14 Março 2016
Impressionante iniciativa de quatro padres trazida no semanário online da diocese de Bérgamo Santalessandro: os padres Alessandro Nava, Gianluca De Ciantis, Andrea Testa e Emanuele Personeni decidiram fazer desta Quaresma, não somente uma ocasião de oração e de penitência pessoal, mas também de testemunho e protesto, chamando a atenção da comunidade eclesial e da opinião pública local para os dramáticos acontecimentos dos refugiados e dos requerentes de asilo político. “Na Quaresma – escrevem na carta onde explicam as razões da sua escolha – nós sacerdotes viveremos numa tenda, no adro da igreja de Ambivere. Um pouco de alimento. Água para beber. Um banheiro para lavar-se. Um colchão para dormir. É mais do que muitos seres humanos podem permitir-se”: “Viveremos numa tenda para dizer que não aceitamos um sistema que procura conforto para nós, provocando sofrimento nos outros... queremos dizer, com este gesto, que reconhecemos nossa responsabilidade diante da pobreza do mundo. E dizer também que se pode ser feliz, com menos”.
A reportagem é de Valerio Gigante, publicada por Adista.it, 26-02-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Uma provocação, esta, que procura despertar as consciências e suscitar atos e tomada de posição públicas coerentes com a própria adesão de fé. Padre Alessandro e Padre Gianluca são pároco e vice-pároco de S. Michele Arcangelo, em Mapello; Padre Andre é pároco em Valtrighe; Padre Emanuele, administrador paroquial em S. Zenono, na cidade de Ambivere. O texto redigido por eles contém uma análise da situação de pobreza e desigualdade econômica e social características das relações Norte – Sul do Mundo, agravadas mais depois da grande crise econômica iniciada em 2007. Situação tornada ainda mais dramática com a crise dos refugiados.
Em tal contexto, os quatro padres individuam a precisa responsabilidade dos Países Ocidentais: “O status de refugiados – escrevem – é liberado somente a um altíssimo preço: ter conseguido fugir dos bombardeamentos, ter sobrevivido a torturas, a sequestros e às ondas do mar. Nenhum reconhecimento é dado a quem provém de regiões empobrecidas por um sistema global injusto e arriscou a vida para procurar um pouco de dignidade. Esta é a Europa: pronta a amputar uma das fortalezas da sua melhor tradição humanista (Direitos Humanos), antes que ceder estes mesmos direitos aos pobres, que a ela mesma contribuiu a criar. A Europa das instituições despeja sobre a boa vontade dos cidadãos voluntários a tarefa de salvar as aparências reservando um pouco de humanidade a quem consegue chegar, esgotado de suas forças, nas costas do continente. Evita, porém, de fazer aquilo que deveria: rever as políticas econômicas e a política exterior a partir dos direitos do homem e dos direitos dos povos. Deste modo os pobres são assistidos por um pouco de tempo. Depois são abandonados ao próprio destino. Ou extraditados de volta, ou abandonados na floresta europeia do tráfico humano, da exploração da mão de obra, da clandestinidade. Os pobres esperavam que na Europa a humanidade viesse antes da cidadania, antes do bem-estar, antes das diferenças religiosas, antes que qualquer outra coisa. Erraram. O pensamento em voga é que a sua situação não depende de nós, que temos já os nossos problemas. Do mesmo modo como os Países europeus individualmente, também os diversos setores da administração do Estado descarregam sobre os outros a responsabilidade, aduzindo confusão normativa, suspeitando riscos de terrorismo e arremessando contra os pobres as crônicas incapacidades na assistência dos próprios cidadãos italianos”.
Por estes motivos escolheram a tenda.
“Trata-se de um sinal temporário, até a Páscoa. Depois – acrescentam – se verá. De todas as maneiras será preciso por em sintonia estilos de vida coerentes com esta intuição. Com este gesto queremos dizer que reconhecemos nossa responsabilidade diante da pobreza do mundo. E que se pode ser feliz também com menos”. “De resto, prosseguem os padres bergamascos, se Europa e Estados Unidos devessem pagar equitativamente os recursos retirados do Terceiro Mundo, os preços em casa nossa cresceriam bastante e deveríamos renunciar a boa parte dos nossos hábitos de consumo. O custo da vida aqui é alto, mas o seria ainda mais se os Países pobres pudessem por no centro das suas economias as suas necessidades ao invés que as nossas. Por este motivo, ninguém no Ocidente parece levar a sério uma perspectiva deste tipo”. E se “nós sacerdotes não podemos inverter a sorte dos pobres”, podemos ao menos, porém, “ficar do seu lado. Podemos protestar e projetar ações concretas não-violentas em favor da Verdade e da Justiça”. E se os refugiados não têm direito a uma casa, acrescentam padre Alessandro, padre Gianluca, padre Andrea e padre Emanuele Personeni, com clara referência à cidade das tendas de Calais, então “este direito não o temos nem mesmo nós. Não nos parece um bom negócio perder a humanidade que nos liga aos pobres para usufruir do privilégio de cidadania. Ser cidadãos é uma honra. Mas se deve vir antes da nossa comum humanidade, então a renunciamos de bom grado”. Os quatro padres não hesitam nem mesmo em criticar a administração da igreja local: “Usam-se os pobres de casa contra os pobres às nossas portas. A começar pela Região, até chegar a muitíssimas administrações comunais, a resposta é sempre a mesma: para eles não têm lugar”. Em tal contexto (que possui também significativas exceções, como aquela do Padre Enrico D’Ambrosio, pároco de Cenate Sotto, que em dezembro passado abriu as portas da canônica para acolher cinco jovens africanos), sublinham com amargura: “As paróquias e os cristãos bergamascos não estão se comportando melhor. Pensemos a Caritas, dizem. Nem mesmo o convite do amado Papa Francisco consegue sacudi-los. Nós sacerdotes não podemos inverter a sorte dos pobres. Mas podemos estar do seu lado”.
A grande tenda branca que desponta num canto da praça de Ambivere, além de um sinal de protesto e de testemunho, quer ser também um lugar de encontro e de acolhimento. “Na tenda sereis benvindos”, escrevem os padres na sua carta. Além do mais, no adro da igreja, aconteceram dois encontros de reflexão: um sobre o tema da dramática situação do Oriente Médio; e outro sobre a questão das armas (quem ganha, quem mata, quem morre), tendo como hóspede Padre Renato Sacco, coordenador nacional da Paz Christi Itália.
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Quaresma, numa tenda em solidariedade aos refugiados: iniciativa de quatro padres de Bérgamo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU