04 Mai 2016
"Eu fiz os meus estudos de Teologia Dogmática na Universidade Gregoriana e de Ciências Bíblicas no Instituto Bíblico de Roma. Completei os meus estudos bíblicos na Ecole Biblique et Archéologique em Jerusalém. No entanto, o crescimento da minha fé teve três fatores que me marcaram. O primeiro, a fé da minha mãe: eu me encontrei com o Evangelho na cozinha da minha casa. Depois, o Concílio Vaticano II. Os meus estudos em Roma coincidiram com a celebração do Concílio: eu pude respirar de perto o clima de renovação que se despertou na Igreja; também pude ouvir diretamente alguns especialistas: Bernard Häring, Karl Rahner, o padre Congar, Hans Küng, Edward Schillebeeckx e outros. Com eles, despertou a minha vocação para trabalhar por uma renovação radical da Igreja. Por último, a minha permanência na Galileia, na primavera de 1966, vivendo na casa dos franciscanos em Cafarnaum. Passeando às margens do lago e contemplando o nascer do sol todas as manhãs, eu me encontrei com Jesus. Não me esqueci de que, ao pôr do sol, Jesus contemplava o Pai que faz surgir o sol tanto sobre os bons, quanto sobre os maus."
Com efeito, José Antonio Pagola dá mais importância à Bíblia e à pesquisa bíblica do que à teologia dogmática.
A reportagem é de Francesco Strazzari, publicada no sítio Settimana News, 09-02-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
"Na realidade, eu dou importância absoluta a Jesus e vivo me dedicando para libertar a Sua Igreja daquilo que nos desvia do seu Evangelho ou nos impede de voltar a Ele. Para entender a minha vida de hoje e a minha mensagem, isto é o que eu mais trago no coração e é importante: eu quero contribuir com todas as minhas forças para voltar para Jesus. Para mim, isso é o mais decisivo que pode acontecer na Igreja nos próximos anos. Quero trabalhar de maneira humilde, mas firme, para que, na Igreja, vivamos colocando no centro, com mais verdade e fidelidade, a pessoa de Jesus, a Sua mensagem e o Seu projeto de abrir estradas para o reino de Deus. Isso significa voltar a quem é é fonte e origem da Igreja, o único que justifica a Sua presença no mundo e na história; a única verdade que a nós, cristãos, nos é concedido viver. Isso significa, sobretudo, deixar que Deus encarnado em Jesus seja é o único Deus da Igreja, o Abbá, o Deus da misericórdia, o Deus amigo da vida, o Pai defensor dos pobres."
Tem-se a impressão, lendo os livros de Pagola, que ele dialoga com as pessoas de todos os dias, as pessoas que desejam saber mais sobre a pessoa de Jesus de Nazaré. Ele tem a capacidade, infelizmente ainda rara, de fazer com as pessoas o caminho que leva à descoberta do projeto de Jesus: abrir caminhos para o reino de Deus.
"Efetivamente, estou convencido de que o futuro da fé nos países ocidentais vai ser decidido, sobretudo, nas paróquias e nas comunidades cristãs. O Papa Francisco poderá renovar as instâncias centrais do Vaticano, mas a Igreja real é muito mais do que o Vaticano. O papa não pode fazer aquela que é a nossa tarefa. Agora, nas nossas dioceses, a fé estagna, ou está se perdendo, ou começa a se renovar. A renovação das nossas paróquias e comunidades cristãs não vai ocorrer com decretos assinados em Roma, nem como fruto de planos pastorais elaborados nas Cúrias diocesanas. É tarde demais. Só faremos passos até a renovação de que precisamos nas estradas abertas pelo Espírito de Jesus."
"Eu não escrevo para desenvolver a doutrina, nem para ilustrar a fé cristã, nem para fazer propostas pastorais teóricas. Eu escrevo ao lado das pessoas das nossas paróquias, que vivem a sua fé de maneira simples, que reza, sofre e está em silêncio, preocupadas com o futuro incerto da Igreja. O mesmo que nos tempos de Jesus: esse povo simples não tem problemas para acolher a Boa Nova do Evangelho. No povo cristão, pode-se dar início à reação e dar impulso à conversão a Jesus Cristo nos próximos anos. Se esse povo de hoje conhecer Jesus em todo o seu frescor e se sintonizar com o Evangelho, vai arrastar a todos nós. Eu só quero acompanhar e animar esse movimento popular em direção a Jesus. Só Jesus vai salvar a Sua Igreja. Isso é o que eu sinto por dentro quando escrevo."
A aventura de Pagola, na verdade, teve alguma oposição por parte de certos bispos e teólogos espanhóis, especialmente com o livro sobre Jesus, que teve um enorme sucesso. Milhares e milhares de cópias e traduções em várias línguas. Também em russo, japonês e chinês. Chegou-se até a tirá-lo das livrarias. Pagola sofreu muito com isso, porque, quando escreve, coloca corpo e alma.
"Sim. Nunca pensei que eu teria uma reação tão forte e dura em relação aos meus esforços para nos aproximar com mais fidelidade à pessoa de Jesus. Nunca imaginei que houvesse na Igreja tanto medo de Jesus. O que eu vivi na minha própria carne está me ajudando agora a entender a forte resistência de alguns hierarcas em relação ao Papa Francisco. O medo de Jesus sempre existiu na Igreja. É explicável. Jesus faz as pessoas mais livres; atrai para a misericórdia, não para o direito canônico; chama os Seus seguidores para colaborar com o projeto do reino de Deus, não para defender o poder mundano da Igreja; recorda-nos que os últimos devem ser sempre os primeiros, mesmo na Igreja e no Vaticano; leva os Seus seguidores ao essencial do Evangelho, não a qualquer prática religiosa. Não há nada de mais perigoso para uma Igreja que busca poder, segurança e prestígio do que um papa humilde, livre e corajoso, que busca recuperar ao próprio centro da Igreja o espírito, o fogo e a paixão de Jesus pelo reino de Deus."
"Com essas premissas, eu me sinto mais tranquilo agora. Agora, vejo que o que eu passei foi bom. É bom sofrer, às vezes, um pouco, por Jesus. Isso me obrigou a me identificar com Ele mais verdadeiramente. Se eu não me identificasse com Ele, a minha vida e o meu trabalho nestes momentos não teriam sentido algum. Além disso, não sou capaz de portar ressentimento contra ninguém .Não é um esforço ascético. É um dom que Deus me deu através da minha mãe. Ela era assim."
Nos últimos anos, quando eu tinha que escrever sobre os trágicos acontecimentos do País Basco, ia conversar com o bispo de San Sebastián, Dom José Maria Setién, hoje emérito, e com o seu vigário geral, que era o Mons. José Antonio Pagola. A suas informações faziam o resto. Nos seus escritos, Pagola fala muito de "compaixão" em relação àqueles que sofrem, percorrem caminhos talvez equivocados para ter justiça e dignidade. Acho que a experiência em uma terra martirizada fez escola para ele.
"Eu não diria só de compaixão. Foram anos convulsionados e dolorosos nos quais eu aprendi a seguir Jesus em uma situação complexa e difícil que estava desumanizando a todos nós. O horror do terrorismo me obrigou a defender os valores mais essenciais do Evangelho: eu escrevi contra a manipulação da verdade; insistiu várias vezes que não é cristão alimentar o ódio nas pessoas, que não é possível construir uma sociedade humana sobre os mortos; que sempre devemos ajudar as vítimas sem excluir nem discriminar ninguém. Não foi fácil. Eu escrevi um artigo defendendo o amor pelo inimigo como uma peculiaridade de quem segue Jesus e fui acusado de fazer apologia ao terrorismo. Eu carrego dentro de mim um grande sofrimento: não fomos capazes de parar o terrorismo. Mas eu aprendi para sempre algo importante: se, nos nossos países, esquecermos um dia a memória de Jesus, correremos o risco de nos desumanizarmos."
Uma reflexão sobre o Ano da Misericórdia: um jubileu de importância histórica, sobre o qual Pagola tem ideias claras.
"Em primeiro lugar, devo dizer que o Papa Francisco é um dom. Fiquei surpreso quando, poucos meses depois da sua eleição, ele pronunciou estas palavras. Eu as seis de cor: 'A Igreja deve levar a Jesus: esse é o centro da Igreja. Se, às vezes, acontecesse de ela não levar a Jesus, seria uma Igreja morta'. Eu também pensei assim muitas vezes, mas não ousava dizer isso. O papa não fala de 'atualização' ou adaptação da Igreja aos tempos de hoje. Ele não se detém sequer para recuperar as linhas de força do Concílio Vaticano II. Ele nos diz que devemos voltar a Jesus Cristo 'que pode romper os esquemas obsoletos dentro dos quais pretendemos encerrá-Lo'. Ele também diz que 'devemos voltar à fonte e recuperar o frescor original do Evangelho'."
"Com o Ano da Misericórdia, Francisco pretende recuperar a misericórdia como o primeiro princípio do comportamento da Igreja. Essa me parece ser a sua contribuição principal. A misericórdia não é uma lei a mais na fé cristã. É a grande herança de Jesus deixada à humanidade. Tudo o que impede, obscurece ou dificulta captar o mistério de Deus como oferta da Sua misericórdia gratuita e imerecida a todos deve desaparecer da disciplina e da pregação da Igreja, porque não contém em si a Boa Nova proclamada por Jesus. Os setores dos fariseus, vendo que Jesus acolhida a todos à Sua mesa, até mesmo pecadores, publicanos e prostitutas, acusaram-no de ser 'amigo de pecadores'. Jesus nunca se defendeu dessa acusação. Nem a desmentiu, porque se sentia e era amigo de pecadores. Eu sinto tristeza ao ver que, depois de 20 séculos de cristianismo, ganham força na Igreja correntes de resistência ao papa, em cujo substrato subjaz a mesma preocupação dos fariseus, porque, em última análise, estão pedindo que Francisco não caia na tentação de ser 'muito amigo de pecadores': divorciados recasados que desejam receber Cristo na eucaristia. Eu não consigo entender o escândalo. Eu acho que só a misericórdia pode tornar a Igreja de hoje mais humana e credível."
Os "Grupos de Jesus" estão tendo uma forte difusão não só na Espanha, mas também na América Latina, como eu pude constatar pessoalmente. Obviamente, isso deixa Pagola satisfeito e contente, até porque eu não sei quantas vezes, no seu livro, ele fala da alegria do Evangelho, da alegria da Boa Nova, que esses grupos se propõem a difundir. Sem dúvida, é um projeto sugestivo.
"Eu sinto uma grande alegria ao ver a acolhida que eles estão tendo um pouco por toda a parte. Os 'Grupos de Jesus' são uma proposta de evangelização para a qual eu estava pensando há muitos anos. O seu objetivo principal é viver juntos um processo de conversão individual e em grupo a Jesus Cristo, aprofundando de maneira simples o essencial do Evangelho. A minha ideia é simples. Não sabemos que papas haverá depois de Francisco. Não sabemos sequer como serão os futuros bispos das nossas dioceses. Mas não podemos permanecer passivos em tempos tão decisivos para o futuro da fé entre nós. É possível iniciar já agora um movimento no qual leigos, religiosos e religiosas, presbíteros promovam a conversão a Jesus Cristo nas nossas comunidades. Esses 'Grupos de Jesus', em conjunto com outras experiências e iniciativas, podem fazer circular, dentro de uma Igreja em crise e em meio a uma sociedade secularizada, a força renovadora de Jesus e do Seu Evangelho. Hoje é possível. Em alguns anos, pode ser tarde."
Se não voltarmos para Jesus – é a ideia fixa de Pagola –, de nada servem as reformas no Vaticano, nas Cúrias diocesanas, nas paróquias, nas comunidades religiosas, nos seminários...
"O sintoma mais grave da crise religiosa é o afastamento dos cristãos que abandonam as nossas paróquias. Podem ser analisados os diversos fatores que estão na raiz desse fato. Mas uma coisa é clara: a Igreja está perdendo o seu poder de atração. E ela não tem a força para segurar aqueles que, há anos, estavam dentro dela. Esse dado nos obriga a nos fazer uma pergunta decisiva: 'O que devemos fazer nestes momentos? Continuamos a fazer, como sempre, pequenas reformas na liturgia ou no trabalho pastoral, mas, naturalmente, partindo de uma Igreja que vai perdendo atração e credibilidade, ou recuperamos, o quanto antes, o Evangelho e colocamos no centro das paróquias e comunidades cristãs a pessoa de Jesus como a força decisiva, capaz de atrair os homens e as mulheres de hoje, e capaz de gerar uma fé nova nos seus corações. Estou convencido de que é possível 'refundar' as nossas paróquias e comunidades a partir de uma experiência nova mais direta e viva de Jesus e da Sua Boa Nova. Não vejo outro caminho mais encorajador. Jesus salvará a Sua Igreja."
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José Antonio Pagola segundo ele mesmo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU