um espaço para refundar a social-democracia, após anos de François Hollande e seu último primeiro-ministro, Manuel Valls. O problema está precisamente nessas duas propostas: o macronismo arrasta os reformistas do PS e Mélenchon a ala esquerda. Só fica um esqueleto. O PS deixou de ser a linha que estruturava a vida política do país para se tornar um partido zumbi.
O problema, no entanto, não é só político, mas, sobretudo, econômico. A perda de centenas de deputados equivale também a perder os milhões de euros que o Estado aporta e que permitem o funcionamento dos partidos. O PS está arruinado politicamente e na mais cruel das falências financeiras. O resultado das eleições legislativas é a variável que serve ao Estado para calcular o montante do financiamento público dos partidos. Se as porcentagens do PS forem idênticas aos de domingo passado, o partido de Jean Jaurés perderá cerca de 17 milhões de euros. A metade dos seus recursos provém precisamente das contribuições estatais.
Dos 284 deputados com os quais contava na Assembleia anterior, o PS conservará apenas entre 15 e 40. Em porcentagens, o socialismo passará de 29,35%, de 2012, para um esquelético 7,44. Em votos, a queda é assustadora: 7,9 milhões há 5 anos, 1,6 milhão de votos há uma semana.
A França se dirige direto a um poder único, onde a oposição na Assembleia terá um desempenho marginal: nem a social-democracia, nem a esquerda radical, nem a direita ou extrema-direita estarão em condições de pesar na vida política do país, durante os próximos cinco anos. Emmanuel Macron derrubou as estruturas políticas da França, construídas a partir de inícios do século passado. Uma espécie de horror democrático se apoderou dos eleitores e isso os levou a escapar de todas as ofertas que levavam o selo dos partidos do passado. Ao contrário, surgiu uma espécie de nova monarquia democrática que foi se levantando sobre as ruínas das decepções acumuladas.
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França caminha para uma democracia de partido único - Instituto Humanitas Unisinos - IHU