12 Dezembro 2016
A abordagem do Papa Francisco para as escolhas difíceis no departamento pessoal é manter as pessoas nos seus cargos ao mesmo tempo confiando a real responsabilidade a alguém mais e, assim, tornando menos consequencial a funcionário original – talvez até mesmo fazendo-a irrelevante.
O comentário é de John L. Allen Jr., publicado por Crux, 08-12-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Quase tudo o que um papa faz é importante do ponto de vista de modelar a cultura na Igreja Católica, mas nada é mais fundamental do que suas escolhas para o departamento pessoal – os bispos que ele nomeia, as pessoas que põe a cargo das operações vaticanas e assim por diante.
Esse departamento é central na Igreja, em parte pela amplitude que os bispos e demais autoridades vaticanas desfrutam, em parte pela longevidade. O papa concede uma coletiva de imprensa, e o eco dela pode terminar amanhã mesmo; ele designa um bispo, e esta pessoa estará exercendo influência para os próximos 25 anos.
Francisco, embora muito loquaz, na verdade pouco falou sobre sua abordagem relativa a tomar decisões importantes como essas. Um dos poucos insights que temos vem de uma entrevista que ele deu em junho ao jornalista Joaquín Morales Solá, do jornal argentino La Nación.
A pergunta feita era como ele lida com as autoridades eclesiásticas que podem não estar em plena sintonia com sua visão de Igreja.
“Os pregos são removidos aplicando-se pressão para cima”, disse o papa, “ou os colocamos para descansar, ao lado, quando chegar a idade da aposentadoria”.
Em outras palavras, às vezes Francisco remove a pessoa diretamente e o exemplo mais conhecido é o cardeal americano Raymond Burke, que perdeu o seu posto de presidente da Suprema Corte vaticana em novembro de 2014.
O papa parece preferir aguardar, ficar à espera até que a pessoa em questão alcance a idade de se aposentar e, em seguida, faz a transição natural.
A questão é: o que deve fazer um papa nesse meio tempo, uma vez que as coisas precisam ser feitas aqui e agora? No atual papado, podemos dar uma resposta com um nome próprio: ele adotou o que podemos chamar de a solução “Nunzio Galantino”.
Isto é, manter as pessoas nos seus cargos ao mesmo tempo confiando a real responsabilidade a alguém mais e, assim, tornando menos consequencial o funcionário original – talvez até mesmo fazendo-a irrelevante.
Galantino, de 68 anos, é o prelado tirado da obscuridade pelo papa na pequena diocese italiana de Cassano all’Jonio em dezembro. Foi feito secretário, ou seja, transformando-se na segunda maior autoridade, da poderosa Conferência Episcopal Italiana, conhecida pela sigla CEI.
Formalmente falando, a CEI é liderada pelo Cardeal Angelo Bagnasco, de Gênova. Bagnasco é em geral visto como um prelado clássico italiano: conservador em termos doutrinais, sem sê-lo ao extremo, e levemente conectado ao mundo da política, confortável com a abordagem “de cima para baixo” no exercício da autoridade clerical.
Lembro de quando me mudei para a Itália na década de 1990. Foi uma revelação descobrir que, sempre que o governo italiano divulgava a sua proposta orçamentária anual, a primeira reação que os jornais do país buscavam era a do porta-voz da CEI. Essa mentalidade reflete a história da Itália, em que os prelados muitas vezes foram mais importantes do que os políticos em se tratando de exercer influência e determinar o curso dos eventos nacionais.
Bagnasco, que completou 74 em janeiro, sente-se muito à vontade nesse ambiente. Pode-se dizer o que quiser, mas o estilo do líder italiano não é exatamente o estilo do pontífice.
Francisco tem uma visão teológica mais progressista. Fica desconfortável com clérigos sendo percebidos com estando alinhados politicamente. O papa é conhecido por ter um entendimento de Igreja mais sinodal do que piramidal.
Uma opção para ele teria sido remover Bagnasco e designar um outro ara a presidência da CEI. Em vez disso, escolheu deixar Bagnasco no cargo ao mesmo tempo pondo o seu próprio indicado para ser a referência entre os bispos do país. Essa percepção é tão forte que numa coletiva recente Galantino foi obrigado a dizer: “Não temos só uma pessoa no comando”, descartando interpretações em contrário como uma “fantasia”.
Para constar: sempre que alguém se vê forçado a negar que ele seria o único responsável por algo, provavelmente quer dizer que o seu papel é muito significativo.
Em geral, Galantino é uma figura mais apolítica do que Bagnasco, e um pouco mais progressista na maioria dos debates intracatólicos. Enquanto Bagnasco apoiou abertamente as manifestações contra o casamento homoafetivo, por exemplo, Galantino manteve-se distante.
Galantino foi motivo de manchetes esta semana ao apresentar um novo livro que traz vários ensaios seus chamado “Beati quelli che non si accontentano” (Felizes os que não estão contentes, em tradução livre), convocando os italianos a “baixar s armas” depois de um referendo constitucional contestado que levou à queda do governo de esquerda do primeiro-ministro Matteo Renzi.
Galantino não é o único exemplo da preferência do papa de contornar as pessoas em vez de removê-las.
Francisco teve uma oportunidade natural de substituir Pell, que completou 75 anos em junho e que está à frente da Secretaria para a Economia. Em vez disso, confirmou-o no posto ao mesmo tempo em que se dirige no sentido da visão que tem Pell de um Vaticano antenado com o século XXI em se tratando de operações financeiras.
Poderíamos dar outros exemplos, mas o que quero dizer está claro: de vez em quando, o papa vai tirar um prego puxando-o para fora. No entanto, em geral ele irá simplesmente encontrar uma outra ferramenta.
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Em vez de arrancar o prego, o Papa Francisco encontra uma outra ferramenta - Instituto Humanitas Unisinos - IHU