13 Junho 2016
“A celeridade do licenciamento não pode ser conseguida ao custo de uma menor qualidade e de uma participação pública inefetiva”, defende a bióloga.
Crédito da imagem: tnpetroleo.com.br |
Segundo a bióloga, isso acontece porque a “estratégia de desenvolvimento brasileira tem tido como objetivo acelerar o crescimento econômico e a palavra-chave tem sido ‘urgência’”. Essa pressa “imposta pelo modelo de desenvolvimento”, explica, “tem tido como consequência uma precarização da AIA, principalmente da etapa de participação pública, que tem sido encarada como uma etapa burocrática a ser cumprida. Nesse contexto, o que tem prevalecido é a urgência econômica, que tem atropelado o tempo exigido por uma avaliação socioambiental de qualidade”.
Autora da pesquisa “A avaliação de impacto ambiental enquanto instrumento participativo e preventivo no contexto do Neodesenvolvimentismo: o caso do Complexo Logístico Industrial do Porto do Açu – CLIPA”, a bióloga informa que ao analisar o Complexo de Porto de Açu foi possível evidenciar que a Avaliação Ambiental Estratégica – AAE “ficou pronta em 2009”, mas “o CLIPA teve suas obras iniciadas em 2007”. Além disso, menciona, “as desapropriações já haviam sido autorizadas em 2008. Então, o que fica evidente é que essa AAE, que deveria subsidiar a decisão de se implantar um megaempreendimento do porte do CLIPA, não serviu para guiar a decisão, pois esta já havia sido tomada anteriormente”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail à IHU On-Line, Juliana também comenta os Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente - RIMAs, “que são os documentos destinados a informar a população sobre os impactos dos empreendimentos e prepará-la para as audiências públicas”. Na avaliação dela, eles “são muito precários” e “não são adequados ao entendimento por um público leigo”. Além disso, pontua, “o foco do documento deveria ser a explicação dos impactos que podem ocorrer e das medidas de mitigação que serão adotadas. O que vimos é que estes dois conteúdos são descritos de forma muito superficial nos RIMAs e não permitem a compreensão da real dimensão das alterações que irão ocorrer na região com a implantação dos empreendimentos”.
Juliana Ribeiro Latini é graduada em Ciências Biológicas e mestra em Ecologia e Recursos Naturais pela Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro – UENF.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Que análise faz da Avaliação de Impacto Ambiental – AIA como norteadora do processo de licenciamento ambiental no Brasil?
Crédito da imagem: www.prumologistica.com.br
Juliana Ribeiro Latini - A AIA é um instrumento com alto potencial para subsidiar a decisão no licenciamento, mediar os conflitos com a população afetada e permitir a implementação de empreendimentos com menos impactos ao ambiente. Desse modo, na teoria, a AIA é um instrumento muito adequado para nortear o processo de licenciamento. No entanto, esse potencial não tem sido aproveitado, pois mesmo com a aplicação do instrumento no licenciamento prévio, os empreendimentos continuam sendo implantados, gerando graves impactos e conflitos socioambientais. A AIA consegue identificar os impactos que irão ocorrer, mas ainda assim eles ocorrem. Ou seja, o potencial preventivo da AIA não se consolida pela falta de implementação de medidas de prevenção/mitigação.
No que diz respeito à integração da população, AIA consegue envolver a população afetada no processo, mas não de forma efetiva. O modelo de audiências públicas adotado não permite a ampla participação da população, pois é um processo burocrático e inflexível. Assim, o carater participativo da AIA, capaz de mediar conflitos, também não é aproveitado.
IHU On-Line - O que você pode evidenciar ao analisar a Avaliação de Impacto Ambiental do Complexo Logístico Industrial do Porto do Açu - CLIPA?
Juliana Ribeiro Latini - O CLIPA é um megaempreendimento formado por vários empreendimentos menores. Cada um desses empreendimentos menores deve passar por um processo de licenciamento e consequentemente por uma AIA. Então, o que acontece é que no caso do CLIPA nós temos vários processos de AIA diferentes. Um para cada empreendimento. Existe outro instrumento, chamado Avaliação Ambiental Estratégica – AAE, que é destinado a avaliar conjuntos de empreendimentos. Este é o instrumento que deveria ter sido utilizado para avaliar o CLIPA como um todo.
Na verdade, o CLIPA passou por uma AAE. No entanto, a AAE só ficou pronta em 2009 e o CLIPA teve suas obras iniciadas em 2007. As desapropriações já haviam sido autorizadas em 2008. Então, o que fica evidente é que essa AAE, que deveria subsidiar a decisão de se implantar um megaempreendimento do porte do CLIPA, não serviu para guiar a decisão, pois esta já havia sido tomada anteriormente. Sobre as AIAs individuais de cada empreendimento, o que minha pesquisa indicou é que elas não foram efetivas tanto no caráter preventivo, quanto no participativo.
Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente – RIMAs
Os Relatórios de Impacto ao Meio Ambiente - RIMAs, que são os documentos destinados a informar a população sobre os impactos dos empreendimentos e prepará-la para as audiências públicas, são muito precários. A qualidade dos RIMAs é muito baixa. Eles não são adequados ao entendimento por um público leigo, muito menos a um público com grande porcentagem de pessoas com nível de escolaridade baixo, que é o caso da população que mora no V Distrito de São João da Barra, os mais afetados pelo empreendimento. Além disso, o foco do documento deveria ser a explicação dos impactos que podem ocorrer e das medidas de mitigação que serão adotadas. O que vimos é que estes dois conteúdos são descritos de forma muito superficial nos RIMAs e não permitem a compreensão da real dimensão das alterações que irão ocorrer na região com a implantação dos empreendimentos.
"O que tem prevalecido é a urgência econômica, que tem atropelado o tempo exigido por uma avaliação socioambiental de qualidade" |
|
Audiências públicas
As audiências públicas priorizaram o rito formal de realização estabelecido pela Resolução CONEMA 35/2011. A prioridade foi respeitar a ordem definida para cada atividade da audiência e os tempos definidos para cada atividade, em detrimento da ampla participação. As audiências não funcionaram como um canal de diálogo com a população nem permitiram uma participação efetiva. A participação da população se restringiu basicamente a realizar perguntas escritas e ouvir as respostas sem direito de réplica.
Impactos ambientais graves também estão associados ao CLIPA, como a salinização de águas e a erosão da faixa de areia da praia de Barra do Açu. Isso mostra que as AIAs do CLIPA não foram efetivas para prevenir impactos. Em 2012 ocorreu um incidente com os aterros hidráulicos construídos no CLIPA e água salgada adentrou o continente, afetando algumas propriedades rurais. Na minha pesquisa analisei a condutividade de amostras de águas utilizadas para irrigação pelos proprietários rurais e o que os resultados indicam é que a condutividade é significativamente maior do que a condutividade encontrada em 2010 e 2013. Isso indica que a salinidade das águas na região do V distrito aumentou e pode ser uma consequência das obras do CLIPA. A erosão da praia de Barra do Açu ocorreu exatamente da mesma forma como foi descrita no RIMA de um dos empreendimentos do CLIPA como um impacto previsto. Ou seja, o impacto foi previsto e ocorreu, pois nenhuma medida para evitá-lo foi tomada.
Estes fatos indicam que, apesar de os empreendimentos do CLIPA terem passado por AIAs, o potencial desse instrumento para implantação de empreendimentos mais sustentáveis do ponto de vista socioambiental não foi aproveitado.
IHU On-Line - De que modo a estratégia brasileira de desenvolvimento está relacionada ao processo de licenciamento ambiental?
Juliana Ribeiro Latini - A estratégia de desenvolvimento brasileira tem tido como objetivo acelerar o crescimento econômico e a palavra-chave tem sido “urgência”. O processo de licenciamento, subsidiado por uma AIA, é demorado. O diagnóstico ambiental, a indentificação dos impactos, a avaliação dos impactos, o envolvimento do público, enfim, são etapas demoradas que não se realizam da noite para o dia. O que tem acontecido é que a urgência imposta pelo modelo de desenvolvimento tem tido como consequência uma precarização da AIA, principalmente da etapa de participação pública, que tem sido encarada como uma etapa burocrática a ser cumprida. Nesse contexto, o que tem prevalecido é a urgência econômica, que tem atropelado o tempo exigido por uma avaliação socioambiental de qualidade.
IHU On-Line - Quais são os principais problemas do modo como é feito o licenciamento ambiental para grandes empreendimentos no Brasil hoje?
Juliana Ribeiro Latini - O principal problema é o tratamento do licenciamento ambiental como uma etapa a ser superada no menor tempo possível. É legítimo buscar maneiras de reduzir o tempo de licenciamento, pois ele realmente é longo. Mas a celeridade do licenciamento não pode ser conseguida ao custo de uma menor qualidade e ao custo de uma participação pública inefetiva. Esses grandes empreendimentos interferem na vida de centenas de famílias e essas famílias devem ser ouvidas. Ouvir essas famílias e levar em consideração suas demandas leva tempo. Aumentar o número de analistas ambientais nos órgãos licenciadores poderia acelerar as análises técnicas e, consequentemente, o processo de licenciamento.
Outro fato é que os empreendedores devem começar a exigir maior qualidade das empresas de consultoria contratadas para elaborar os EIAs e RIMAs, o que poderia evitar atrasos em função do pedido de explicações ou complementações pelos órgão licenciadores. Por fim, o envolvimento do público, quando realizado de forma adequada, pode reduzir os conflitos com a população e também evitar atrasos em função de manifestações, acionamento do ministério público etc. O licenciamento e a AIA devem parar de ser encarados como empecilhos que atrasam os empreendimentos e começarem a ser vistos como instrumentos capazes de produzir empreendimentos mais sustentáveis do ponto de vista socioambiental.
IHU On-Line - Que tipos de conflitos evidenciou em São João da Barra por conta dos empreendimentos realizados na região?
Juliana Ribeiro Latini - Durante minha pesquisa não analisei os conflitos propriamente, mas pude perceber alguns. O primeiro deles se refere às desapropriações. De acordo com o RIMA do Distrito Industrial, 580 famílias foram alvo de desapropriação. Foi amplamente noticiado na mídia que a metodologia empregada nas desapropriações foi agressiva, não foi baseada no diálogo. As famílias formaram um movimento de resistência em defesa de suas terras e de seus modos de vida, o que evidencia o conflito. Nesse conflito, o Estado, que deveria adotar uma posiação de mediador, assumiu a posição do empreendedor, pois foi ele, através da Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro - CODIN, que conduziu as desapropriações. Outros conflitos surgiram também conforme as obras do CLIPA foram se desenvolvendo. A salinização de águas da região em 2012, que prejudiu plantações, causando prejuízos econômicos para algumas famílias; a erosão na praia do Açu que está colocando em risco imóveis residenciais e comerciais da orla e a restrição das áreas de pesca, todos esses fatos evidenciam conflitos, em que as atividades da população local se chocam com as consequências das atividades do CLIPA.
"O licenciamento e a AIA devem precisam ser vistos como instrumentos capazes de produzir empreendimentos mais sustentáveis do ponto de vista socioambiental" |
IHU On-Line - Que análise faz das audiências públicas envolvendo os casos de desapropriações por conta de Porto de Açu?
Juliana Ribeiro Latini - Durante a análise que fiz das audiências do Distrito Industrial, realizadas em 2011, pude perceber que a maior parte das perguntas realizadas pela população questionava as desapropriações. Eles questionavam os valores pagos pela terra, pois o valor foi baseado numa área rural, mesmo tendo o V Distrito sido transformado em área industrial em 2008. Muitos questionamentos também tratavam do modo como as desapropriações ocorriam, de como as indenizações seriam feitas, de como eles iriam sobreviver sem as terras, da segurança jurídica da posse das novas casas do assentamento, entre outras.
O que esses questionamentos indicam é que as famílias desapropriadas não tinham conhecimento de como os processos de desapropriação e indenização ocorreriam e nem de como seria a vida deles depois desse processo. Isso mostra a falta de diálogo, o que com certeza contribui para aumentar os conflitos. Lembro bem de um depoimento que eu citei na minha dissertação, onde um participante da audiência diz que eles estavam sendo tratados como bichos. Nesse contexto, as audiências não foram suficientes para esclarecer as dúvidas da população.
Como já mencionei, as perguntas são respondidas sem que a população tenha direito à réplica. As explicações e apresentações feitas também são inadequadas por usarem uma linguagem não apropriada à população presente nas audiências. O que fica claro é que as audiências não são suficientes para lidar com o tipo de conflito que surgiu com as desapropriações, pois elas ocorrem na etapa final do licenciamento prévio com uma restrição de tempo que não permite o diálogo. Para esses casos, são necessários mecanismos de participação e integração da população que permitam maior proximidade com a comunidade.
IHU On-Line - Que questões deveriam ser modificadas na legislação ambiental brasileira a fim de considerar de fato a Avaliação de Impacto Ambiental?
Juliana Ribeiro Latini - Uma questão muito precária na AIA brasileira é a participação pública. Devemos começar a pensar em outros mecanismos de participação, pois somente as audiências públicas não são suficientes para integrar a população de forma efetiva e mediar conflitos. Um ponto é que as audiências, usualmente, ocorrem na sede dos municípios, em locais distantes dos locais mais afetados pelos empreendimentos.
No caso do CLIPA, a população mais afetada pelo empreendimento mora no V Distrito de São João da Barra e tem dificuldade de participar das audiências que ocorrem na sede pela distância e horário em que as mesmas ocorrem. A LLX, na época responsável pelo CLIPA, disponibilizou ônibus para levar os moradores do V Distrito até a sede. No entanto, o horário de partida do ônibus no V Distrito coincidia com o fim da jornada de trabalho e muitas pessoas não puderam participar por esse motivo. Então, precisamos pensar em mecanismos de participação que sejam mais próximos das comunidades mais afetadas pelos empreendimentos e que permitam, de fato, a ampla participação.
Outro fato que deve ser pensado na AIA brasileira é que a disponibilização de informações ao público não ocorre de forma satisfatória. Primeiro, como já mencionei, os RIMAs não são adequados. O que parece é que eles são vistos como uma mera formalidade, quando na verdade são praticamente a única fonte de informação para a população. Segundo, outros tipos de informações, como os dados de monitoramento, por exemplo, não têm acesso facilitado. Não existe um canal de comunicação facilitada em que as pessoas possam acompanhar as alterações que estão ocorrendo no ambiente e as medidas que a empresa está tomando para mitigação e compensação. Um fato que também identifiquei na minha pesquisa é que muitas perguntas feitas em audiência questionavam a falta de transparência do processo no que diz respeito à eficiência das medidas de mitigação e aos investimentos em compensação.
Assim, acredito que a modificação mais urgente para que a AIA cumpra seus objetivos de forma satisfatória seja pensar em mecanismos de participação mais eficientes que as audiências, que façam a população se sentir realmente integrada ao processo, e também em mecanismos que permitam maior transparência e acesso às informações, tanto as informações pré quanto as informações pós-emissão da licença.
|
"Para que a AIA cumpra seus objetivos tem que se pensar em mecanismos de participação mais eficientes que as audiências" |
IHU On-Line - Em outros locais do mundo, há algum modelo de licenciamento ambiental que o Brasil poderia seguir de modelo?
Juliana Ribeiro Latini - O modelo de AIA brasileiro é importado. Nosso modelo foi baseado no modelo americano e no modelo francês. Outros países já modificaram suas práticas, por exemplo, permitindo a participação do público desde as etapas iniciais da AIA, enquanto o Brasil continuou restringindo essa participação às audiências públicas, na etapa final do licenciamento prévio. As experiências internacionais que forem boas para o país, devem ser abosrvias com certeza. Por exemplo, em nível internacional nós temos manuais de boas práticas para a elaboração dos RIMAs, o que precisa ser pensado para o Brasil também.
No entanto, acredito que mais importante do que basear nossa AIA em outros modelos internacionais, é reconhecer que a sociedade brasileira é diferente da sociedade americana ou da sociedade europeia e que, não necessariamente o que dá certo lá, dará certo aqui. Precisamos pensar em mecanismos que sejam adequados às especificidades da nossa sociedade.
Por Patricia Fachin
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Estratégia brasileira de desenvolvimento: O licenciamento ambiental é uma etapa a ser superada no menor tempo possível. Entrevista especial com Juliana Ribeiro Latini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU