08 Outubro 2016
"A exemplo de Pedro Fabro, o Papa Francisco falou aos jesuítas com doçura, com fraternidade, com amor, em verdade, como um 'irmão mais velho'; e, como Fabro, nos convidou também a provar o desejo de 'deixar que Cristo ocupe o centro do nosso coração', porque, 'somente se estivermos centrados em Deus, será possível ir às periferias do mundo'."
A opinião é do jesuíta espanhol Elías Royón, ex-vice-reitor e professor da Universidade de Comillas, ex-provincial espanhol da Companhia de Jesus e ex-presidente da Conferência Espanhola de Religiosos (Confer).
O artigo foi publicado na revista La Civiltà Cattolica, n. 3.990, 24-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No dia 2 de outubro inicia a 36ª Congregação Geral (CG), que elegerá o sucessor do padre Adolfo Nicolás à frente da Companhia de Jesus. E, naturalmente, ela vai abordar também aspectos importantes da vida e da missão da Ordem. Certamente, o papa receberá os congregados e lhes dirigirá um discurso. As suas palavras serão ouvidas com atenção e serão acolhidas com "largueza de ânimo e liberalidade". Para a Companhia, elas significarão um novo impulso evangelizador, na fidelidade criativa ao seu carisma e à sua identidade.
Nestes anos de pontificado, Francisco já se dirigiu várias vezes aos jesuítas, de modo que a Companhia que se reúne na Congregação Geral já tem, de algum modo, um "discurso prévio" do Papa Francisco, que pode servir de inspiração e de orientação desde o início. Um discurso "prévio" de um "irmão mais velho", como Laínez chamava Fabro [1], mas de um irmão mais velho que é papa, ao qual, "com renovado impulso e fervor" [2], oferecemos o nosso voto de obediência, considerado desde o início da Companhia "como nosso princípio e principal fundamento" [3].
Os papas sempre dirigiram discursos importantes às Congregações Gerais. Eles nos deram encargos missionários e confirmaram escolhas apostólicas; fizeram "memória" dos núcleos fundamentais da nossa espiritualidade e da história da Companhia; também nos advertiram sobre os possíveis perigos e erros em que podíamos incorrer, de como servimos a Igreja e de como ela continua contando com o nosso serviço. O último desses discursos pontifícios foi o de Bento XVI durante a 35ª CG.
Com palavras repletas de afeto, de estima e de proximidade espiritual, Bento XVI nos falou a partir de dentro da nossa vocação e espiritualidade, e nos levou para o centro da nossa identidade. O discurso do papa emérito abria uma época nova para a Companhia no que diz respeito às suas relações com a Santa Sé. A própria Congregação reconhecia isso no decreto "Com renovado impulso e fervor" (D I), em que ela chamava "todos os jesuítas a viverem com largueza de ânimo e não menos generosamente aquilo que está no centro da nossa vocação: militar por Deus sob a bandeira da cruz e servir apenas ao Senhor e à Igreja, sua esposa, à disposição do Romano Pontífice, Vigário de Cristo na terra" (D I, 9). A atual Congregação Geral certamente verificará, no relatório sobre o "estado da Companhia", se esse chamado urgente teve uma resposta adequada nos últimos anos.
A esse discurso do Papa Bento, conecta-se aquele que chamamos de "discurso prévio", composto pelas diversas alocuções que o Papa Francisco dirigiu aos jesuítas. Elas se em clara continuidade com esse discurso. Fazem memória agradecida de um passado que é presente apaixonado: as graças do Senhor que nos identificaram e devem continuar nos identificando com a Companhia. "Somos chamados a recuperar a nossa memória, a fazer memória, trazendo em mente os benefícios recebidos e os dons particulares (Exercícios Espirituais [ES], n. 234)" [4].
Quem faz "memória" disso é um papa que é jesuíta, mas que, para nós, deve ser antes papa do que jesuíta. Se outros sumos pontífices nos recordaram essas graças, Francisco o faz conhecendo-as a partir de dentro da nossa condição de jesuítas. Com uma certa frequência, ele se reconhece explicitamente como jesuíta; expõe com simplicidade, quase em voz baixa, mas sem rodeios, os traços grandes e fortes da nossa espiritualidade e identidade.
O que nos disse o papa? É o que nos propomos mostrar neste artigo, com a consciência, porém, da dificuldade que está conectada a isso. Tentaremos ser o mais objetivos possíveis ao apresentar os temas tratados, embora todos estejamos inclinados a selecionar aqueles aspectos que combinam melhor com as nossas sensibilidades teológicas, pastorais, sociais e até mesmo religiosas e espirituais. Mas deveremos nos esforçar para acolher com largueza de ânimo e generosidade de espírito todas as reflexões que o papa nos oferece, sobretudo quando elas nos remetem ao nosso modo de vida e à nossa missão.
O nosso monograma característico, IHS, nos indica – disse o papa na festa de Santo Inácio de 2013 [5] – uma realidade que nunca devemos esquecer: a centralidade de Cristo para cada um de nós e para toda a Companhia. Jesus é o centro e a única referência; decorre daí que cada jesuíta e o corpo da Companhia sempre deve ser "descentrados", nunca se tornar "autorreferenciais"; esse deslocamento nos leva a ter diante dos olhos "o Deus sempre maior", que nos leva continuamente para fora de nós mesmos e nos impulsiona a uma certa kenosis, a "sair do próprio amor, vontade e interesse" (ES 189).
À proposta serena, mas essencial, para a nossa vocação, o Papa Francisco acrescenta a sugestão de uma pergunta nada descontada para todos nós: Cristo é o centro da minha vida? Eu realmente ponho Cristo no centro da minha vida? O papa não exclui a eventualidade de que esse "centrar" a própria existência em Cristo permaneça submetido à tentação de pensar que nós devemos estar no centro. "E, nesse caso, o jesuíta se equivoca", diz Francisco claramente.
A mesma ideia retornou, alguns meses depois, na homilia para a festa do Santíssimo Nome de Jesus (3 de janeiro de 2014). Nós, jesuítas, queremos ser marcados pelo nome de Jesus, o que significa ter os mesmos sentimentos de Cristo. Mas o coração de Cristo é o coração de um Deus que, por amor, se "esvaziou". Cada um de nós deveria estar disposto a esvaziar a si mesmo. Nessa circunstância, o Papa Francisco usou o termo "esvaziar-se", em vez de "descentrar-se", com uma referência ao hino cristológico da Carta aos Filipenses (Fl 2, 5-11).
Somos chamados a ser "esvaziados", comenta Francisco, homens não devem viver centrados em si mesmos, porque o centro da Companhia é Cristo e a sua Igreja. E o papa chama a atenção para a consequência inerente ao fato de se abandonar de tal "descentramento": "Se o Deus das surpresas não está no centro, a Companhia se desorienta".
Na entrevista concedida ao padre Spadaro, em setembro de 2013, o papa é perguntado sobre como a Companhia pode servir a Igreja hoje, com que características peculiares e quais riscos podem ameaçá-la. A resposta é longa e toca diversas questões, mas as primeiras palavras são claras: "O jesuíta é um descentrado. A Companhia é em si mesma descentrada: o seu centro é Cristo e a Sua Igreja. [...] Se, em vez disso, ela olha muito para si mesma, coloca a si mesma no centro como estrutura bem sólida, muito bem 'armada', então ele corre o perigo de se sentir segura e suficiente" [6].
Sentir-se "segura e suficiente" é o perigo que ameaça a Companhia e se contrapõe, de acordo com o papa, ao "ser" do jesuíta. Francisco fala do jesuíta e toda a Companhia; o "ser descentrado" é a atitude própria não só de cada jesuíta, mas também do corpo inteiro da Companhia. Uma segurança e uma suficiência institucionais, que muitas vezes ameaçaram a história da Companhia, contradizem as suas raízes mais originais e os seus momentos mais gloriosos por estarem marcados pelo martírio.
Francisco nos conduz às nossas raízes identitárias mais fortes: os Exercícios Espirituais. Neles, nos é ensinado a pedir ao Senhor para "amá-Lo e segui-Lo mais", como expressão orante do desejo de nos identificarmos com Cristo pobre e humilde, que é formulado na "meditação sobre as duas bandeiras", do desejo de "ser recebido sob a sua bandeira" (ES 147). O Espírito nos leva àquele "terceiro grau de humildade", síntese da mística inaciana na identificação com Cristo: "Para imitar e parecer-me mais atualmente com Cristo nosso Senhor, eu quero e escolho antes pobreza com Cristo pobre que riqueza; desprezos com Cristo cheio deles que honras; e desejo mais ser tido por insensato e louco por Cristo que primeiro foi tido por tal, que por sábio ou prudente neste mundo" (ES 167).
Os Exercícios são uma experiência pessoal que "conforma" o jesuíta Àquele que o chamou a essa vocação, mas a sua dinâmica de imitação e de seguimento de Cristo "forma" todo o corpo da Companhia nas Constituições (Const.) como "via" para realizar o carisma inaciano na Igreja.
Inácio tem a audácia espiritual de apresentar àqueles que querem entrar na Companhia a perspectiva de que eles deverão "sofrer injúrias, falsos testemunhos, afrontas e serem considerados e estimados como loucos (sem, porém, dar qualquer ocasião para isso), impulsionados pelo desejo de se assemelhar e de imitar em alguma medida o nosso Criador e Senhor Jesus Cristo" (Const. 101).
Essa "conformação" da Companhia a Cristo se revela na experiência de La Storta, interpretada desde o primeiro momento como uma "graça institucional", e não simplesmente como uma graça pessoal de Inácio. Os elementos da visão se centram na escolha de Inácio e dos seus companheiros, a Companhia, por parte do Pai, para serem postos com o Filho que toma sobre Si a cruz. Assim, é-nos concedida a graça de sermos recebidos sob a bandeira de Cristo em pobreza e humildade. A 35ª Congregação Geral comenta a propósito: "Nós, jesuítas, portanto, encontramos a nossa identidade não sozinhos, mas na experiência de sermos companheiros [...]. A experiência de Inácio em La Storta é a raiz disso" (D II, 3).
A Companhia estará "segura" e se sentirá "suficiente" quando não olhar para si mesma, mas souber viver com o desejo de se conformar com o Cristo pobre e humilde dos Exercícios, com o Deus encarnado em Jesus de Nazaré, o máximo modelo de "descentramento" na história. É essa a identidade da Companhia que o papa nos recorda com tanta clareza e insistência.
E, quando Inácio e os seus companheiros quiseram apresentar à Igreja, para a aprovação da Companhia, uma síntese da sua identidade na "Fórmula do Instituto", não hesitaram em colocar Deus no centro: a primeira preocupação do jesuíta deve ser a de "ter diante dos olhos, sempre, antes de qualquer outra coisa, Deus" (curet primo Deum). O Papa Francisco nos conduz, aqui, quase com as mesmas palavras. Ao mesmo tempo, para definir a identidade da Companhia, na "Fórmula", é dada uma forte ênfase à cruz: "Quem quiser militar por Deus sob a bandeira da cruz na nossa Companhia e servir apenas ao Senhor e ao Romano Pontífice seu Vigário na terra…" [7].
A "Fórmula", depois, adverte sobre a necessidade de se examinar para desmascarar os enganos: "Meditem longamente e em profundidade, antes de se sobrecarregarem com esse peso, se possuírem tanto capital de bens celestes para poder, de acordo com o conselho do Senhor, levar cabo esta torre" (n. 4). Só assim serão possíveis o discernimento pessoal e apostólico, a discreta caritas, a disponibilidade, a força do magis para um serviço missionário maior e melhor, a experiência de uma amizade entre "companheiros de Jesus": notas, estas, que nos identificam e garantem "a conservação e o desenvolvimento de todo este corpo" (Const. 814).
O Papa Francisco recordou à Companhia um dos momentos mais significativos para a sua humilhação e identificação com Cristo. Nas Vésperas solenes do dia 27 de setembro de 2014, na recorrência do bicentenário da restauração da Companhia, ele disse: "A Companhia – e isto é bonito – viveu o conflito até o fim, sem reduzi-lo: viveu a humilhação com Cristo humilhado, obedeceu. [...] E isso deu honra à Companhia, não certamente os elogios dos seus méritos. Assim será sempre. Recordemos a nossa história: à Companhia 'foi dada a graça não só de crer no Senhor, mas também de sofrer por Ele" (Fp 1, 29). Faz-nos bem recordar isso" [8].
A essa centralidade de Cristo deve ser unida a centralidade da Igreja, e Francisco expressa essa ideia com uma metáfora: "São dois focos que não podem ser separados" [9]. O papa parte de uma afirmação válida para todo cristão: "Não se pode seguir a Cristo senão na Igreja e com a Igreja", e a aplica concretamente aos jesuítas: "E, também neste caso, nós, jesuítas e toda a Companhia não estamos no centro; somos, por assim dizer, 'deslocados', estamos a serviço de Cristo e da Igreja, a Esposa de Cristo, nosso Senhor, que é nossa Santa Mãe Igreja hierárquica (cf. ES 353)" [10].
A esse conceito tão inaciano, o Papa Francisco fez referência também na carta que, no dia 16 de março de 2013, três dias depois da sua eleição, escreveu ao Padre Geral. Nela, ele lhe agradece pela plena disponibilidade a "continuar servindo incondicionalmente à Igreja e ao Vigário de Cristo de acordo com a regra de Santo Inácio de Loyola". E, depois, oferece a sua oração por todos os jesuítas, "para que, fiéis ao carisma recebido, [...] possam ser, com a ação pastoral, mas sobretudo com o testemunho de uma vida inteiramente consagrada ao serviço da Igreja, Esposa de Cristo, fermento evangélico no mundo" [11].
Essa primeira mensagem de um papa jesuíta à Companhia não pode passar despercebida. Não se trata apenas de simples expressões formais, nem é apenas uma carta de cortesia: nela, está expressado o núcleo mais identitário da nossa vocação. A carta é curta e quase totalmente dirigida a recordar a nossa relação especial com a Igreja e com o Romano Pontífice. Nela, não há uma referência explícita ao quarto voto, mas ele é mencionado: "de acordo com a regra de Santo Inácio"; e se reitera a ideia do serviço: "continuar servindo incondicionalmente à Igreja e ao Vigário de Cristo [...], uma vida inteiramente consagrada ao serviço da Igreja, Esposa de Cristo".
Na homilia pronunciada para a festa de Santo Inácio, em 2013, o papa insiste no fato de que se trata de uma única "centralidade" com duas dimensões. Por isso, ele pode afirmar sem rodeios: "Servir a Cristo é amar esta Igreja concreta e servi-la com generosidade e espírito de obediência".
O jesuíta deve amar e servir uma Igreja concreta e histórica. Inácio incita a amar a Igreja que é peregrina neste mundo, sujeita à tentação e formada por homens fracos e pecadores, necessitados da misericórdia do Pai. Na entrevista concedida ao padre Spadaro, o Papa Francisco apresenta a sua imagem de Igreja: "É a do santo povo fiel de Deus". Sentir com a Igreja, para o Papa Francisco, significa estar no meio desse povo. "É a experiência da 'santa mãe Igreja hierárquica', [...] da Igreja como povo de Deus, pastores e povo juntos. A Igreja é a totalidade do povo de Deus" [12].
O papa ressalta um princípio de comportamento do jesuíta e da Companhia na Igreja: "Não pode haver caminhos paralelos ou isolados" [13]. Portanto, não valem "atalhos" construídos por nós mesmos, onde podemos nos sentir "seguros" e "suficientes", nem olhares para o mundo a partir do nosso centro. Aqui, apresenta-se para nós uma tentação, quando queremos tomar decisões a partir do "nosso centro", e não do "centro" de Cristo e da Sua Igreja. Então, perdemos a capacidade de discernir apostolicamente – saber como Deus e a Igreja querem se servir da Companhia – e de nos examinarmos para nos dizer verdadeiramente como estamos, aonde dirigimos o olhar, quais são os nossos horizontes.
A Companhia se encontrará em muitos campos apostólicos, mas sempre na Igreja, "com essa pertença que nos dá coragem para seguir em frente". E o papa faz referência aos dois valores da pesquisa e das periferias: "Sim, caminhos de pesquisa, caminhos criativos, sim, isso é importante: ir às periferias, as muitas periferias. Para isso, é necessário criatividade, mas sempre em comunidade, na Igreja".
O Papa Francisco nos exorta a estarmos presentes em dois horizontes missionários importantes e atuais: a pesquisa e as periferias, em qualquer uma de suas modalidades, e a desenvolver nelas uma grande criatividade, mas sempre "na Igreja", "evitando a doença espiritual da autorreferencialidade". E, para dar força à sua afirmação sobre a Companhia, ele acrescenta: "A Igreja, quando se torna autorreferencial, também adoece, envelhece" [14].
O papa, depois, mostra outro modo de servir à Igreja: o de servir ao Romano Pontífice, colaborar com seu ministério. Na celebração do bicentenário da restauração da Companhia, referindo-se às palavras do Papa Pio VII na bula de restauração, ele pede aos jesuítas que sejam "remadores experientes e valorosos" [15] e, logo depois, os exorta assim: "Remem, sejam fortes, mesmo com o vento contrário! Rememos a serviço da Igreja. Rememos juntos!". Portanto, o papa nos convida a remar com ele, porque "o barco de Pedro também pode ser sacudido hoje". Ele nos pede para remar, embora "seja fatigante remar". O serviço que Francisco nos pede se concretiza na Igreja e na ajuda ao Romano Pontífice: "remar com ele".
Essa ideia se conecta com aquilo que muitos papas pediram à Companhia, mas que teve ênfase especial no discurso do papa emérito à 35ª Congregação Geral (2008). O Papa Bento XVI nos disse que ele conta com a Companhia, que nos deseja colaboradores leais; e que nos impulsionou a fazer o serviço importante e difícil de nos "encarregarmos lealmente do dever fundamental da Igreja de se manter fiel ao seu mandato de aderir totalmente à Palavra de Deus e da tarefa do Magistério de conservar a verdade e a unidade da doutrina católica na sua completude" [16].
À pergunta que lhe foi feita pelo padre Spadaro: "Quem é Jorge Mario Bergoglio?", o papa dá uma resposta surpreendente: "Eu sou um pecador". Depois reforça a resposta: "Essa é a mais justa. E não é um modo de dizer, um gênero literário. Eu sou um pecador".
E, logo depois, afirma: "Eu sou um homem pecador ao qual o Senhor olhou", e repete: "Eu sou alguém que é olhado pelo Senhor". A nós, jesuítas, voltam à mente as palavras da 32ª CG, quando também lá nos perguntávamos: "O que significa ser jesuíta? Significa reconhecer-se pecador, mas chamado por Deus a ser companheiro de Jesus Cristo" (D II, 1). O padre Bergoglio participou dessa Congregação e, certamente, essas palavras agora ressoam no seu coração: ele está se definindo como um jesuíta.
Na homilia da festa de Santo Inácio de 2013, o Papa Francisco fala da "vergonha do jesuíta". Contemplando o Cristo crucificado, na primeira semana dos Exercícios, somos tomados por aquele sentimento, tão humano e tão nobre, que é a vergonha de não estar à altura. "E isso sempre nos leva, como indivíduos e como Companhia, à humildade, a viver essa grande virtude. [...] Humildade que nos leva a colocar tudo de nós mesmos não a serviço nosso ou das nossas ideias, mas a serviço de Cristo e da Igreja, como vasos de barro, frágeis, inadequados, insuficientes, mas nos quais há um tesouro imenso que trazemos e que comunicamos" [17].
O papa não fala de uma humildade que se confunde ou que se expressa com atos devotos, mas se refere à humildade que nos identifica com Jesus Cristo pobre e humilhado, com o Deus encarnado e morto na cruz, seja quando devemos enfrentar incompreensões, seja quando nos tornamos objeto de equívocos e de calúnias; mas essa é a atitude mais fecunda. E o papa cita os ritos chineses, os ritos malabareses, as Reduções do Paraguai, as incompreensões e os problemas vividos também em tempos recentes [18].
Essa humildade atravessa toda a espiritualidade da Companhia e encontra expressão naqueles dois termos, aparentemente contraditórios, que também complementam a sua identidade: magis e minima. Trata-se de dois termos correlatos, que só fazem sentido quando se integram.
O "mais" inaciano é sempre o desejo de resposta – "para que mais o ame e o siga" – que leva o jesuíta a desejar mais pobreza e humilhações do que riquezas e honras, para imitar e seguir mais Jesus Cristo.
O "mais" inclui o "menos" e se realiza no "diminuir", que é a verdadeira humildade. A Companhia é "mínima" na sua identidade, porque isso implica "ser submissa... e servir…". O magis apostólico, portanto, é composto por busca, gratuidade e disponibilidade, que nos levam a "diminuir", a não estar no centro, a sair das nossas seguranças e "somente n'Ele pôr a esperança" (Const. 812).
Na entrevista citada, o papa afirma que o jesuíta é um homem "de pensamento incompleto, de pensamento aberto". E explica o seu motivo: "O jesuíta sempre pensa, continuamente, olhando para o horizonte ao qual deve ir, tendo Cristo no centro. Essa é a sua verdadeira força". Com efeito, o seu "descentramento" o mantém em busca, torna-o criativo, generoso.
O Papa Francisco volta a essa ideia na homilia da festa do Santíssimo Nome de Jesus, no dia 3 de janeiro de 2014. Os jesuítas são homens em busca, porque "pensam sempre olhando para o horizonte que é a glória de Deus sempre maior, que nos surpreende sem parar. E essa é a inquietação do nosso abismo. Essa santa e bela inquietação!".
Francisco mantém em mente aquilo que mais caracteriza Santo Inácio e a sua espiritualidade: a busca da vontade de Deus, tão significativamente manifestada na "Autobiografia" de Inácio, quando ele se define como "o peregrino". O papa fala da inquietação do coração – porque Deus é surpresa – e se pergunta: "O que Deus quer de mim?". Aqui se encontra significado o fim último do processo espiritual dos Exercícios, o fruto da longa formação do jesuíta para aprender a buscar e encontrar Deus em todas as coisas. Encontrar a vontade de Deus é o objetivo daquele instrumento tão inaciano que é o discernimento.
O Papa Francisco está nos levando "até onde os primeiros chegara", para reavivar o dom, de modo que, com a graça de Deus, possamos ir "até além no nosso Senhor" (Const. 81). E está nos levando ao Proêmio das Constituições, que nos exorta a nos deixar guiar, mais do que pelas Regras e pela observância externa, "pela lei interna da caridade e do amor que o Espírito Santo escreve e imprime nos corações" (Const. 134).
E, para que não nos enganemos, mais uma vez o papa nos propõe para fazer este exame de consciência: "Se o nosso coração conservou a inquietação da busca ou se, ao contrário, se atrofiou; se o nosso coração está sempre em tensão: um coração que não descansa, não se fecha em si mesmo, mas bate no ritmo de um caminho a ser feito junto com todo o povo fiel de Deus". Não se trata de uma inquietação apenas espiritual, mas de "uma inquietação também apostólica [...]. É a inquietação que nos prepara para receber o dom da fecundidade apostólica. Sem inquietação, somos estéreis". E, de novo, ele nos adverte: "Que o nosso olhar, bem fixo em Cristo, seja profético e dinâmico em relação ao futuro: desse modo, vocês permanecerão sempre jovens e audazes na leitura dos acontecimentos!" [19].
Além disso, o papa apresenta Fabro com este traço característico: espírito inquieto, indeciso, nunca satisfeito, que aprende, sob a liderança de Inácio, a unir a sua sensibilidade inquieta, mas doce, com a capacidade de tomar decisões. Homem de grandes desejos, de grandes aspirações. Nos desejos, Fabro podia discernir a voz de Deus.
E o pontífice acrescenta o aspecto apostólico de tais desejos: "Uma fé autêntica envolve sempre um profundo desejo de mudar o mundo" [20]. Francisco se refere às Constituições: "Ajuda-se o próximo com os desejos apresentados a Deus, nosso Senhor" (Const. 638). Com efeito, nos Exercícios Espirituais, nas suas cartas e nas Constituições [21], Inácio muitas vezes exorta a alimentar "os bons e grandes desejos" e a concentrá-los em Jesus Cristo. Ele fez uma experiência pessoal disso no seu processo espiritual, como nos é relatado no "Diário" e na "Autobiografia".
Olhando para Fabro, o Papa Francisco nos pergunta: "Nós também temos grandes visões e impulso? Nós também somos audazes? O nosso sonho voa alto? O zelo nos devora? Ou somos medíocres e nos contentamos com as nossas programações apostólicas de laboratório?" [22]. Ainda na homilia do dia 3 de janeiro de 2014, o papa menciona a Igreja como referência para a Companhia: "Lembremo-nos sempre disto: a força da Igreja não habita em si mesma e na sua capacidade organizativa, mas se esconde nas águas profundas de Deus. E essas águas agitam os nossos desejos, e os desejos alargam o coração" [23].
Na audiência à revista La Civiltà Cattolica, Francisco nos define como homens de fronteira: "O seu lugar próprio são as fronteiras. Esse é o lugar dos jesuítas. [...] Por favor, sejam homens de fronteira, com aquela capacidade que vem de Deus". No papa, nunca falta essa alusão ao centro da identidade do jesuíta, o único lugar a partir do qual podem brotar essas notas do seu "perfil".
E ele também especifica como se deve ir às fronteiras: "Não caiam na tentação de domesticar as fronteiras: deve-se ir às fronteiras e não trazer as fronteiras para casa, para envernizá-las um pouco e domesticá-las". E novamente define a missão do jesuíta como serviço da Igreja: "Trata-se de sustentar a ação da Igreja em todos os campos da sua missão".
Na entrevista concedida ao padre Spadaro, o Papa Francisco esclarece um pouco mais o seu pensamento sobre as fronteiras: "Refiro-me à necessidade do homem que faz cultura de estar inserido no contexto no qual opera e sobre o qual reflete". Evidentemente, aqui ele está se referindo ao trabalho dos pensadores e dos escritores; mas depois amplia o seu pensamento e afirma: "Sempre há à espreita o perigo de viver em um laboratório. [...] Eu temo os laboratórios, porque, no laboratório, tomamos os problemas e os levamos para casa, para domesticá-los, para envernizá-los, fora do seu contexto. Não se deve levar a fronteira para casa, mas viver na fronteira e ser audazes" [24].
A fé é sempre uma fé inculturada, uma fé que é estrada, uma fé que é história: Deus se encarnou revelando-Se em uma história concreta. Aqui a referência é ao padre Arrupe e à sua carta aos Cias (Centros de Investigación y Acción Social), que o papa define como "genial"; nela, está dito claramente que não se pode falar de pobreza se ela não for experimentada [25].
Na celebração do bicentenário da restauração da Companhia, o Papa Francisco resume o trabalho da Companhia às fronteiras do nosso tempo: refugiados e deslocados, a integração do serviço da fé e da promoção da justiça [26], e recorda, assumindo-as, as palavras de Paulo VI à 32ª CG, que ele mesmo ouviu com seus próprios ouvidos: "Onde quer que, na Igreja, mesmo nos campos mais difíceis e de ponta, nas encruzilhadas das ideologias, nas trincheiras sociais, houve e há o confronto entre as exigências ardentes do homem e a perene mensagem do Evangelho, lá estiveram e estão os jesuítas" [27]. Francisco acrescenta: "São palavras proféticas do futuro Bem-aventurado Paulo VI". O Papa Bento XVI, por sua vez, também retomou essas palavras exigentes e encorajadoras do Papa Montini.
Três papas, portanto, enviaram à Companhia a mesma mensagem. Palavras de confiança e de estímulo, mas também muito exigentes, porque nos remetem ao sentido eclesial da nossa vocação.
Na audiência concedida à La Civiltà Cattolica, o Papa Francisco traçou novamente a história de defesa e de fidelidade à Igreja e recordou aos escritores que a sua "tarefa principal não é construir muros, mas pontes; é estabelecer um diálogo com todos os homens, mesmo com aqueles que não compartilham a fé cristã [...] e até com aqueles que se opõem à Igreja e a perseguem de várias maneiras (GS 92)". E, para dialogar, é preciso abaixar as defesas e abrir as portas. O papa encoraja os escritores a continuarem o diálogo com as instituições culturais, sociais, políticas, para oferecer uma contribuição para o bem comum.
Nas palavras do papa, volta a se fazer presente a figura do seu modelo jesuíta. Não podemos nos admirar com o fato de que, quando o papa lê estas palavras de Fabro: "Quem quiser se aproximar dos hereges desta época deve ter muita caridade com eles e amá-los in veritate", comunicando-se "familiarmente com eles" [28], ele se impressiona com elas e comenta: "O diálogo com todos, mesmo com os mais distantes e os adversários..." [29].
O que já relatamos até aqui requer que o jesuíta seja um homem que tem o dom do discernimento, "que busca reconhecer a presença do Espírito de Deus na realidade humana e cultural, a semente já plantada da Sua presença nos acontecimentos, nas sensibilidades, nos desejos, nas tensões profundas dos corações e dos contextos sociais, culturais e espirituais". O Papa Francisco define o discernimento espiritual como "um tesouro dos jesuítas". E afirma ter ficado impressionado com a observação de Hugo Rahner, para o qual o jesuíta "é um especialista no discernimento no campo de Deus e também no campo do diabo" [30]. Não é preciso ter medo, diz o papa, de continuar o discernimento para encontrar a verdade.
Quando o padre Spadaro lhe pergunta que aspecto da espiritualidade inaciana mais o ajuda a viver o seu ministério, Francisco responde: "O discernimento. É uma das coisas que Santo Inácio mais elaborou interiormente. Para ele, é um instrumento de luta para conhecer melhor o Senhor e segui-Lo mais de perto" [31]. E acrescenta: "Esse discernimento requer tempo. [...] Eu acredito que sempre há necessidade de tempo para lançar as bases para uma mudança verdadeira, eficaz. E este é o tempo do discernimento. E, às vezes, o discernimento, em vez disso, nos impele a fazer logo aquilo que, inicialmente, pensamos em fazer depois. [...] A sabedoria do discernimento resgata a necessária ambiguidade da vida e faz com que se encontrem os meios mais oportunos, que nem sempre se identificam com o que parece ser grande ou forte" [32].
Na celebração do bicentenário da restauração, o Papa Francisco faz observações muito precisas sobre o discernimento: "Em um tempo de confusão e de perturbação [...], na confusão e diante da humilhação, a Companhia preferiu viver o discernimento da vontade de Deus, sem buscar um modo para sair do conflito de maneira aparentemente tranquila ou ao menos elegante: ela não fez isso".
Em outros discursos, o papa expõe, quase por acaso, as condições para que se dê um verdadeiro discernimento espiritual. Por exemplo, ele menciona a reta intenção, um olhar simples, o fato de que "o discernimento sempre na presença do Senhor, olhando para os sinais, escutando as coisas que acontecem, o sentimento das pessoas, especialmente dos pobres" [33].
A propósito da supressão da Companhia, o Papa Francisco relata que o padre Lorenzo Ricci falou dos pecados dos jesuítas. De fato, o discernimento não busca o "compromisso" fácil, salva do desenraizamento, da verdadeira "supressão" do coração, que é o egoísmo, a mundanidade, a perda do nosso horizonte, da nossa esperança, que é só Jesus, quando buscamos aquilo que Deus pede.
Podemos, em conclusão, acrescentar uma nota sobre "como" o papa se dirigiu aos jesuítas no "discurso prévio". Na entrevista concedida ao padre Spadaro, ele afirma que "a Companhia pode se dizer somente em forma narrativa. Somente na narração pode-se fazer discernimento" [34]. Com efeito, o papa nos "narrou", com clareza e insistência, a identidade da Companhia, centrada em Cristo e na Igreja: "Militar por Deus sob a bandeira da Cruz e servir somente ao Senhor e à Igreja, sua esposa, à disposição do Romano Pontífice" [35].
O papa no-la "narrou", para que nós, fazendo "memória", nos coloquemos em atitude de discernimento e, agradecidos por tanto bem recebido, examinemos se estamos naquele "centro" e, uma vez "descentrados" de nós mesmos, desejemos viver sob a bandeira de Jesus: somente assim poderemos conhecer como e em que o Senhor e a sua Igreja querem se servir desta "mínima" Companhia.
A linguagem narrativa do papa não o leva a se perder em questões secundárias. Ele nos conduz, como em uma serena conversa com os seus irmãos jesuítas, às origens, aonde "os primeiros chegaram", de onde, através deles, efunde-se o dom do Espírito à Igreja; e, de modo muito inaciano, ele, jesuíta, se interroga e interroga a nós, jesuítas, sobre a nossa vida e sobre a nossa missão em relação àquele núcleo identitário.
A exemplo de Fabro, o Papa Francisco nos falou com doçura, com fraternidade, com amor, em verdade, como um "irmão mais velho"; e, como Fabro, nos convidou também a provar o desejo de "deixar que Cristo ocupe o centro do nosso coração" [36], porque, "somente se estivermos centrados em Deus, será possível ir às periferias do mundo" [37].
1. Cf. Fontes Narrativae Societatis Iesu (FN), I, 104.
2. 35ª Congregação Geral da Companhia de Jesus, Decreto 1.
3. P. Fabro, Memorie spirituali, Roma/Milão, Civiltà Cattolica/Corriere della Sera, 2014, 18; Monumenta Historica Societatis Iesu (MHSI), 63, 162.
4. Papa Francisco, Vésperas e "Te Deum" no bicentenário da restauração da Companhia, 27 de setembro de 2014.
5. Cf. ibid., Homilia na festa de Santo Inácio, 31 de julho de 2013.
6. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", in Civ. Catt. 2013 III 454 s.
7. "Formule dell’Istituto 1539, 1540, 1550", in Fontes Ignatianae, MCo I, 373-383.
8. Papa Francisco, Vésperas e "Te Deum" no bicentenário da restauração da Companhia, cit.
9. Idem.
10. Idem.
11. Papa Francisco, Carta ao Prepósito geral da Companhia de Jesus, padre Adolfo Nicolás Pachón, 16 de março de 2013: cf. www.vatican.va
12. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", cit., 459.
13. Papa Francisco, Homilia na festa de Santo Inácio, cit.
14. "Audiência do Papa Francisco a 'La Civiltà Cattolica'", 14 de junho de 2013, in Civ. Catt. 2013 III 5.
15. Pio VII, Sollicitudo omnium ecclesiarum.
16. Bento XVI, Discurso aos padres da Congregação Geral da Companhia de Jesus, 21 de fevereiro de 2008: cf. www.vatica.va
17. Papa Francisco, Homilia na festa de Santo Inácio, cit.
18. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", cit., 456.
19. "Audiência do Papa Francisco a 'La Civiltà Cattolica'", cit., 5.
20. Papa Francisco, Homilia na Missa na recorrência do Santíssimo Nome de Jesus, 3 de janeiro de 2014.
21. Encontramos um exemplo bastante significativo em Const. 101 (Exame).
22. Papa Francisco, Homilia na Missa na recorrência do Santíssimo Nome de Jesus, cit.
23. Idem.
24. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", cit., 474.
25. Idem.
26. Além dos discursos citados no texto, o Papa Francisco proferiu discursos para grupos de jesuítas e leigos que trabalham em vários campos apostólicos: Congresso Latino-Americano de Ex-Alunos (novembro de 2015); ex-alunos do Uruguai (outubro de 2013); Universidade Gregoriana (abril de 2014); Specola Vaticana (junho de 2014, setembro de 2015); Centro Astalli (setembro de 2013); Jesuit Refugee Service (novembro de 2015); Movimento Eucarístico Juvenil (agosto de 2015).
27. Paulo VI, Discurso à 32ª Congregação Geral da Companhia de Jesus, n. 2.
28. Monumenta Fabri, 399-402.
29. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", cit., 457.
30. "Audiência do Papa Francisco a 'La Civiltà Cattolica'", cit., 4 s.
31. A. Spadaro, "Entrevista com o Papa Francisco", cit., 453.
32. Ibid., 454.
33. Idem.
34. Ibid., 455.
35. Júlio III, Bula Exposcit debitum, 21 de julho de 1550.
36. P. Fabro, Memorie spirituali, n. 68.
37. Papa Francisco, Homilia na Missa na recorrência do Santíssimo Nome de Jesus, cit.
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O que o Papa Francisco já disse aos jesuítas? Artigo de Elías Royon - Instituto Humanitas Unisinos - IHU