01 Julho 2016
O Papa Francisco é geralmente elogiado por seu alcance inter-religioso, característica central desde o início do seu pontificado. Pouco depois de sua eleição, em março de 2013, por exemplo, ele foi a um centro de detenção juvenil em Roma e lavou os pés dos presos, incluindo os de dois muçulmanos.
Desde então, ele viajou para Israel e impressionou os judeus com o seu comprometimento com o relacionamento judaico-cristão, foi o segundo papa a entrar em um templo budista no Sri Lanka, onde também vestiu uma túnica cor de açafrão dada a ele por um homem sagrado hindu durante um encontro inter-religioso.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por Crux, 30-06-2016. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
O respeito palpável do Papa Francisco com outras tradições religiosas, juntamente com a sua determinação de que as várias religiões devem trabalhar juntas para promover os valores compartilhados da paz e do cuidado com a criação, fizeram dele um modelo global para a cooperação inter-religiosa.
Claro, há discordâncias. No Sri Lanka, por exemplo, o líder budista extremista Galagoda Atte Gnanasara considerou em grande parte os gestos do Papa como sem sentido até ele se desculpar por "atrocidades cometidas pelos governos coloniais cristãos no sul da Ásia".
(Era uma exigência um tanto curiosa, uma vez que, com exceção de um breve período de domínio português, as potências coloniais dominantes no Sri Lanka foram os holandeses e os britânicos, e não potências católicas, mas, evidentemente, a lógica histórica não era o ponto principal.)
Recentemente, o Papa atraiu outras duas reações inter-religiosas.
Em meados de junho, Gorakhpur Yogi Adityanath, político indiano ligado aos movimentos nacionalistas hindus de direita do país, detonou a decisão do Papa de canonizar Madre Teresa no último dia 4 de setembro, dizendo que o icônico "apóstolo dos pobres" tinha desenvolvido uma trama para "cristianizar" a Índia.
Em seguida, no último sábado, o vice-primeiro-ministro da Turquia, Nurettin Canikli, criticou o uso da palavra "genocídio" pelo Papa para descrever o massacre de armênios pelos otomanos em 1915, afirmando que ela reflete uma "mentalidade de cruzadas".
Canikli é co-fundador do Partido da "Justiça e Desenvolvimento" da Turquia, que, embora afirme ser atualmente baseado na democracia conservadora, se originou de correntes nacionalistas e islâmicas na sociedade turca.
Na verdade, nenhuma das críticas ao Papa Francisco é realmente tão surpreendente - especialmente a reação turca, que é mais ou menos pro forma sempre que um líder ou organização mundial reconhece o genocídio armênio.
Além disso, é difícil levar a sério qualquer um destes protestos quando se conhece bem como as coisas funcionam.
Em termos da objeção de Adityanath, a ideia de que o pontífice está usando a canonização de Madre Teresa como um pretexto para "cristianizar" a Índia menospreza a inteligência da maioria das pessoas, já que "proselitismo" não faz parte do vocabulário do Papa, lado a lado com "clericalismo" e "rigidez".
Sim, o Papa Francisco é um pontífice missionário, mas sua noção de missão está enraizada no serviço e no crescimento por atração, e não em um foco específico para aumentar a "quota de mercado" confessional da Igreja.
Quanto a Canikli, dizer que o Papa tem uma "mentalidade das cruzadas" é ainda mais hilariante.
Por um lado, seu nome remete a um santo que percorreu as linhas de batalha durante as Cruzadas e arquitetou um vínculo com Sultan al-Kamil, o que eventualmente levou a ordem franciscana a se tornar a guardiã da Terra Santa.
Por outro, o Papa está tão distante da "mentalidade das cruzadas" quanto se possa imaginar, uma vez que ele denuncia repetidamente a violência em nome da religião e insiste na coexistência pacífica entre as religiões, povos e culturas.
É possível, é claro, que as pessoas na Índia ou na Turquia que desconhecem as ações do Papa se deixem levar por esses argumentos, mas tais acusações certamente cairão por terra quando avaliadas criticamente.
Por mais que os conteúdos de tais queixas possam não ter muito fundamento, em um certo sentido eles são significativos. Com efeito, essas queixas podem ser um sinal de que a ambição de Francisco de ser o "presidente do conselho" mundial de religiosos moderados está funcionando.
Sem usar essa linguagem, obviamente, esta é uma posição desejada por todos os papas recentes - tentando estimular uma coligação de autoridades moderadas dentro das tradições religiosas do mundo para demonstrar que a religião pode ser parte da solução tanto quanto é parte do problema.
Como o Papa não vem de nenhuma potência ocidental tradicional, ele traz uma capacidade especial para sair disso, pois não carrega a mesma bagagem em relação à história colonial do Ocidente ou a suas escolhas políticas e militares contemporâneas. Sua popularidade global também significa que ele carrega o maior megafone religioso no mundo, o que lhe permite alavancar a potência das vozes moderadas em outras tradições.
Se os extremistas dessas tradições nunca foram atrás do Papa Francisco, pode ser porque pensem que seu impacto é insignificante; se for esse o caso, isso pode ser um sinal de preocupação de que o Papa esteja virando a maré.
Lembro-me de ouvir o falecido Cardeal Aloysius Ambrozic de Toronto citar um provérbio de sua terra natal, a Eslovênia, em um momento de controvérsia cujo contexto não lembro agora, mas lembro que a essência era: "Se eles não estão lhe apedrejando, você não está no caminho".
No âmbito inter-religioso, as pedras recentemente lançadas contra Francisco, tanto do hinduísmo quanto do islamismo, poderiam realmente ser vistas não como um problema, mas como prova de que o Papa Francisco chamou a sua atenção.
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Reações inter-religiosas demonstram que Papa Francisco conseguiu chamar a atenção de extremistas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU