26 Agosto 2016
Filiado ao PSDB, Alexandre de Moraes fez carreira política sob as asas de administrações tucanas em São Paulo, sem muito destaque. Para ele, o afastamento de Dilma Rousseff do Planalto representou uma ascensão significativa. Amigo de Michel Temer, Moraes assumiu o Ministério da Justiça, um dos cargos mais importantes da Esplanada.
A reportagem é de Débora Melo, publicada por CartaCapital, 26-08-2016.
Em menos de quatro meses na pasta, o constitucionalista acumula declarações polêmicas e episódios de superexposição à mídia. Com fama de linha dura, Moraes tem um comportamento que, para muitos, se assemelha ao de um delegado à frente de uma ação policial.
Uma indicação desse perfil surgiu em abril passado. Ainda secretário de Segurança de Geraldo Alckmin (PSDB) em São Paulo, Moraes comandou pessoalmente uma operação na sede da torcida organizada Gaviões da Fiel, que meses antes havia iniciado uma onda de manifestações contra a administração tucana. Ali, Moraes deu entrevistas e foi fotografado inspecionando as instalações e o material apreendido.
Como ministro, as aparições e declarações midiáticas ficaram ainda mais intensas. No dia da posse, afirmou que combateria “atitudes criminosas” de movimentos de esquerda e, na mesma semana, deu entrevista dizendo que “nenhum direito é absoluto”. A duas semanas do início das Olimpíadas, convocou a imprensa para, em pessoa, anunciar a prisão de uma “célula amadora” que estaria planejando um ataque terrorista no País. Dois dias depois, se deixou filmar lançando golpes de facão contra pés de maconha no Paraguai, observado por uma série de policiais federais.
Ações como essas fazem críticos e aliados dizerem que Moraes, de 47 anos, tem um projeto político pessoal. O jovem ministro é apontado como potencial sucessor de Alckmin no governo de São Paulo e eventual candidato à Presidência, mas interlocutores já disseram que seu sonho é ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal (STF).
Para Frederico de Almeida, professor do departamento de Ciência Política da Universidade de Campinas (Unicamp), Moraes no Supremo seria “uma tragédia”. "Estamos em um momento delicado, em que várias conquistas e consensos mínimos sobre direitos humanos são colocados à prova o tempo todo. O Supremo já está disposto a atuar por uma opinião pública amedrontada e sedenta por punição, e Moraes tem condições de ser o ministro que vai assumir esse jogo internamente”, diz Almeida.
A controvérsia mais recente envolve declaração da última semana, quando Moraes afirmou que o Brasil precisa de menos pesquisa em segurança e mais equipamentos bélicos. "Tem especialista que nunca trabalhou em segurança pública, mas que de alguma forma vira especialista, que cobra viagens internacionais para aprender não sei o quê", disse o ministro.
De acordo com Alexandre Fuccille, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Moraes comete um equívoco, pois falta pesquisa sobre segurança pública no Brasil.
“Nós podemos ter, eventualmente, muito diagnóstico para as cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro, mas isso jamais seria um problema”, diz. “Ele é ministro da Justiça da República Federativa do Brasil e, em termos de segurança pública, falta um diagnóstico nacional amplo, sério”, afirma Fuccille, que também é pesquisador do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional (Gedes).
Outro problema, diz o professor, é que muitas vezes o Brasil não avança à fase seguinte, de formulação de políticas públicas a partir dos diagnósticos.
“O ministro poderia constatar isso a partir da atuação dele com os pés de maconha. Todos os estudos mostram que isso é ineficaz. Toda a repressão, toda a militarização no combate ao narcotráfico na região andina se mostrou ineficaz”, afirma. “Enquanto houver demanda, é a história do enxugar gelo, não vai resolver. Precisamos de outro debate, e me parece muito mais interessante a proposta recente do Uruguai [que regulou a produção e o consumo de maconha]”, diz Fuccille.
O vídeo em que Moraes aparece uniformizado e cortando pés de maconha foi gravado em uma plantação na cidade de Pedro Juan Caballero, na fronteira com o Brasil. Naquele 22 de julho, autoridades dos dois países fizeram um balanço da operação que destruiu quase 70 toneladas da erva após dias de incursões aéreas e terrestres na região, mas pouco dessa cooperação bilateral ganhou destaque na imprensa nacional. O que repercutiu mesmo foi o vídeo de Moraes com seu facão.
Para os críticos, a cena mostra um ministro agarrado a imagens e valores ultrapassados, distante das novas discussões. Segundo o advogado Cristiano Maronna, secretário-executivo da Plataforma Brasileira de Política de Drogas e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), o vídeo tem um valor simbólico forte por “tornar público o engajamento do ministro na guerra às drogas”.
“É uma cena tragicômica. A mensagem ignora o fato de que a política de drogas está mudando inclusive nos Estados Unidos, começando pela maconha”, diz. “Também ignora que a maconha, além de ser uma droga psicoativa usada para fins sociais e religiosos, possui valor medicinal. Há uma decisão recente da Justiça brasileira que autoriza a importação de remédios à base de THC”, lembra Maronna.
A violência do tráfico e da guerra às drogas contribuiu para lançar o Brasil ao topo do ranking mundial de crimes contra a vida. Em julho de 2015, o então ministro da Justiça José Eduardo Cardozo anunciou a criação do Pacto Nacional de Redução de Homicídios, para reduzir em 5% ao ano o número de assassinatos no País. Passado um ano do anúncio, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o governo federal enviasse até o final de setembro o plano de ação para implantação do pacto.
Questionado pelo jornal O Globo, o ministério de Temer e Moraes afirmou que o pacto “foi uma proposta do governo anterior e, portanto, não diz respeito às ações deste governo”.
Para o advogado Rafael Custódio, coordenador do Programa Justiça da Conectas Direitos Humanos, a resposta revela a falta de interesse de Moraes em lidar com o tema, que atinge de forma brutal os jovens e negros, moradores das periferias das grandes cidades.
De acordo com o Atlas da Violência 2016, divulgado em março pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o País registrou em 2014 a marca recorde de 59.627 homicídios. O estudo aponta que, aos 21 anos de idade, os brasileiros pretos ou pardos têm 147% mais chances de serem vítimas de homicídio do que os cidadãos brancos, amarelos ou indígenas.
“Diante dessa realidade objetiva, visto que são dados estatísticos, o ministro da Justiça mostra que este não é um tema que lhe sensibiliza. Como ministro de Estado, ele deve pensar em políticas públicas para todos, independentemente de essa política ter sido produzida pelo grupo A ou B”, diz Custódio.
Após a repercussão negativa da resposta, o Ministério da Justiça passou a informar que “a redução de homicídios é prioridade” da pasta, mas que “as propostas operacionais e de inteligência são diversas do projeto da administração anterior”.
Como protegido de Alckmin, Moraes parece ter incorporado a política do “quem não reagiu está vivo” do chefe tucano, com uma gestão marcada por altos índices de letalidade policial. Segundo dados da SSP, policiais civis e militares – em serviço ou de folga – mataram 798 pessoas no Estado em 2015, uma média de duas mortes por dia. Outros 711 foram feridos pela polícia, o que indica uma preferência pelo confronto armado.
Em entrevista ao El País, Moraes admitiu que a letalidade policial “é alta”, mas tentou justificar os índices com o argumento de que cada vez mais os policiais são recebidos a tiros. O número de vítimas entre as forças de segurança, no entanto, foi bem menor: 16 mortos e 66 feridos em 2015. “Quando a gente olha para o ministro Alexandre de Moraes, o que a gente observa é uma visão de mundo em que os direitos humanos são tidos como obstáculos à lei e à ordem”, afirma Custódio.
Formado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo (USP), Moraes é professor, foi promotor no Ministério Público de São Paulo e membro do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Ele também foi “supersecretário” na gestão de Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo, acumulando as pastas de Serviços e Transportes.
A atuação como constitucionalista e a experiência no combate ao crime em São Paulo, contudo, não o cacifaram para lidar com o episódio dos supostos terroristas, segundo analistas. Para o professor Fuccille, especialista em defesa, falta conhecimento na área.
“A atuação dele tem sido bastante espalhafatosa. Ali na questão do terrorismo ele não só superdimensionou o problema como agiu de forma equivocada. Nos países que têm tradição de longa data no combate ao terrorismo, as ações são feitas, sobretudo, com inteligência. E inteligência é uma coisa que envolve discrição”, diz Fuccille, retomando o debate de que, ao contrário do que disse o ministro, falta pesquisa no País. “Muito se fala sobre terrorismo no Brasil, mas este é um conceito polissêmico. O Brasil nunca foi atingido diretamente pelo flagelo do terrorismo e nós não temos estudos nessa área.”
Aos episódios de demonstração de força se soma o discurso de repressão. Famoso por responder com violência às manifestações dos estudantes secundaristas e do Movimento Passe Livre (MPL) em São Paulo, Moraes se coloca como personagem central do governo interino de Temer, como o homem que dará a mão forte de que o peemedebista precisará no momento das reformas trabalhista e da Previdência.
“Com esse perfil um tanto policialesco, o Alexandre de Moraes se encaixa bem ao que é o governo Temer, a essa retomada conservadora que sustenta o governo”, diz o professor Almeida, da Unicamp. “Se este governo conseguir implementar o ajuste que está prometendo, certamente vai enfrentar um alto grau de insatisfação, com protestos. Nesse sentido, ter um ministro que assume ser um linha dura é muito útil.”
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Alexandre de Moraes, um policial na Esplanada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU