11 Abril 2016
Francisco interpreta o seu papel, cada vez mais, enquanto a duração do seu pontificado se alonga, como o do "pai universal", do "papa de todos". Talvez até mesmo dos não católico, dos protestante ou dos ortodoxos que ele encontrou ou vai encontrar e com os quais ele dialoga constantemente, buscando entendimentos e convergências ecumênicas.
A opinião é do sociólogo italiano Marco Marzano, professor da Universidade de Bérgamo, em artigo publicado no jornal Il Fatto Quotidiano, 09-04-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A primeira novidade da exortação apostólica do Papa Francisco sobre a família, publicada finalmente na sexta-feira, depois de semanas de indiscrições e expectativas, é que, como era amplamente previsível, ela não contém novidades sensacionais. O papa se limita, substancialmente, a reiterar o que os Padres sinodais já haviam afirmado nos relatórios conclusivos das duas assembleias sobre a família de 2014 e de 2015.
Permanecem inalterados os marcos a não serem superados, por exemplo o que diz respeito à proibição da contracepção ou o outro, igualmente pesado, que concerne a homossexualidade e que prevê, por um lado, que a Igreja aja com favor misericordioso em relação àquelas famílias que "vivem a experiência de ter no seu seio pessoas com tendência homossexual, experiência não fácil nem para os pais nem para os filhos"; por outro, que rejeita do modo mais claro possível toda equiparação entre as uniões homossexuais e o matrimônio entre um homem e uma mulher.
Ao lado da confirmação das proibições, encontramos, obviamente, a introdução das novidades já presentes no relatório final do Sínodo de 2015. Elas dizem respeito sobretudo aos divorciados recasados, para os quais o pontífice, seguindo as indicações dos Padres sinodais e, em particular, a solução encontrada pelos alemães, recomenda um cuidado pastoral especial, uma avaliação caso a caso, que não exclua ninguém a priori e que permita "discernir quais das diferentes formas de exclusão atualmente praticadas em âmbito litúrgico, pastoral, educativo e institucional possam ser superadas".
As indicações pastorais fornecidas pela exortação, certamente, não por acaso, são tão vagas que, na prática, vai acontecer que os pastores que podemos definir como "abertos" verão, principalmente, o copo meio cheio e favorecerão o início de um caminho de plena reintegração no tecido eclesial de tantos divorciados recasados, enquanto os padres mais fechados farão o contrário, fazendo valer a norma da indissolubilidade do matrimônio e o fato de que a doutrina que a reitera não foi mudada uma vírgula.
Em suma, os progressistas abrirão aos divorciados, finalmente, à luz do sol, enquanto os conservadores lhes fecharão a porta com todo o direito.
Até agora, os conteúdos. Mas acho que a novidade mais relevante diante da qual se encontra o catolicismo ao fim do percurso sinodal diz respeito à direção a que toda a máquina eclesial está se movendo sob o impulso de Francisco. Convocar dois sínodos serviu para o papa para mostrar ao mundo inteiro que, sobre tantas questões importantes, a Igreja está fortemente dividida sem seu interior.
Está tão dividida que os seus dirigentes não conseguem ir além de um honroso compromisso entre as partes, de um substancial pareamento. Mas que, em vez de deixar as coisas como estão, abre o caminho para a balcanização da organização, ou seja, para a possibilidade de que os diversos grupos que a povoam tomem caminhos diferentes, alguns permanecendo solidamente agarrados a um fechamento reacionário, outros, ao contrário, dirigindo-se para a inclusão.
O papa provavelmente pode ser inscrito nesse segundo partido, mas esse não é o dado mais relevante, porque Francisco é sobretudo o primeiro garante da liberdade de ação de todos os partidos eclesiais, uma espécie de figura institucional e de representação que governa, desmoronando a picaretadas, aquela unidade monolítica da Igreja que o Concílio de Trento havia construído e que, nos séculos posteriores, foi cada vez mais reforçada.
A Igreja que Francisco imagina, ao contrário, é uma organização em que, por exemplo, quando as condições estiverem maduras, a atitude pastoral católica em relação à homossexualidade poderá legitimamente variar entre aqueles que a rejeitam e aqueles que a reconhecem e a acolhem. E o mesmo poderá ocorrer sobre outros temas.
Em suma, Bergoglio está se revelando como o papa do pluralismo e, por assim dizer, do multiculturalismo católico, aquele que reabilita os teólogos da libertação postos no Índex por Wojtyla e por Ratzinger, mas que também faz com que seja transportados a Roma os restos mortais do Padre Pio ou que, é notícia recente, se abre aos inimigos jurados do Concílio, da extrema direita lefebvriana. Em suma, Francisco aplica a misericórdia a todos, absolutamente a todos, mesmo com aqueles que não lhe agradam. Na sua Igreja, há lugar também para eles. Por isso, é errado descrevê-lo como um progressista.
Pode ser ou, melhor, é muito provável que, na sua alma, ele o seja, mas aquilo que ele revela é que ele interpreta o seu papel, cada vez mais, enquanto a duração do seu pontificado se alonga, como o do "pai universal", do "papa de todos". Talvez até mesmo dos não católico, dos protestante ou dos ortodoxos que ele encontrou ou vai encontrar e com os quais ele dialoga constantemente, buscando entendimentos e convergências ecumênicas.
No seu hospital de campanha, há muitos leitos, muitos ainda livres.
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A virada pluralista do "papa de todos". Artigo de Marco Marzano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU