13 Junho 2017
"Michel Temer ainda não fez muito para almejar o título de maior vilão ambiental, mas ameaça chegar lá. Não por ideologia, mas por instinto. De sobrevivência, já que o preço do oxigênio está cada vez mais caro na mão de seus aliados", escreve Ciro Campos, assessor do ISA, em artigo publicado por revista Construção e reproduzido por Instituto Socioambiental - Isa, 12-06-2017.
Donald Trump é o favorito na disputa pelo título de maior vilão ambiental planetário. Detonar o acordo climático não foi exatamente uma surpresa, mas foi um lance arrojado que causou perplexidade por toda a esfera azul. Ainda é incerto o tamanho do impacto no cenário das emissões de carbono, porque isso vai depender das medidas que virão a seguir, mas foi um balde de água quente no aquecimento global.
Michel Temer ainda não fez muito para almejar o título, mas ameaça chegar lá. Não por ideologia, mas por instinto. De sobrevivência, já que o preço do oxigênio está cada vez mais caro na mão de seus aliados. Em troca de alguns tragos de ar puro, o governo está apoiando o Congresso na aprovação de matérias com alto poder destrutivo, e que vão cair feito uma bomba no colo de Temer, pois dependem da sanção ou do veto do presidencial. Mas se ele vetar pode irritar seus aliados e morrer sem apoio. Por outro lado, se não vetar, pode morrer também, e ainda ficar lembrado como arauto do apocalipse.
O caso de Temer pode ser ainda mais grave que o de Trump porque trata-se de ameaças em série, com impacto conhecido e imediato sobre as emissões de carbono, que não dependem de medidas posteriores, e nem mesmo da permanência do presidente. No episódio do acordo climático, bastaria Trump ser substituído, o que também se cogita por lá, para o seu sucessor trazer o país de volta ao século vinte um. No caso de Temer, não. Mesmo que ele troque o cerrado de Brasília pelo brejo da história, o efeito nocivo da Lei sancionada vai continuar fustigando o planeta independente da vontade dos sucessores.
Entre os artefatos que aguardam detonação no Palácio do Planalto estão três medidas provisórias, numeradas como 756, 758 e 759, que foram aprovadas pelo Congresso Nacional após a adição de emendas e penduricalhos altamente explosivos.
As medidas provisórias 756 e 758 são emblemáticas porque acabam com a proteção de grandes áreas de floresta na porção mais ameaçada da Amazônia. A zona de influência da Rodovia BR-163, no Pará, concentra 68% do desmatamento recente registrado nas unidades de conservação federais, segundo o Ministério do Meio Ambiente. As medidas provisórias atingem uma área de 600 mil hectares (tamanho equivalente ao Distrito Federal), que estava protegida em unidades de conservação de domínio público, como Parques e Florestas Nacionais. Se as MPs forem sancionadas, estas unidades seriam rebaixadas para a categoria de conservação mais fraca de todas (Área de Proteção Ambiental) e estariam abertas para a máfia das terras, da madeira e do garimpo.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) estima que a sanção da MP 756 pelo presidente poderá causar, até 2030, o desmatamento de 280 mil hectares e a emissão de 140 milhões de toneladas de carbono, apenas na Floresta Nacional do Jamanxim. Se o estudo tivesse considerado também efeitos indiretos da sanção da MP, como o incentivo ao desmatamento nas outras unidades de conservação da região e a abertura de precedente para a desproteção de florestas em outros estados, talvez a emissão de carbono adicional ficasse perto de 1 bilhão de toneladas, apenas com uma canetada. Nada mal para quem busca um lugar no hall da infâmia.
Se o presidente quiser, entretanto, ele pode escolher outra posição na história e vetar estas MPs, justificando que o Congresso alterou os seus objetivos e aumentou absurdamente o tamanho das áreas que serão desprotegidas. No caso da MP 758, que tinha como objetivo reduzir o Parque Nacional do Jamanxim para abrigar o traçado da Ferrovia Ferrogrão (EF-170), a área a ser desprotegida aumentou em 120 vezes, passando de apenas 862 para 101 mil hectares! Na MP 756 as alterações feitas no Congresso fizeram a Floresta Nacional do Jamanxim perder 180 mil hectares a mais do que o previsto na MP original.
Aqui também foi incluído um contrabando legislativo para retirar 10 mil hectares do Parque Nacional de São Joaquim, em Santa Catarina, em outro bioma, sem nenhuma relação com o objetivo original da medida provisória. Por estes e outros abusos até representantes do agronegócio já pediram o veto presidencial, bem como mais de uma centena de organizações reunidas no movimento #Resista. A sanção destas medidas também resultaria em apoio e financiamento ao crime organizado que realiza a pilhagem da natureza nessa região, como bem demonstrado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e Polícia Federal em várias operações de combate ao desmatamento (Boi Pirata, Castanheira, Rios Voadores, etc).
O tempo regulamentar para sanção presidencial já está chegando ao fim, e talvez o destino das MPs já esteja resolvido no momento dessa leitura. Se Temer tiver sancionado, terá dado seu primeiro grande passo para alcançar Donald Trump.
E finalmente, mas não menos importante, vem a MP 759, também apelidada de ‘MP da grilagem’, que facilita a apropriação de terras públicas por gente que não precisa delas para viver. De modo semelhante às outras MPs, essa também teve o texto piorado durante sua passagem pelo Congresso. O papel que aterrissa na mesa de Temer reduz ao mínimo os padrões de verificação da legalidade da posse e da regularidade ambiental em todo o país, aumenta para 2.500 hectares o tamanho da área que pode ser regularizada, e pode transformar em área privada cerca de 40 milhões de hectares de terras públicas, apenas na Amazônia. A MP 759 vem para turbinar o estrago das medidas anteriores, especialmente na região amazônica, onde a grilagem e o desmatamento caminham juntos, resultando em menos floresta, menos chuva, menos biodiversidade e, claro, mais violência e mais emissões de carbono para a atmosfera.
Apesar dos apelos de cientistas e ambientalistas, é possível que Temer resolva sancionar as medidas em troca de alguma sobrevida, dando sua contribuição para nos aproximar do fim do mundo. Caso o faça, ele ameaça ultrapassar Trump e se tornar o inimigo número um do clima, com o bônus de se tornar também o detonador-mor da biodiversidade. Mesmo assim é possível que ele não receba o mesmo reconhecimento dado ao presidente gringo, assim como Santos Dumont acabou obscurecido pelos irmãos Wright. Caso Temer escolha o caminho sombrio sancionando as medidas, e mesmo assim fique ofuscado pela imagem de Trump, a causa seria mais a falta de mídia do que a falta de mérito. Afinal, ninguém poderia dizer que ele não fez por merecer.
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Temer vs. Trump: quem é o maior vilão ambiental global? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU