14 Fevereiro 2017
Talvez seja um sinal de que realmente estamos na era Trump quando uma universidade jesuíta proíbe uma organização estudantil com a palavra "justiça" em seu nome.
Apesar de o grupo Estudantes pela Justiça para a Palestina ter passado por todos os trâmites necessários e ter sido aprovado pela liderança estudantil, a Universidade Fordham, em Nova York, proibiu seu reconhecimento como organização estudantil. A ação levanta sérias questões não somente em relação ao compromisso da Fordham em relação à justiça, uma prioridade de universidades jesuítas há muito tempo, mas também aos direitos à liberdade de expressão e de associação de seus alunos e o espírito de universidade aberta defensora da livre investigação.
O artigo é de Stephen Zunes, professor de Politica e Estudos Internacionais na Universidade de São Francisco, publicado por National Catholic Reporter, 11-02-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Em um carta conjunta à Universidade Fordham, ao reitor jesuíta Joseph McShane, o grupo Palestina Legal e o Centro de Direitos Constitucionais declararam que a justificativa para a proibição "não entende os fatos, falha em interpretar a lei e ignora as obrigações contratuais da Fordham de respeitar a liberdade de expressão dos alunos, como prometido em diversas políticas da universidade".
Os dois grupos também observaram que "todas as evidências indicam que a recusa baseou-se na perspectiva da mensagem dos alunos e/ou sua nacionalidade", o que coloca em xeque o financiamento federal da universidade conforme o Título VI da Lei dos Direitos Civis.
Nas últimas décadas, centenas de grupos solidários ao "Terceiro Mundo" têm surgido em faculdades e universidades dos Estados Unidos, abordando conflitos não só no Oriente Médio, mas também na África do Sul, na América Central, no Sudeste da Ásia e em outros lugares. Embora alguns desses grupos tenham sido um tanto rígidos e ideológicos em sua abordagem, eles têm um papel importante em levantar questões legítimas sobre justiça, principalmente no que tange à política externa dos EUA.
Fundamentalmente, no entanto, eles têm todo o direito de se organizar.
Pouco mais de 15 anos atrás, representei a Universidade de San Francisco em uma série de conferências regionais e nacionais sobre o papel da justiça no ensino superior jesuíta. Um dos aspectos da tradição que procuramos enfatizar foi o importante papel dos grupos estudantis em abordar questões sobre justiça nos Estados Unidos e no mundo todo, mesmo que nem todos concordem com seus objetivos políticos ou estilo de organização.
Keith Eldredge, reitor do campus Manhattan da Universidade Fordham, tentou justificar a proibição alegando que a defesa do Estudantes pela Justiça para a Palestina de boicotes, retiradas de investimentos e sanções contra Israel "representa uma barreira ao diálogo aberto".
Como a Igreja Católica apoiou essas estratégias por muito tempo - em movimentos como o boicote a alface e uvas em apoio a trabalhadores rurais e a retirada de investimentos e sanções contra o apartheid na África do Sul -, essa explicação chega a ser irônica.
Mais recentemente, uma série de instituições e organizações católicas - incluindo os jesuítas canadenses - retiraram investimentos de empresas de combustíveis fósseis. Várias organizações católicas, como a Conferência dos Superiores Maiores dos Institutos Masculinos, também retiraram investimentos de empresas que apoiam a ocupação israelense e os assentamentos ilegais.
Independentemente da história da Igreja a respeito dessas questões, expulsar uma organização estudantil desta maneira é uma barreira muito maior "ao diálogo aberto" do que sua defesa da tradição de impor sanções a governos que violam as normas jurídicas internacionais, promover boicotes e retirar investimentos de empresas que apoiam tais violações.
Outro aspecto intrigante da decisão da Universidade Fordham é a explicação de que permitir o grupo estudantil seria uma forma de "polarização". Existem inúmeras organizações estudantis, tanto em instituições jesuítas quanto em outras instituições, que discutem questões consideradas "polarizadas" e praticamente nenhuma foi rejeitada por isso.
De fato, muitas das principais lutas das últimas décadas - como a oposição à segregação, à Guerra do Vietnã, ao apartheid sul-africano, à corrida com armas nucleares, à intervenção dos EUA na América Central, à ocupação de Timor Leste pela Indonésia, às fábricas e outras formas de exploração econômica - foram consideradas "polarizadas" na época.
Como membro da faculdade, em 1998, organizei uma conferência no campus da Universidade de San Francisco a respeito da ocupação do Timor Leste pela Indonésia com o Nobel da Paz José Ramos-Horta. A universidade foi ameaçada a perder meio milhão de dólares em contribuições de doadores pró-Indonésia se não cancelasse a conferência, mas devido ao respeito da reitoria à liberdade acadêmica - compromisso claramente ausente nos líderes da Universidade Fordham - eles se recusaram a cancelar.
Ao contrário dos colegas jesuítas de Nova York, os líderes da Universidade de San Francisco pensavam que uma universidade não deveria abafar questões legítimas sobre uma ocupação estrangeira violenta, mesmo que fosse por um aliado dos Estados Unidos cujas políticas eram apoiadas por doadores abastados.
Certamente, o direito dos estudantes de formar organizações e realizar eventos abordando a ocupação israelense é tão importante quanto o direito de fazê-lo contra as ocupações por parte do Marrocos, da Rússia ou de qualquer outro país, independentemente da reprovação de indivíduos ou organizações. Fordham é a primeira universidade a se recusar a reconhecer um chapter, ou seção regional, do grupo Estudantes pela Justiça para a Palestina. Se a decisão se mantiver, pode ser apenas uma questão de tempo para outros chapters do Estudantes por um Tibete Livre e grupos semelhantes também serem rejeitados.
Assim como os apoiadores do governo israelense, os defensores dos direitos dos palestinos têm diferentes bases ideológicas e maneiras de expressar suas opiniões. É muito injusto pressupor o pior de qualquer um deles. Isso torna a tentativa da administração da Fordham de estereotipar e caracterizar ativistas pró-palestinos como hostis e perversos particularmente preocupante.
Jeffrey Gray, por exemplo, vice-presidente para assuntos estudantis da Universidade Fordham, tentou justificar a proibição alegando que alguns membros do grupo Estudantes pela Justiça para a Palestina interromperam eventos e envolveram-se em ações contrárias ao código de conduta da Fordham em outros campi.
No entanto, os estudantes da Fordham interessados em implementar o chapter não só perceberam sua total independência de outros chapters do Estudantes pela Justiça para a Palestina, mas também o site do grupo nacional declara explicitamente que os grupos individuais dos campus são autônomos.
Além disso, a Suprema Corte dos EUA já havia determinado que o não reconhecimento de um grupo estudantil com base em ações do grupo nacional constitui violação dos direitos associativos conforme a Primeira Emenda.
Com um novo governo em Washington, cujo compromisso com a liberdade civil é altamente questionável, é muito importante que as instituições educacionais protejam os direitos à liberdade de expressão de seus alunos, especialmente os que têm posicionamentos politicamente impopulares e se identificam como membros de grupos marginalizados. É uma trágica ironia que uma instituição jesuíta de destaque esteja liderando a supressão de tais direitos.
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A proibição da Universidade Fordham a grupo palestino contraria liberdade de expressão e valores jesuítas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU