22 Fevereiro 2017
O pastor batista e professor Harvey Cox (1929, Pensilvânia) foi, durante os últimos 50 anos, um dos mais destacados especialistas mundiais do fato religioso na sociedade moderna. Seu livro, A cidade secular, foi um marco. Cox conversou com Religión Digital durante um intervalo no Primeiro Encontro Ibero-Americano de Teologia, que aconteceu em Boston, do qual participou para apoiar o Papa Francisco, figura que admira por ser, entre outras coisas, o único líder mundial que pode fazer frente a Trump.
A entrevista é de José Manuel Vidal e publicada por Religión Digital, 20-02-2107. A tradução é de André Langer.
Professor Cox, segue vigente a tese do seu livro sobre a secularização?
Sim e não. Muitas das correntes que analiso se mantiveram atuais, ao passo que outras mudaram. A mudança mais significativa que noto no meu pensamento de 50 anos atrás é que “secularização” não é o termo mais apropriado para o que está acontecendo no mundo.
No meu modo de ver, o que está acontecendo é uma descentralização do sagrado para outras instituições: o esporte, os negócios, o ócio, o estilo... muitos dos elementos que antes estavam presentes nas instituições religiosas podem ser encontrados nestas formações supostamente “seculares”. Mas, não são “seculares” no sentido exato desse termo: ainda conservam uma qualidade “religiosa” ambígua. Algumas tendências continuam, mas outras não.
Seu último livro é O futuro da fé. Qual é o futuro da fé? A fé tem futuro?
Sim, porque creio que os seres humanos são criaturas que por natureza buscam a fé, o significado, os valores, as narrativas. Buscamos isso – encontramo-lo de diferentes maneiras, em diferentes expressões –, mas a busca da fé em si não é algo que desaparecerá enquanto continuarmos sendo seres humanos.
Haverá diferentes expressões da fé. Por isso, como cristãos, temos que nos preparar para esta diversificação de diferentes caminhos. A fé em si, não obstante e sem dúvida, continuará.
Penso que estamos às portas de um período de crescimento do cristianismo: não tanto no ocidente – Europa, Estados Unidos –, mas no Sul global. Ali se encontra o futuro da minha fé, o cristianismo. Creio que ali o seu futuro será mais forte.
Todas as religiões têm futuro, incluindo o catolicismo?
Sim, mas de formas diferentes. O catolicismo de hoje não é o mesmo de 150 anos atrás. Houve grandes mudanças: Vaticano II, e agora o Papa Francisco... O núcleo é o mesmo, mas as expressões culturais são bastante diferentes, e isso vai continuar.
E isso também é verdade em relação ao islã. O islã mudou e está mudando, embora muitos pensem que não. O mesmo acontece com o protestantismo e com outras formas de ser religioso. Se as religiões não mudarem, desaparecerão... Mas, enquanto vão mudando, têm que preservar o mesmo significado – esse sentido fundamental do que é a realidade, Deus, o ser humano –, ao mesmo tempo que encontram diferentes formas para captar isso.
Você gosta do Papa Francisco?
Sim, sou um grande admirador dele. É uma das razões pelas quais estou aqui, nesta conferência.
Fonte: Religión Digital
O que espera dele?
Creio que até aqui fez coisas maravilhosas. Eu o conheci no ano passado, quando estive em Roma, e ele causou muito boa impressão em mim. É um dom para a Igreja católica, para todas as Igrejas... um dom para todo o mundo.
É uma pessoa extraordinária, e rezo por ele. Sei que tem oposição – uma oposição forte e séria – e penso que ele necessita do nosso apoio. Assim que, quando Rafael Luciani me falou desta conferência na qual agora estamos e me disse que uma das coisas que pretendiam fazer era apoiar o Papa Francisco naquilo que está fazendo – dar-lhe um suporte teológico –, quis vir com muito gosto, embora eu não seja um teólogo católico, e contribuir com tudo o que pude.
Onde ele tem mais inimigos: dentro ou fora da Igreja?
Nos dois lados.
E os mais perigosos?
Os mais perigosos estão dentro, porque ocupam postos de poder. Alguns são bispos, inclusive cardeais, e outros, teólogos... Podem tornar sua vida muito difícil e impossibilitá-lo de fazer o que acredita que Deus quer. Mas ele é muito bom na hora de tratar com estas pessoas: primeiro, de maneira suave, e também com mão dura quando é preciso. Espero que seja bem sucedido.
Ele tem 80 anos. Vai dar tempo para terminar sua reforma?
Provavelmente não. Pode começá-la, e de maneira contundente – pode assentar as bases para um futuro desenvolvimento do seu projeto para quando já não estiver mais no posto –, mas creio que é uma tarefa muito grande para ser concluída em apenas um pontificado.
A reforma terá que ser continuada por quem vier depois dele, seu sucessor?
Espero que sim.
Mas, pode ser reversível?
Penso que, ao menos alguns aspectos, não são reversíveis, porque as pessoas viram e saborearam o que esta reforma significou e não será interrompida só porque o Papa Francisco não estiver mais na sua dianteira. Creio que continuará: pode ser que se torne mais difícil, mas não a deterão.
Por que ele é tão querido pelas pessoas simples, pelo povo, inclusive os não crentes, os indiferentes ou os ateus?
Porque ele é um exemplo para todos: um exemplo de abertura, de incentivo e de como não criticar. O que temos nos Estados Unidos, e em muitos lugares do mundo, são muitíssimos jovens que não estão filiados a nenhum movimento religioso, organismo ou igreja. Mas não são ateus: estão olhando, buscando, tentando encontrar algo, e penso que o Papa fala a eles. Com sua forma de viver e de falar.
Eu, por exemplo, tenho amigos na minha universidade que se consideram não religiosos, alguns são até agnósticos, mas 100% deles são favoráveis ao Papa Francisco. É incrível.
O Papa pode ser o único líder global capaz de fazer frente a Donald Trump?
Bom... como disse alguém há apenas uma semana: o Papa Francisco é o único adulto que resta agora, o único maduro. Eu acho que um dos problemas com Trump é que ele é muito infantil. É impetuoso, destemperado: age com raiva e não modera os seus sentimentos. Essa é uma forma perigosa de agir, e é característico das crianças. Há outras coisas. Suas políticas, em muitos casos, são muito ruins – nem todas, mas muitas –, mas me preocupa sua falta de temperamento equilibrado.
Uma coisa que o Papa Francisco tem é um sentido maravilhoso de maturidade. Maturidade, equilíbrio e justiça. Por isso, sim, penso que ele já é um dos poucos muros de contenção – talvez o único – às pretensões de Trump.
O mundo vai sofrer com Trump?
Sem dúvida alguma: vão sofrer os pobres, os migrantes, os refugiados... muitos vão sofrer por causa de suas políticas.
Especialmente a América Latina?
Receio que sim. Ele procurará ser muito severo com os latino-americanos. Manifestou claramente sua intenção nesse sentido; isso não é nenhum segredo. Mas algumas dessas coisas de que fala são ridículas, como este grande muro, por exemplo... Ele não vai conseguir nada. Em primeiro lugar, não creio que vai poder construí-lo. Vamos ver. Mas 40% das pessoas que entram nos Estados Unidos pelo México e outros lugares da América Latina – 40%! – o fazem via aérea: não precisariam de forma nenhuma atravessar nenhum muro. É verdade que há pessoas que vêm para cá e não abandonam os Estados Unidos quando devem... mas a atitude de Trump em relação aos refugiados é absolutamente o contrário da atitude do Evangelho.
O dinheiro governa o mundo? É um combate da luz contra as trevas?
Até na Igreja! É a tirania do “deus mercado”... disse até o Papa. Somos governados pelo mercado.
Mas há esperança?
Sim, sempre. E a esperança é mais importante agora do que nunca. A esperança não é um dado empírico: é uma virtude teologal que brota do mais profundo. Temos que ter esperança, e creio que a temos: as pessoas nunca se renderão. Os meus estudantes, os meus filhos já adultos, me dão muita força... eles nunca abandonarão a esperança.
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Harvey Cox: “Francisco é, talvez, o único muro de contenção contra Trump” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU