05 Janeiro 2017
A revisão do acordo de paz que busca acabar com a guerra civil de 52 anos da Colômbia tem um preço: a possibilidade de altos comandantes escaparem da punição por crimes de guerra, incluindo a execução militar de milhares de civis, para efeitos de aumento da contagem de corpos.
A reportagem é de Linda Cooper e James Hodge*, publicada por National Catholic Reporter, 04-01-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O pacto original entre o governo e a maior guerrilha do país, as FARC, sigla em espanhol para Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, foi derrotado pelos eleitores em outubro, de forma inesperada e por poucos votos de diferença,em um referendo com grande abstenção, apenas dois dias depois de um furacão de categoria 5 ter atingido o país.
Temendo o colapso do cessar-fogo, o presidente colombiano Juan Manuel Santos retomou as negociações com as FARC imediatamente, elaborando cerca de 50 mudanças no acordo, em partes para satisfazer a direita, que esperava termos mais severos para os guerrilheiros. O acordo revisto incluiu uma linguagem mais rígida em termos de responsabilização, a proibição de magistrados estrangeiros no julgamento de crimes de ambos os lados e a exigência de que as FARC abrissem mão de bens para compensar as vítimas.
Santos esquivou-se de outro referendo e enviou o acordo diretamente ao Congresso, que prontamente o ratificou, assim como o Tribunal Constitucional da Colômbia, que autorizou o pedido de urgência da legislação para desmobilizar rapidamente as FARC.
Mas apenas a algumas horas da assinatura do pacto revisado de 310 páginas, em 24 de novembro, Santos deletou um parágrafo crucial sobre responsabilidade de comando, a pedido de autoridades do exército.
Isto deu "uma garantia efetiva de impunidade para os oficiais do exército", cujas tropas cometeram crimes contra os direitos humanos, segundo Daniel Wilkinson, diretor da divisão das Américas da Human Rights Watch. Em 15 de dezembro, em um blogue da Financial Times, ele escreveu que o parágrafo deletado já havia sido aprovado pelos negociadores das FARC, que não haviam pleiteado tais concessões para seus próprios comandantes.
Tal supressão afeta mais de uma dúzia de investigações de generais do exército por promotores colombianos a respeito do escândalo dos "falsos positivos". Nessas investigações, membros do exército são acusados de aumentar o número de vítimas no período de 2002 a 2008, ao alegar que civis assassinados eram, na verdade, guerrilheiros.
O relator especial da ONU Philip Alston, que investigou as execuções extrajudiciais na Colômbia em 2009, descreveu a operação da seguinte forma: "A vítima é atraída, sob falsas promessas de um 'recrutador', a um local remoto, onde, logo em seguida, é morta por membros das forças armadas. A cena é então manipulada para que pareça que a pessoa foi morta em combate. A vítima geralmente é fotografada em um uniforme da guerrilha e segurando uma arma ou uma granada." Alguns chegavam a usar "botas limpas, quatro vezes maior que seu tamanho".
Os assassinos ganhavam até US$ 1.000 por vítima, mais um período adicional de férias e viagens ao exterior, de acordo com um relatório de 2015 da Human Rights Watch, que considerou os "falsos positivos", rotineiras execuções de civis pelas brigadas do exército pressionadas por superiores, como "um dos piores episódios de atrocidade em massa das últimas décadas no hemisfério ocidental".
A Human Rights Watch recentemente teve acesso aos depoimentos dos seis generais ligados às investigações da Colômbia e informou, em 20 de dezembro, que os seis conectaram os casos ao general reformado Mario Montoya Uribe em cerca de 44 assassinatos “falsos positivos”.
Montoya foi comandante do Exército colombiano e recebeu forte financiamento e treinamento dos Estados Unidos. As execuções extrajudiciais atingiram seu auge durante os três anos de seu comando. Ele graduou-se em 1983 na Escola das Américas, do Exército norte-americano, e foi instrutor em 1993, quando a Escola foi apedrejada no Congresso, pela primeira vez, por treinar oficiais latino-americanos envolvidos em tortura, assassinatos e destituição de governos democráticos.
Montoya está entre os cerca de 14 generais investigados por assassinatos falsos positivos, juntamente com o atual comandante do exército, general Juan Pablo Rodríguez Barragán, e um outro ex-comandante, general Jaime Lasprilla Villamizar.
Lasprilla Villamizar está sendo investigado por 48 assassinatos falsos positivos. De 2002 a 2003, ele foi instrutor do Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança (WHINSEC), sucessor da Escola das Américas.
Rodríguez Barragán, principal autoridade militar da Colômbia, está sendo investigado por 28 assassinatos falsos positivos. Ele é egresso de 2001 do Command and General Staff Officer Course, curso de formação do WHINSEC com duração de um ano.
Ao que parece, segundo a Human Rights Watch, Montoya e os outros generais sob investigação podem escapar ilesos de acordo com os termos do acordo de paz. O parágrafo removido por Juan Santos retirou a questão de responsabilidade de comando do direito internacional que diz que os comandantes de tropas que tenham cometido algum crime podem ser responsabilizados criminalmente mesmo não estando diretamente envolvidos, desde que saibam - ou devessem saber - sobre eles e não tenham intervindo.
Santos, que recentemente recebeu o Prêmio Nobel da Paz por seus esforços para acabar com a guerra, aparentemente, suprimiu o parágrafo a pedido de comandantes do exército para salvar seu acordo de paz e pôr fim à mais longa guerra civil na história da América Latina. A guerra civil já custou mais de 250.000 vidas e desalojou cerca de 7 milhões de pessoas.
O principal adversário do acordo era Álvaro Uribe, ex-presidente do país, que lançou uma campanha de terra arrasada contra as FARC. Ele declarou que o acordo era muito leve com as FARC e recompensava os envolvidos com tráfico de drogas e sequestros. Sua campanha, baseada no medo e na política de direita, também descreveu o acordo de paz como ameaçador para os valores familiares por reconhecer os direitos gays.
Foi durante a presidência de Uribe, de 2002 a 2010, que o exército executou o assassinato de civis para aumentar o número de vítimas da guerra, durante seis anos.
A Anistia Internacional elogiou os esforços para acabar com a guerra de 52 anos, considerando-os "uma conquista que não pode e não deve ser subestimada". Mas também criticou o fato de que "as punições não refletirão a gravidade de alguns dos crimes cometidos e a definição de responsabilidade de comando permite que superiores de ambos os lados fujam da responsabilidade pelas ações de seus subordinados".
Ao assinar os acordos em 24 de novembro, Santos disse estar otimista de que em 150 dias "todas as armas das FARC estarão nas mãos das Nações Unidas".
O plano prevê que as FARC sejam desarmadas e desmobilizadas em 20 ou mais áreas, mas o governo ainda precisa preparar muitos dos campos e o prazo para desmobilização foi prorrogado.
Grupos de direitos humanos temem que a demora coloque em risco as vidas dos membros das FARC e de outras pessoas, pois grupos armados estão agora tentando assumir o controle de terras dominadas pela guerrilha. Desde o cessar-fogo, líderes locais de grupos campesinos e de direitos humanos foram assassinados.
Este receio não é por nada. Durante as negociações de paz no final dos anos 1980, milícias de direita, traficantes e membros das forças armadas assassinaram milhares de membros da União Patriótica, um partido político cofundada pelas FARC.
*Linda Cooper e James Hodge são os autores de Disturbing the Peace: The Story of Father Roy Bourgeois and the Movement to Close the School of the Americas.
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Presidente colombiano altera pacto de paz a pedido do exército - Instituto Humanitas Unisinos - IHU