09 Setembro 2016
Ratzinger se confessa no livro-entrevista Ultime conversazioni [Últimas conversas]: "Decidir não é o meu forte, mas não me sinto um fracasso".
A reportagem é do jornal Corriere della Sera, 07-09-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"O texto da renúncia, fui eu que escrevi. Não posso dizer precisamente quando, mas, no máximo, duas semanas antes. Eu o escrevi em latim, porque uma coisa tão importante se faz em latim. Além disso, o latim é uma língua que eu conheço bem o suficiente para poder escrever de modo decoroso. Eu também poderia tê-lo escrito em italiano, naturalmente, mas havia o perigo de que eu cometesse alguns erros."
"Não se tratou de uma retirada sob a pressão dos eventos ou de uma fuga por causa da incapacidade de enfrentá-los. Ninguém tentou me chantagear. Eu não teria sequer permitido. Se eles tivessem tentado fazer isso, eu não teria ido embora, porque não é preciso sair quando se está sob pressão. E também não é verdade que eu estava desapontado ou coisas semelhantes. Ao contrário, graças a Deus, eu estava no estado de espírito pacífico de quem superou a dificuldade. O estado de espírito em que se pode passar tranquilamente o leme para quem vier depois."
"O meu sucessor não quis a mozeta vermelha. Isso não me afetou minimamente. O que me tocou, em vez disso, é que, ainda antes de sair à loggia, ele quis me telefonar, mas não me encontrou, porque estávamos justamente na frente da TV. O modo como ele rezou por mim, o momento de recolhimento, depois a cordialidade com que saudou as pessoas, tanto que a centelha, por assim dizer, acendeu imediatamente. Ninguém esperava ele. Eu o conhecia, naturalmente, mas não pensei nele. Nesse sentido, foi uma grande surpresa. Não pensei que ele estivesse no grupo restrito dos candidatos. Quando eu ouvi o nome, primeiro, fiquei inseguro. Mas, quando eu vi como ele falava, de um lado, com Deus, de outro, com os homens, fiquei realmente contente. E feliz."
"A eleição de um cardeal latino-americano significa que a Igreja está em movimento, é dinâmica, está aberta, diante de perspectivas de novos desenvolvimentos. Que não está congelada em esquemas: sempre acontece algo surpreendente, que possui uma dinâmica intrínseca capaz de renová-la constantemente. O que é bonito e encorajador é que, justamente na nossa época, acontecem coisas que ninguém esperava e mostram que a Igreja está viva e transborda de novas possibilidades."
"Cada um tem o seu próprio carisma. Francisco é o homem da reforma prática. Ele foi arcebispo por muito tempo, conhece o ofício, foi superior dos jesuítas e também têm o ânimo para pôr a mão em ações de caráter organizacional. Eu sabia que este não era o meu ponto forte."
"Efetivamente, foi-me indicado um grupo, que, enquanto isso, dissolvemos. Estava assinalado justamente no relatório da comissão de três cardeais que era possível identificar um pequeno grupo de quatro, talvez cinco, pessoas. Nós o dissolvemos. Outros vão se formar? Eu não sei. No entanto, o Vaticano certamente não pulula de casos semelhantes."
"É evidente que a Igreja está abandonando cada vez mais as velhas estruturas tradicionais da vida europeia e, portanto, muda de aspecto, e nela vivem novas formas. Está claro, principalmente, que a descristianização da Europa progride, que o elemento cristão desaparece cada vez mais do tecido da sociedade. Consequentemente, a Igreja deve encontrar uma nova forma de presença, deve mudar o seu modo de se apresentar. Estão em curso inversões epocais, mas ainda não se sabe até que ponto se poderá dizer com exatidão quando começa uma ou outra."
"Um ponto fraco meu talvez seja a pouca determinação para governar e tomar decisões. Aqui, na realidade, sou mais professor, alguém que reflete e medita sobre as questões espirituais. O governo prático não é o forte, e essa certamente é uma fraqueza. Mas não consigo me ver como um fracasso. Durante oito anos, desempenhei o meu serviço. Houve momentos difíceis, basta pensar, por exemplo, no escândalo da pedofilia e no caso Williamson ou também no escândalo Vatileaks. Mas, em geral, também foi um período em que muitas pessoas encontraram um novo caminho para a fé e também houve um grande movimento positivo."
"É preciso se preparar para a morte. Não no sentido de fazer certos atos, mas de viver preparando-se para superar o último exame diante de Deus. Para abandonar este mundo e se encontrar diante d’Ele e dos santos, dos amigos e dos inimigos. Digamos, para aceitar a finitude desta vida e pôr-se a caminho para chegar à presença de Deus. Eu tento fazer isso pensando sempre que o fim está se aproximando. Tentando me preparar para esse momento e, sobretudo, mantendo-o sempre presente. O importante não é imaginá-lo, mas viver na consciência de que toda a vida tende a esse encontro."
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Bento XVI segundo ele mesmo: "Ninguém me chantageou" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU