17 Março 2017
Será que o Papa Francisco vai conseguir? Às vezes, até mesmo alguns dos muitos que olham com gratidão para o seu ministério cotidiano se perguntam isso. Entre esperança e trepidação, sem respostas dadas por descontado, eles também confiam a um suspiro de oração o desejo de um tempo de caminho distendido e prolongado, a ser vivido na companhia de um papa que ajuda a todos a descobrir e a saborear, dia a dia, a autêntica natureza da Igreja. A de uma “mãe fecunda”, que vive apenas da “reconfortante alegria de anunciar o Evangelho”, de acordo com a imagem usada pelo cardeal Bergoglio no seu discurso às Congregações Gerais, antes do conclave.
A reportagem é de Gianni Valente, publicada no sítio Vatican Insider, 16-03-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Nota da IHU On-Line: a reportagem está dividida em quatro capítulos. Confira também a primeira, a segunda e a terceira partes.
A mesma questão – feita com tom de urgência, coberta, talvez, por sorrisos zombeteiros ou com poses de analistas distanciados – já se tornou o mantra a partir do qual se movimentam quase todas as considerações sobre o papado em curso, provenientes de monsenhores “praticantes” e de massas de operadores do mainstream midiático-cultural envolvidos no fronte vaticano.
As duas perspectivas de olhar a partir das quais é feita a pergunta prenunciam cenários diferentes. As digressões midiáticas sobre o futuro das reformas iniciadas pelo Papa Bergoglio geralmente não levam em conta a natureza própria da Igreja como critério-guia para julgar as escolhas individuais feitas, os objetivos desejados e a perspectiva de fundo. Aplicam-se mecanicamente ao papa as categorias e os critérios de julgamento reservados aos diretores executivos contratados para reabilitar as megaempresas insolventes.
Assim, o pontificado é descrito como uma louca corrida de obstáculos, cadenciada pelos sucessos “fulgurantes”, pelas freadas obrigatórias e pelos fracassos “aviltantes” do papa global manager. A medida mundano-empresarial utilizada para ler os anos do Papa Francisco – os passados e aqueles que o Senhor ainda quiser nos dar – deixa pouco espaço de manobra. O frenesi de avaliar rendimentos e dividendos das operações individuais, literalmente, é de tirar o fôlego.
A reforma contada como obra do papa-herói solitário contra os males da Igreja parece construída propositadamente para desembocar no fim nada alegre do próprio naufrágio. À mercê dos sabotadores que exultam com cada obstáculo, semeando divisões e dubia entre o povo de Deus (para depois dizer que o povo de Deus está dividido e duvidoso). Com o fardo dos narcisismos mais ou menos interessados de todos os aspirantes a contribuintes, que vendem como apoio às reformas de Bergoglio os livros sobre as orgias dos padres ou até espetacularizam a luta contra a pedofilia e a caridade aos sem-teto. Os mesmos que, hoje, têm a intenção de levantar a cada dia a barra das performances exigidas ao papa octogenário poderiam, em breve, trazer para fora o arsenal dos lugares-comuns sobre o papa “reformista” que erra o alvo e que “começa a decepcionar”.
Os “sérios” comentaristas avessos a narrar a Igreja como um jogo palaciano de equipe talvez já prepararam o editorial em que narrarão o Papa Dom Quixote que não aguentou e perdeu a sua batalha contra os moinhos de vento (da Cúria, dos grandes cardeais, do obscurantismo clerical, dos lobbies financeiros etc.).
Posto dessa forma, o Papa Francisco não vai conseguir. Apesar de todos os artifícios para tornar a sua presença “viral” nas mídias sociais, a reforma de marca mundano-empresarial que lhe atribuem como prova obrigatória para entrar no Hall da Fama dos superlíderes globais parece fora de alcance. E, na realidade, não é óbvio que isso lhe interesse. Talvez, levando-se em conta o que ele diz, o eventual sucesso de uma reforma assim concebida e realizada poderia até lhe parecer um desastre.
A reforma, assim como é delineada por tantos analistas de assuntos vaticanos – e, na verdade, até mesmo em alguns documentos “programáticos” – continua sendo, de fato, um processo de reestruturação de aparatos e procedimentos, de acordo com critérios de eficiência funcional. Ela credencia a imagem de uma Igreja que muda e se refunda por força própria, por processos de autocosmética eclesial modelados sobre os formatos em uso nos escritórios de gestão de recursos humanos, livres de qualquer “discursinho” postiço sobre a “conversão missionária desejada pelo Papa Francisco”. Enquanto para aqueles que realmente o escutam, o atual sucessor de Pedro quis sugerir, de todos os modos, que as autênticas reformas eclesiais bebem de outra fonte e são movidas por outras intenções.
Ainda antes do conclave, no breve discurso dirigido aos colegas cardeais durante as Congregações Gerais, o então arcebispo de Buenos Aires tinha identificado justamente a autorreferencialidade como uma doença da Igreja, junto com o “narcisismo teológico”. E acrescentara que, precisamente, a libertação da imagem de Igreja mundana e autossuficiente, “que vive em si e para si mesma”, poderia sugerir as possíveis reformas “que devem ser feitas para a salvação das almas”.
O dominicano Yves Congar, grande teólogo do Concílio, já constatava que “as reformas bem sucedidas na Igreja são aquelas que são feitas em função das necessidades concretas das almas”. O Concílio Vaticano II também tinha proposto e aprovado as reformas no desejo de que a luz de Cristo brilhasse com mais transparência sobre o rosto da sua Igreja: tratava-se de remover obstáculos e pesos inúteis, também mudando instituições e práticas, apenas para ressaltar que a Igreja “não possui outra vida senão a da graça” (Paulo VI, “Credo do Povo de Deus”).
Ao longo desse caminho, moveram-se no passado as tentativas de reforma eclesial mais eficazes em tornar mais simples a vida cristã para todos os fiéis. Aqueles dispostos a deixar as portas abertas para a ação da graça de Cristo, sem desclassificá-la como fórmula ornamental dos pronunciamentos clericais. Em outras ocasiões históricas, quando prevaleceu o impulso de “construir” ou de reformar a Igreja imaginando-a como entidade autofundante, capaz de afirmar por si só a própria relevância estruturada nos fatos do mundo, até mesmo os reformismos eclesiais puderam se degenerar em novos triunfalismos autocomplacentes, como mostra a história da Igreja pelo menos desde Gregório VII.
Triunfalismos e clericalismos de velhas e novas cunhagens podem parecer diferentes ou até mesmo contraditórios, mas todos têm uma raiz comum: para os triunfalistas e os clericalistas de todos os matizes, a Igreja não vive como reflexo da presença de Cristo (que a edifica instante a instante com o dom do Seu Espírito), mas se concebe como realidade material e religiosamente comprometida em realizar por si só a própria relevância na história.
Também para os percursos de reforma eclesiais iniciados pelo Papa Francisco, abrem-se dois possíveis caminhos: aquele mundano-empresarial – tomado por impulsos inerciais e quase mecânicos dos aparatos – e aquele que não se entrega aos procedimentos de engenharia institucional, que deixa abertas as portas para a ação eficaz e histórica da graça e tem como fonte efetiva a alegria do Evangelho, a “reconfortante alegria” de anunciar o Evangelho (Evangelii gaudium).
A pregação real do Papa Francisco, os gestos feitos por ele para sugerir a toda a Igreja o caminho da “conversão pastoral” permitem intuir sem hesitação para que lado o atual sucessor de Pedro olha: enquanto ele continua se confessando pecador e “falível”, ele não parece condicionado pela angústia de colher às pressas sucessos a serem dados como alimento para a mídia e para os críticos que culpam a confusão dos muitos “canteiros de obras em aberto”.
Ele reconheceu desde o início, e continua confessando em cada gesto seu, que as coisas não dependem dele. Que o Senhor “primeireia”, age antes.
As circunstâncias concretas do tempo vivido na Igreja facilitam o reconhecimento de que o destino das reformas “bergoglianas” também não depende da astúcia de projetos e estratégias, mas permanece suspenso à graça. Ele tem a ver com os anos de intenso trabalho que o Pai Eterno quiser dar ao Papa Francisco. Depende dos seus sucessores, se terão ou não a vontade de continuar no mesmo caminho ou mudar de rumo; e depende também da eventualidade de que floresçam no mundo outros pastores, cada um com a sua sensibilidade e a sua história, chamados a dilatar pela graça o fôlego de uma Igreja sem espelhos, que não olha para si mesma, que não se curva sobre as suas imperfeições. E que sai de si mesma não para honrar os slogans sobre a “Igreja em saída”, mas apenas para ir ao encontro de Cristo, nos irmãos e, especialmente, nos pobres.
Por tudo isso, o olhar de Bergoglio pode seguir o caminho das reformas com paciência e sem angústias, permanecendo fiel ao princípio – muitas vezes reproposto por ele – de que “o tempo é superior ao espaço”, e convém iniciar e acompanhar os processos, em vez de ocupar posições.
Enquanto isso, enquanto sacerdotes e monsenhores também elevam invocações para pedir a sua rápida morte terrena, todos aqueles que querem bem ao Papa Francisco e querem ajudá-lo, podem se aproveitar de uma oportunidade ao alcance de todos: a de levá-lo a sério quando ele pede – e ele faz isso com todos – para que rezem por ele (Maria, Mãe de Misericórdia, cuidai dele).
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Será que o Papa Francisco vai conseguir? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU