23 Mai 2016
Manifestações contra a guinada à direita do governo se vislumbram como estratégias para o resgate de uma perspectiva de desenvolvimento do país vinculada ao social e à diminuição das desigualdades
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo Foto: Cristina Guerini Link/IHU |
É possível verificar esse sentimento nas ocupações de escolas e de outras instituições públicas. Um dos exemplos é o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, que, em protesto contra a supressão do Ministério da Cultura, tem sedes ocupadas em cerca de duas dezenas de capitais brasieliras, incluindo Porto Alegre, uma das ocupações mais recentes, que teve início na última quinta-feira, 19-05-2016, mesma data em que milhares de manifestantes saíram às ruas da cidade para protestar contra o governo do presidente interino Michel Temer com cartazes e faixas onde criticavam as ações governamentais implementadas e o andamento do processo de impeachment.
“Neste momento há o deslocamento de um posicionamento político mais ao centro para uma tendência mais à direita, o que significa o abandono da perspectiva do que seria uma social democracia, comprometida em promover o desenvolvimento social. Trata-se de um programa de governo que não foi o escolhido nas urnas”, analisa Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo. O professor, que participou do debate “Brasil, e agora, para onde vamos?”, na última quinta-feira, 19-05-2016, na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU, fez uma reflexão acerca da situação política do país em meio às turbulências e incertezas sobre o futuro.
Para Azevedo, a chave para compreender o contexto brasileiro de hoje é perceber o processo de politização da justiça e de criminalização da política, que se direciona a determinados atores políticos e às manifestações e movimentos sociais que têm posicionamentos dissonantes da direita. “No caso específico da Operação Lava Jato a justiça tem atuado de forma seletiva e partidarizada a partir da divulgação de vazamentos de escutas telefônicas e trechos de delações premiadas. Um exemplo contundente é a divulgação das escutas telefônicas de conversas de Dilma com Lula, que causa uma hecatombe política que agrava o andamento do processo de impeachment. Isso tem acontecido em Curitiba, na 13ª Vara da Justiça Federal, e se confirma no Superior Tribunal Federal, que teve seus ministros escolhidos com bases em barganhas políticas e não com o intuito de reforçar a identidade com o projeto político. Há ministros isentos, mas infelizmente eles foram engolidos pelo processo de criminalização do governo e do PT”, aponta.
A arquitetura da trama
Na análise de Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, o quadro que hoje culmina no andamento do processo do impeachment da presidente Dilma, começa a se desenhar ainda durante as jornadas de 2013. De acordo com o pesquisador, a falta de escuta por parte do governo e as leituras da mídia sobre as manifestações foram os primeiros passos de construção dessa trajetória.
“Os contingentes populacionais que tiveram algumas melhorias na qualidade de vida, principalmente ao longo dos últimos 13 anos, passaram a reivindicar mais direitos como o acesso a transporte público, educação, saúde e outros serviços públicos de qualidade, bem como a uma segurança pública que não tenha a violência policial como prática. Essas pessoas que foram às ruas em junho de 2013. No entanto, tais manifestações foram capturadas por uma narrativa midiática que ligou os protestos desses grupos diretamente à luta contra a corrupção. A presidente Dilma se mostrou limitada para ouvir e dialogar nesse cenário”, reflete o professor.
Apesar das instabilidades, a reeleição do governo acontece com uma margem relativamente estreita de diferença no número de votos, o que contribuiu para a efervescência política após o período eleitoral. “Persistiu o anseio pela manutenção de um projeto popular mesmo diante das contradições do governo, o qual se reelege com uma série de precariedades, que são agravadas pela crise econômica. Tudo isso gera a tempestade perfeita para a oposição: o contexto de protestos, a eclosão da Operação Lava Jato, a justiça politizada e o apoio da mídia na defesa dessa ideia”, constata Azevedo.
O possível porvir
O que esperar para do futuro? É o questionamento que os brasileiros têm feito ao analisar o cenário político e econômico do país a partir das mudanças mais recentes com chegada do vice-presidente ao poder e as primeiras ações de sua equipe. O professor prevê a aproximação de um porvir preocupante. “O que se aproxima, provavelmente, é a impunidade dos novos donos do poder, uma vez que há sete ministros do governo Temer envolvidos com a Operação Lava Jato; a flexibilização das leis trabalhistas; o corte de direitos sociais; a privatização e venda de ativos importantes do país, como o Pré-Sal; o relaxamento no controle da ação da polícia; a criminalização da oposição e a repressão aos movimentos sociais”, avalia.
Alguns caminhos para a resistência democrática
Diante desse quadro apreensivo, Azevedo aponta a necessidade de os brasileiros se mobilizarem, refletirem sobre a situação e proporem uma mudança e reconstrução das forças políticas de esquerda. “Precisamos lutar pela volta da legalidade no Brasil e frear esse processo que atropela os direitos e a cidadania no país. As expectativas não são favoráveis quanto ao impeachment, por isso as pressões têm que continuar. A crença de que a polícia e os juízes vão limpar a corrupção do país nem sempre se confirma. Os resultados às vezes não são favoráveis, por exemplo, um dos resultados da Operação Mãos Limpas, na Itália, foi a chegada de Berlusconi ao poder. Neste momento, é necessário colocar em prática a Constituição de 1988 como possibilidade de enfrentamento dos enormes déficits da sociedade brasileira e também promover um processo de renovação da esquerda. O PT teve um papel importante na história política brasileira, mas é preciso avançar porque os limites já foram postos”, sugere.
Os debates
Após a fala do professor, um bloco de questões foi colocado em debate pelos participantes. Fernanda Frizzo Bragato, professora e pesquisadora do Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos, levantou o tema do engajamento político dos brasileiros. “Foi avassalador o apoio ao impeachment pelo Congresso, que refletiu os anseios de uma classe média que não elege presidente, mas mostrou que é capaz de derrubá-lo. De onde podem vir os processos de resistência? Às vezes me parece que está havendo uma alienação política”, analisa.
“O que fazer para que esses parlamentares, que foram eleitos pelo voto dos eleitores, voltem a se comprometer com o povo e não com interesses econômicos ou políticos do entorno?”, questiona Jean-Bosco Kakozi Kashindi. Nascido na República Democrática do Congo e naturalizado mexicano, o pesquisador é pós-doutorando no Programa de Pós-graduação em Direito da Unisinos e na próxima quarta-feira, 25-05-2016, será o conferencista do próximo debate na Sala Ignacio Ellacuría e Companheiros – IHU.
Já Alex Sandro da Silveira Filho, estudante do curso de Direito e militante do Levante Popular da Juventude, põe em discussão uma proposta mais drástica. “Diante da crise de representatividade que estamos vivendo, a convocação de uma assembleia constituinte exclusiva para reforma política no país poderia ser uma forma de resistência? Qual sua opinião sobre a constituinte exclusiva?”, pergunta.
Azevedo começa sua reflexão acerca dos temas levantados com um questionamento, que conduz sua análise. “Como é possível agir diante do que temos? Precisamos pensar as estratégias a curto, médio e longo prazos. Essas estratégias são as manifestações. A existência desses movimentos, mesmo com todo o cerco político e midiático, é muito significativa e acredito que pode influenciar as decisões institucionais. A expectativa quanto a reversão do processo de impeachment é muito pequena, porém temos que pensar a médio e longo prazo e continuar as pressões. O custo de ser governo é alto. Tanto Lula, quanto Dilma fizeram alianças políticas para governar. Esses acordos acabaram provocando uma perda de identidade e dificultaram o engajamento político. Por exemplo, Dilma se elegeu com um programa político democrático e popular, porém quando chegou ao poder, levou para seu governo Joaquim Levy, um dos principais representantes do capital, e assim caiu por terra todo o seu discurso de campanha. O governo atrelou os interesses econômicos ao parlamento, mas esse arranjo se tornou insustentável”, constata.
Sobre uma nova constituinte, o professor opina e já anuncia qual a luta que pode estar por vir: “Convocar uma assembleia constituinte exclusiva é perigoso em um momento em que a Constituição de 1988 está em risco. A prioridade é evitar o impeachment e retomar a normalidade democrática, mas se isso não for possível, a bandeira mais adequada é a realização de novas eleições”, salienta.
O conferencista
Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo é graduado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, especialista em Análise Social da Violência e Segurança Pública, mestre e doutor em Sociologia pela UFRGS. Realizou pós-doutorado em Criminologia pela Universitat Pompeu Fabra, em Barcelona, e pela Universidade de Ottawa, no Canadá. Atualmente é professor adjunto da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS, atuando nos Programas de Pós-Graduação em Ciências Criminais e em Ciências Sociais. É coordenador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da PUCRS. Escreveu e organizou vários livros, entre os quais destacamos Crime, Polícia e Justiça no Brasil (São Paulo: Contexto, 2014), Relações de Gênero e Sistema Penal - Violência e Conflitualidade nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (Porto Alegre: EDIPUCRS, 2011) e Informalização da Justiça e Controle Social (São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2000).
Foto: Cristina Guerini Link/IHU
Por Leslie Chaves
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A pressão das ruas e o caminho de retomada dos ideais de justiça social - Instituto Humanitas Unisinos - IHU