27 Março 2017
O Papa Francisco lamentou a “perda dos ideais” na União Europeia em um encontro com 27 líderes políticos do continente na sexta-feira, 24 de março, pedindo que o bloco combata a ascensão de movimentos populistas e rejeite “formas falsas de segurança” que fecham as portas aos refugiados.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada por National Catholic Reporter, 24-03-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Num evento em 24 de março, na véspera do 60º aniversário de criação da entidade pancontinental, o pontífice falou que as décadas de prosperidade na Europa “têm atado as asas, e feito abaixar o olhar”. Ele também disse que os líderes europeus haviam esquecido a sua própria história, em particular as lições da luta para remover o muro que dividiu a Alemanha por décadas.
“Quanto esforço para abater aquele muro!”, explicou Francisco no seu discurso de meia hora. “Não obstante, hoje, perdeu-se a memória daquele esforço”.
“Onde as gerações tinham a ambição de ver abatidos os sinais de inimizade forçada, agora se discute como excluir os ‘perigos’ do nosso tempo, a partir da longa fila de mulheres, homens e crianças, em fuga da guerra e da pobreza, que pedem somente a possibilidade de um futuro para si e para seus entes queridos”, disse o papa.
Francisco falava aos Chefes de Estado e de Governo da União Europeia em comemoração à data de 25-03-1957, quando se assinou o Tratado de Roma, acordo que criou a Comunidade Econômica Europeia, precursora da União Europeia.
Estas palavras do pontífice foram proferidas num momento em que o continente enfrenta uma série de questões históricas. Na próxima semana, a primeira-ministra inglesa Theresa May deve começar o processo de dois anos em que o país irá se retirar da União Europeia, o primeiro na história do bloco. Partidos políticos populistas a favor da saída da União Europeia estão também ganhando força em vários outros países.
Francisco falou aos 27 líderes que “se os Pais fundadores (…) eram animados pela esperança de um futuro melhor (…) o nosso tempo é mais dominado pelo conceito de crise”.
Porém ele também observou que a raiz grega da palavra crise significa “investigar, avaliar, julgar”, e que “este, portanto, é um tempo de discernimento, que nos convida a avaliar o essencial e a construir sobre ele”.
“Quem governa tem a tarefa de discernir os caminhos da esperança, identificar os percursos concretos para que os passos significativos dados até aqui não se dispersem, mas sejam penhor de um caminho longo e frutuoso”, disse Francisco, antes de discorrer sobre os cinco caminhos da esperança.
O papa convidou os líderes políticos a combater o populismo e se recusarem a ceder ao medo diante da crise migratória.
Chamando a solidariedade de “o mais eficaz antídoto aos populismos modernos”, Francisco disse que o trabalho dela [da solidariedade] “comporta a consciência de ser parte de um só corpo e ao mesmo tempo implica a capacidade que cada membro tem de ‘simpatizar’ com o outro e com o todo”.
“Ao contrário, os populismos nascem precisamente do egoísmo, que fecha em um círculo restrito e sufocante e que não permite de superar o limite dos próprios pensamentos e ‘olhar além’”, disse. “É preciso recomeçar a pensar de modo europeu, para esconjurar o perigo oposto de uma cinzenta uniformidade, ou mesmo o triunfo dos particularismos”.
“À política cabe tal liderança ideal, que evite deixar-se levar pelas emoções para ganhar consenso, mas antes elabore, em um espírito de solidariedade e subsidiariedade, políticas que façam crescer toda a União em um desenvolvimento harmônico”, acrescentou o pontífice. Consequentemente, concluiu, “quem consegue correr mais rápido possa estender a mão a quem vai mais devagar e quem tem mais dificuldades consiga alcançar quem está na frente”.
Voltando-se à crise migratória, Francisco disse que ela está colocando uma questão profunda aos líderes europeus, a saber: “Qual cultura propõe a Europa hoje?”
“O medo que frequentemente se adverte encontra, de fato, na perda dos ideais, a sua causa mais radical”, disse. “Sem uma verdadeira perspectiva ideal se acaba por ser dominados pelo temor que o outro nos prive dos hábitos consolidados, nos prive dos confortos adquiridos, coloque em discussão um estilo de vida feito muito frequentemente somente de bem-estar material”.
“A Europa tem um patrimônio ideal e espiritual único ao mundo que merece ser reproposto com paixão e renovado frescor, o que é o melhor remédio contra o vazio dos valores de nosso tempo, fértil terreno para toda forma de extremismo”, declarou o papa.
Os 27 líderes da União Europeia devem continuar reunidos no sábado, quando assinarão uma nova declaração que vai traçar o futuro do bloco após a saída da Inglaterra. Uma versão inicial do documento declara que “a Europa é o nosso futuro comum” e elogia a união como um “empreendimento audaz e sólido”.
Para a realização do evento, a segurança foi reforçada em Roma, com as autoridades aumentando os esforços depois do ataque de Londres no dia 22 de março. Grande parte do centro histórico de Roma estará fechada para o tráfego no sábado, com protestos programados a acontecer na cidade e que deverão atrair milhares de pessoas. Uma área de vários quarteirões ao redor do Vaticano foi isolada no dia 24 deste mês antes do discurso do papa, bloqueando o acesso de turistas e transeuntes.
As palavras do papa foram o seu segundo discurso em um ano sobre o futuro da União Europeia. Em 16 de maio do ano passado, quando aceitou o prestigiado Prêmio Carlos Magno, o pontífice repreendeu os líderes europeus, instando-os a rejeitar os pedidos de renacionalização do continente e a “construir pontes e a derrubar muros”.
O Tratado de Roma, de 1957, foi assinado por seis países: Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Holanda e Alemanha ocidental.
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Francisco lamenta “perda dos ideais” da UE em encontro com 27 líderes políticos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU