29 Outubro 2016
No próximo 31 de outubro, dia que relembra a afixação das 95 teses de Martinho Lutero contra as indulgências, será realizada em Lund, na Suécia, uma comemoração conjunta com a participação do Papa Francisco, do bispo Munib Younan e do pastor Martin Junge, respectivamente presidente e secretário-geral da Federação Luterana Mundial (FLM), e da bispa Antje Jackelén, primaz da Igreja da Suécia. O encontro irá abrir os eventos oficiais dos 500º aniversário da Reforma Protestante (1517-2017). A esse respeito, fizemos algumas perguntas ao teólogo valdense Paolo Ricca.
A reportagem é de Luca Baratto, publicado no sítio Notizie Evangeliche (NEV), 26-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Do seu ponto de vista de teólogo evangélico, como avalia o evento de Lund?
Avalio de forma muito positiva. Acima de tudo porque, pelo que eu saiba, é a primeira vez que um papa se associa publicamente a uma celebração da Reforma, promovida pelos luteranos na casa luterana. Em particular, o fato de o Papa Francisco ir para Lund enfatiza uma vontade de descentralização do pontífice, que se desloca de Roma: ele já havia mostrado isso ao inaugurar o Ano Jubilar na África. Agora, ele viaja para a Suécia, em uma cidade histórica do protestantismo, para se associar a uma celebração da Reforma. Certamente, o termo correto não seria "celebração", mas "comemoração", um termo neutro que indica o fazer memória de algo, independentemente de qualquer juízo de valor sobre o evento que se recorda.
É a palavra proposta pelo documento católico-luterano "Do conflito à comunhão". No entanto, eu imagino que os luteranos suecos "celebrarão" a Reforma. E, para além das questões de linguagem, o fato de o papa estar em Lund significa que ele considera a Reforma como um evento relevante para a história cristã em geral, também para a história do catolicismo.
Em relação a Lund, eu não vejo senão aspectos positivos. Além disso, certamente, muito vai depender do que os protagonistas dirão naquele fórum. Trata-se de um fato novo, inédito, que requer muita coragem por parte daqueles que o tornaram possível. Só as pessoas livres – e, a meu ver, a principal característica do Papa Francisco é a de ser um homem livre – fazem acontecer coisas novas, inéditas.
Naturalmente, não faltam críticas a esse evento, tanto da parte católica quanto da parte evangélica. Há quem diga que, entre os evangélicos, essas aberturas ecumênicas decretariam o fim da Reforma, o fato de que a Reforma não tem mais nada a dizer. O que você pensa a respeito?
É exatamente o contrário! É Roma que sempre apoiou, até o Concílio Vaticano II, que a Reforma não tinha nada a dizer, que não era nada mais do que uma heresia, um afastamento da verdade, um veneno espiritual. Essa foi a posição católica até o Vaticano II, ou seja, praticamente até ontem! Agora, não é mais assim. O Concílio Vaticano II aboliu a categoria da heresia em relação às Igrejas evangélicas. Certamente, ele não as define como Igrejas, chama-as de comunidades eclesiais, mas se distancia completamente da posição oficial sustentada durante quatro séculos e meio. A presença do Papa Francisco em Lund é o reconhecimento de que a Reforma foi um evento positivo para o cristianismo como um todo. Não é o sinal de que a Reforma não tem nada a dizer. Ao contrário, ela começa a dizer alguma coisa até mesmo lá onde, até agora, não tinha dito nada, isto é, no campo católico.
Considerando de modo mais geral os 500 anos, qual é a mensagem da Reforma que continua atual ainda hoje, da qual o mundo de hoje também precisa?
O nosso mundo precisa de Deus. A Reforma foi uma grande redescoberta de um aspecto fundamental da mensagem evangélica – e, portanto, de um aspecto de Deus, porque nós conhecemos Deus somente através da mensagem da Bíblia. Esse aspecto é a justiça de Deus, a justificação do pecador, a graça incondicional, imerecida. Esse evangelho – que não é todo o evangelho cristão, mas é um ponto fundamental dele – foi trazido à tona pela Reforma, que redescobriu a realidade de Deus redescobrindo a Sua justiça, que não é uma justiça que Deus exige, mas que Deus dá. Pode ser que esse tema não seja central na sensibilidades religiosa ou laica do nosso tempo, mas o que a Reforma fez foi isto: falar de Deus segundo a Sagrada Escritura. Essa, ao menos no nosso mundo secular no Ocidente, me parece ser uma mensagem de uma atualidade absoluta, que poderíamos definir como um unum necessarium: retomar a consciência da realidade de Deus.
No diálogo entre a Igreja Católica e as Igrejas luteranas, a Declaração Conjunta sobre a Justificação pela Fé, assinada em Augsburg (Alemanha), em 1999, é um marco. De que modo esse documento incidiu nas relações entre as duas famílias confessionais?
A Declaração Conjunta é um documento de enorme importância e valor, também pela introdução do conceito de "consenso diferenciado", segundo o qual estamos de acordo sobre as afirmações centrais e nos diferenciamos sobre questões não centrais que não impedem a comunhão. No entanto, a minha opinião é que o documento não incidiu na vida das Igrejas. Isso principalmente devido ao fato de que a justificação pela fé reveste-se de uma importância diferente para católicos e luteranos. Para os luteranos, ela é central para a vida de fé, para os católicos, não. Exagerando um pouco, eu diria que, em nível de sensibilidade espiritual profunda, a justificação pela fé não pertence à vivência da fé do mundo católico.
Essa assimetria pesa sobre o resultado concreto do documento. Além disso, a comunhão que a Declaração Conjunta prenuncia é totalmente teórica, porque não há acordo sobre a questão do ministério. O acordo sobre a justificação, por si só, não é suficiente. No fundo, já tinha sido encontrado um acordo no século XVI, com a doutrina da dupla justificação proposta nos diálogos de Regensburg de 1541. Mesmo naquele caso, o acordo não foi suficiente para mudar as coisas. Se não for encontrado um acordo global, particularmente sobre a questão controversa do ministério, o acordo sobre a justificação por si só não é suficiente.
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"Reforma, um evento relevante para a história cristã, inclusive católica." Entrevista com Paolo Ricca - Instituto Humanitas Unisinos - IHU