10 Setembro 2016
O livro-entrevista de Peter Seewald com Bento XVI intitulado Ultime conversazioni [Últimas conversas] (título peremptório, mas, sendo o quarto da série de sucesso, "nunca diga nunca") e a partir desta sexta-feira nas livrarias italianas pela editora Garzanti, contém vários colóquios que ocorreram em tempos diferentes. Alguns entre 2010 e 2013, quando Ratzinger ainda era papa, e outros nos meses posteriores à renúncia.
A reportagem é de Andrea Tornielli, publicada no sítio Vatican Insider, 09-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mais uma vez, a partir da leitura das mais de 630 perguntas e respostas contidas no volume, é preciso dar crédito ao jornalista alemão por ter conseguido, mais do que qualquer outro, trazer à tona o "verdadeiro" Ratzinger.
Um teólogo e um papa que se distancia dos clichês dos autointitulados "ratzingerianos", aqueles que tentaram trancá-lo no recinto dos conservadores ou dos tradicionalistas, até aqueles que hoje, com características patológicas e paroxísticas, instrumentalizam-no cotidianamente para desacreditar o seu sucessor, Francisco.
Um exemplo que até agora escapou dos resenhadores do livro diz respeito ao Instituto para as Obras de Religião (IOR). Uma certa vulgata passou a ideia de que a retumbante destituição do presidente Ettore Gotti Tedeschi (nomeado em 2009, e, portanto, em pleno pontificado ratzingeriano), que ocorreu com modalidades no mínimo discutíveis, foi fruto de um complô urdido pelo cardeal secretário de Estado Tarcisio Bertone. Uma decisão que Bento XVI teria sofrido, incapaz de reagir.
Mas, na página 209 do livro-entrevista, o papa emérito responde sem hesitação a Seewald, reivindicando a escolha: "Para mim, o IOR foi desde o início um grande ponto de interrogação, e eu tentei reformá-lo. Não são operações que são levadas a termo rapidamente, porque é necessário se familiarizar com elas. Foi importante ter afastado a presidência anterior. Era preciso renovar a cúpula, e me pareceu certo, por muitas razões, não colocar mais um italiano à frente do banco. Posso dizer que a escolha do barão Freyberg acabou sendo uma ótima solução".
"Foi uma ideia sua?", pergunta o jornalista. "Sim", responde Ratzinger.
Em outra resposta, Bento XVI, falando dos seus anos juvenis, diz: "Éramos progressistas. Queríamos renovar a teologia e, com ela, a Igreja, tornando-a mais viva. Tínhamos sorte, porque vivíamos em uma época em que, sob o impulso do movimento juvenil e do movimento litúrgico, abriam-se novos horizontes, novos caminhos. Queríamos que a Igreja progredisse e estávamos convencidos de que, desse modo, ela se rejuvenesceria. Todos nós alimentávamos um certo desprezo – na época, era uma moda – pelo século XIX, isto é, pelo novo gótico e por todas aquelas imagens e estátuas de santos um pouco kitschs; pela devoção e pelo excessivo sentimentalismo um pouco restrito e também este um pouco kitsch. Queríamos superá-los, entrando em uma nova fase da devoção, e a renovação partiu justamente da liturgia, recuperando a sua sobriedade e a grandeza originais".
Mas o papa emérito se distancia também daqueles que hoje, especialmente no mundo tradicionalista, o transformaram em um arauto da fixidez do antigo rito. Ratzinger reivindica a importância de ter criado uma nova oração para o rito da Sexta-feira Santa do antigo missal, declarando como não utilizável a oração antijudaica. E, em outra resposta, ele afirma: "O rito deve evoluir. Por isso, foi anunciada a reforma. Mas a identidade não deve se despedaçar".
"Eu fico feliz com as reformas do Concílio quando são acolhidas honestamente, na sua verdadeira substância. No entanto, também foram difundidas muitas ideias bizarras e desvios destrutivos, aos quais é preciso frear. Não certamente em São Pedro, onde tentamos manter a liturgia inalterada. A comunhão na boca não é uma imposição", explica Ratzinger, desmentindo aqueles que afirmam que a partícula na mão é ilícita. "Eu sempre pratiquei ambas as formas."
Com a humildade que sempre o distinguiu, Bento XVI responde tranquilamente às perguntas de Seewald sobre os complôs e os bastidores da sua renúncia, ofuscados por aqueles que se dedicam, com malvadez verbal cada vez maior e excessos de ódio mais patológico do que cismático, à demolição cotidiana do seu sucessor. E se agarram a uma imagem falsa e falseada de Ratzinger, afirmando que, por trás da renúncia, haveria pressões inconfessáveis de sabe-se lá quais poderes diabólicos.
"São todos absurdos", responde o papa emérito peremptoriamente, desclassificando como fantasia-thriller essas elucubrações e os pseudovidentes que as corroboram.
"Ninguém tentou me chantagear. Eu não teria sequer permitido. Se eles tivessem tentado fazer isso, eu não teria ido embora, porque não é preciso sair quando se está sob pressão. E também não é verdade que eu estava desapontado ou coisas semelhantes. Ao contrário, graças a Deus, eu estava no estado de espírito pacífico de quem superou a dificuldade. O estado de espírito em que se pode passar tranquilamente o leme para quem vier depois."
A partir das últimas palavras, transparece, mais uma vez, o olhar de uma fé profunda. Aquela que faz Bento XVI dizer, a propósito da novidade inesperada representada pelo sucessor, Francisco, primeiro papa latino-americano: "Isso significa que a Igreja está em movimento, é dinâmica, está aberta, diante de perspectivas de novos desenvolvimentos. Que não está congelada em esquemas: sempre acontece algo surpreendente, que possui uma dinâmica intrínseca capaz de renová-la constantemente. O que é bonito e encorajador é que, justamente na nossa época, acontecem coisas que ninguém esperava e mostram que a Igreja está viva e transborda de novas possibilidades".
Em cada página do livro, graças à honestidade intelectual do entrevistador e do entrevistado, transparece o exato oposto do Ratzinger que está sendo retratado pelos autointitulados "ratzingerianos", aqueles mesmos que, em blogs ou sites, o atacavam durante o pontificado porque era "conciliar" demais ou porque ia rezar em Assis com os outros líderes religiosos, seguindo os passos do seu santo antecessor.
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Bento XVI: "Éramos progressistas. Queríamos renovar a teologia e, com ela, a Igreja" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU