03 Setembro 2016
"São dois os santos que mais do que os outros fascinaram os pintores: um é São Sebastião, a outra é Madalena. E isso aconteceu graças também a uma sensualidade que, muitas vezes, emerge na sua iconografia. Maria de Magdala é muitas vezes reconhecida como ‘o feminino de São Pedro’."
A opinião é da historiadora Lea Mattarella, professora da Academia de Belas Artes de Roma e crítica de arte do jornal La Repubblica, 31-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Apóstola dos apóstolos: esse é o papel que o Papa Francisco, no momento em que instituiu a sua festa, definitivamente atribuiu a Maria Madalena, uma das figuras mais amadas pelos artistas.
Os pintores contaram as vicissitudes de Maria de Magdala utilizando, muitas vezes, informações extraídas dos Evangelhos apócrifos. Assim, a sua história acabou se confundindo com a de outras mulheres que aparecem nos textos antigos. Como, por exemplo, Maria Egípcia, fervorosa penitente depois da conversão ao cristianismo e do abandono da prostituição, representada muitas vezes coberta apenas pelos seus longos cabelos. Mas esse é apenas um exemplo: são muitas as faces da mulher que foi escolhida por Jesus como primeira testemunha da Sua ressurreição.
E os pintores amaram todas elas. Mesmo aquelas que não vinham diretamente da pena dos quatro evangelistas, mas que vêm, por exemplo, da Legenda Áurea de Tiago de Voragine, redigida na segunda metade do século XIII.
A mostra "La Maddalena tra peccato e penitenza" [Madalena entre pecado e penitência], aberta de 3 de setembro a 8 de janeiro, com curadoria de Vittorio Sgarbi no Museu Antico Tesoro da Santa Casa de Loreto (Ancona), é uma constelação de gestos e olhares da qual ela é a protagonista. Uma resenha que atravessa os séculos, partindo de Simone Martini até chegar a Antonio Canova.
Como ressalta o curador, são dois os santos que mais do que os outros fascinaram os pintores: um é São Sebastião, a outra é Madalena. E isso aconteceu graças também a uma sensualidade que, muitas vezes, emerge na sua iconografia. Sgarbi não hesita em reconhecer também em Maria de Magdala "o feminino de São Pedro".
Ei-la representada em um fundo dourado em uma obra-prima de Carlo Crivelli: a mesa do retábulo de Montefiore dell'Aso. Ela está em pé, de perfil, mas tem o olhar dirigido para nós, como se estivesse avaliando o efeito que causa o seu andar seguro e solene. "Parece um Klimt", diz Sgarbi sobre esse quadro, referindo-se à sua composição dominada por uma expressividade que se apoia no uso sábio e corajoso do elemento decorativo.
Madalena parece desfilar diante de nós como se estivesse dançando: os dedos das mãos se movem como se fingissem um arpejo, o seu vestido está ricamente decorado e mostra uma rica gama de tecidos. Ela está em Veneza, cidade onde nasceu e onde se formou, que Crivelli deve ter aprendido a conhecer a beleza de sedas e veludos. Mas os botões, os cintos e os acabamentos metálicos revelam o conhecimento da obra dos ourives de Ascoli, cidade para onde o artista tinha se mudado e onde morreria em 1495, tornando-se um dos protagonistas da arte de Marche.
Nessa grande dama que chama a atenção pela sua elegância e pelo fascínio feminino de formas e gestos, além do vaso dos unguentos, a fênix bordada na manga do vestido em um triunfo de azuis e dourados alude à vida da Madalena. Os animais fantásticos muitas vezes decoram os elementos arquitetônicos, os tronos das Virgens enquadrados pelos pintores. E aqui Crivelli não renuncia a eles. No entanto, nesta ocasião, o pássaro que renasce das suas cinzas está em um vestido e é portador do significado simbólico de uma nova vida depois da destruição e, portanto, depois do pecado. A referência, portanto, também é à ressurreição que derrota a morte.
E é justamente ela, Madalena, a primeira a perceber que o sarcófago de Cristo está vazio. É a ela que Jesus decide Se revelar, pedindo-lhe para não tocá-Lo, porque agora o Seu corpo tornou-se espírito. Em exibição, eis diversos exemplos de "Noli me tangere", que mostram como o mesmo assunto pode dar frutos muito diferentes entre si. O painel do estrado de Cenni di Francesco enquadra a cena em uma típica paisagem gótica com as árvores que parecem objetos preciosos.
Mattia Preti, entre 1670 e 1679, oferece uma encenação visionária e barroca do evento que ocorre diante de um céu de fogo, com um Cristo ainda ferido no corpo, e Madalena quase assustada. Serve-lhe de contrabalançado Gregorio de Ferrari, que, poucos anos depois, ambienta a cena em chave mundana, como se os dois personagens fossem uma dama e um cavaleiro do seu tempo.
Os pintores também contam uma Madalena dramática aos pés da Cruz. Resta apenas o seu rosto parado em um grito entre as lágrimas do ciclo de afrescos que decorava a Capela da Assunção em São Pedro em Bolonha. É uma obra de Ercole de Roberti, um dos gigantes daquela que Roberto Longhi chamou de "a oficina ferrarense". A exasperação expressiva típica do Renascimento que surgiu na corte dos Este em Ferrara encontra aqui uma das interpretações mais extraordinárias e dolorosas.
É sua irmã, sem dúvida, na representação da dor, a terracota em tamanho natural de Guido Mazzoni. Ela fazia parte de uma Lamentação sobre o Cristo Morto lembrado por fontes do fim do século XV, porque as esculturas pareciam vivas. Especialmente ela, Madalena, que torcia as mãos em um gesto de desespero.
A apóstola dos apóstolos também é representada em penitência: são belos os exemplos de esculturas e o pictórico de Orazio Gentileschi. Ou ei-la em meditação, como na pintura do grande impacto de Guido Cagnacci, executado em meados do século XVII, mas muito moderno na sua essencialidade do século XX.
A mostra dedicada a Madalena é apenas uma das possíveis etapas da oferta cultural de Marche, e Loreto não foi tocada pelos terríveis tremores que devastaram Amatrice e Arquata del Tronto. Os organizadores pensaram que, entre as muitas maneiras de ajudar essa extraordinária parte dos Apeninos a renascer, está também a de continuar a fazer com que o território viva, de continuar a fazer com que ele seja visitado e apreciado.
Maria de Magdala. 'Apóstola dos Apóstolos'. Revista IHU On-Line, no. 489
Meditações sobre Maria Madalena apóstola. Artigo de Enzo Bianchi
Madalena, emancipada pelo Espírito. Artigo de Antonella Lumini
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Todas as faces artísticas de Madalena. Artigo de Lea Mattarella - Instituto Humanitas Unisinos - IHU