23 Agosto 2016
No dia 13 de junho de 2013, o fotógrafo Sérgio Andrade da Silva foi para o centro de São Paulo a serviço de uma agência de notícias para fotografar uma das manifestações contra o aumento das passagens do transporte público.
A entrevista é de Lais Modelli, publicada por BBC Brasil, 23-08-2016.
Na época com 31 anos, casado e pai de dois filhos, Silva saiu de casa sem saber que voltaria cego do olho esquerdo - durante o protesto, ele levaria um tiro de borracha da Polícia Militar.
Após perder trabalhos e passar cinco meses sem renda por causa do ocorrido, o fotógrafo entrou com pedido de indenização contra o Estado de São Paulo em novembro de 2013, referente a danos moral, estético e material.
No último dia 10 de agosto, quase três anos depois, veio a resposta da Justiça: o juiz Olavo Zampol Júnior, da 10ª Vara da Fazenda Pública de São Paulo, negou os pedidos e considerou o fotógrafo "culpado" por assumir o risco de ser alvejado em caso de confronto ao se colocar entre manifestantes e a polícia.
"Permanecendo em linha de tiro, para fotografar, (Silva) colocou-se em situação de risco, assumindo, com isso, as possíveis consequências do que pudesse acontecer", afirmou o magistrado na decisão.
"Por culpa exclusiva do autor, ao se colocar na linha de confronto entre a polícia e os manifestantes, voluntária e conscientemente assumiu o risco de ser alvejado por alguns dos grupos em confronto", reforçou Zampol Júnior.
Silva pretende recorrer da decisão e disse que sua vida profissional foi profundamente impactada pelo ocorrido três anos atrás. "Fiquei com o campo da visão reduzido. Todo dia é um novo dia de dificuldade, desde os atos banais da rotina até o ato de fotografar."
Procurada pela BBC Brasil, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo não se manifestou sobre o caso.
Na noite em que Silva foi ferido, a PM reconhece ter disparado 506 balas de borracha contra os manifestantes. Mais de cem pessoas foram feridas e cerca de 200, presas.
A BBC Brasil conversou com o fotógrafo, que diz ter recebido a decisão judicial com indignação:
Como tudo aconteceu?
Foi na esquina da rua Consolação com a Caio Prado (centro de São Paulo). Eu estava sozinho, trabalhando, e logo no início da manifestação a PM criou um bloqueio para que os manifestantes não seguissem pela rua da Consolação. Feito o cerco, começou a cair uma série de bombas, o tumulto tomou conta da situação e eu fui atingido no olho esquerdo por uma bala de borracha disparada por um policial.
Cai no chão, sangrando, desesperado e pedindo por socorro. Alguns minutos depois, um professor que participava do ato me viu naquela condição e me socorreu. Ele me levantou e fomos caminhando até um hospital por 40 minutos. Fui socorrido e uns 15 dias depois recebi o diagnóstico que ficaria cego do olho esquerdo.
Você não usava capacete ou colete sinalizando que era da imprensa naquele dia. Você acha que os fatos poderiam ter ocorrido de maneira diferente se estivesse usando algum desses equipamentos?
Eu acho que, mesmo que tivesse alguma identificação de imprensa, não poderia ter sido diferente. Nada teria mudado. Outros colegas da imprensa também foram machucados naquela manifestação. Isso deixou muito claro que o material de segurança da imprensa, pelo menos naquela noite, não fez diferença.
A ação da PM na noite do dia 13 de junho foi totalmente desproporcional ao que ocorria e mostrou total despreparo. Acho que a segurança pública do Estado, como um todo, não estava preparada para o que estava acontecendo.
No resumo da ópera, foi um despreparo e um abuso de força do Estado - e nada poderia ter evitado o que aconteceu comigo.
Quando você começou a fotografar?
Aprendi a fotografar na marra. Antes, eu trabalhava como auxiliar administrativo e não tinha uma carreira.
Em 2010, comecei a fotografar profissionalmente, mas com equipamento emprestado de amigos. Em 2011, comprei a minha primeira câmera, uma semiprofissional básica, barata, mas que me deu uma profissão.
Como sua vida mudou desde junho de 2013?
Essa é uma pergunta difícil de responder porque isso ainda não está muito claro para mim. Cada dia é uma nova experiência, uma nova mudança.
De imediato, o maior impacto foi na minha profissão, já que fiquei com o campo da visão reduzido. Todo dia é um novo dia de dificuldade, desde os atos banais da rotina até o ato de fotografar.
Depois de cinco meses de recuperação e sem receber um real, voltei a trabalhar como fotógrafo, porque é a profissão que eu escolhi e é o que sei fazer de melhor na vida. Eu tinha contas a pagar.
Tive que reaprender a fotografar, a me movimentar enquanto trabalho, me posicionar sem tropeçar, não cair ou não esbarrar em ninguém. É até difícil de descrever como tem sido essa reabilitação, porque só quem passa por isso conseguirá entender. Hoje eu trabalho mais a minha audição e a minha paciência para compensar a deficiência.
Tudo afetou muito minha vida pessoal, a vida das minhas filhas, dos meus amigos e assim por diante.
Como você recebeu a decisão do juiz?
Tudo o que eu perdi, de trabalhos e tudo o mais, além do que gastei com os cuidados médicos e com a recuperação, não representa nada para o Estado, mas representa muito para um indivíduo.
Então, receber a decisão do juiz me causou indignação, principalmente porque ele transformou a história e contou algumas mentiras para sustentar essa decisão.
Eu até consigo entender o que aconteceu porque este juiz é um funcionário do Estado. Mas eu vou recorrer e vamos para segunda instância. Haverá um novo julgamento que poderá demorar o mesmo tempo ou o dobro. Mais um tempo se arrastará até este caso ser resolvido.
O fato é que o Estado fugiu da sua responsabilidade comigo, mas as pessoas que estão à minha volta, não.
De certa forma, até voltei a trabalhar mais que antes do acontecido. Ter amigos, na vida e na profissão, neste momento faz muito a diferença.
O pior já passou, mas vamos seguir.
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"Estado fugiu de sua responsabilidade", diz fotógrafo cego por tiro de PM - Instituto Humanitas Unisinos - IHU