Por: André | 22 Fevereiro 2016
O bispo de Saltillo, Coahuila, Raúl Vera López, afirmou que 20 anos após a assinatura dos acordos de San Andrés entre o governo federal e o Exército Zapatista de Libertação Nacional (ELZN), “entendemos por que nunca foram cumpridos: estavam preparando a venda da Nação que é de todos nós”.
A reportagem é de Elio Henríquez e publicada por La Jornada, 17-02-2016. A tradução é de André Langer.
Acrescentou que os funcionários do governo “são uma classe política corrupta, sem escrúpulos que desde então venderam o que há aqui, inclusive as pessoas, porque suas famosas reformas estruturais são uma selvageria, uma sem-vergonhice, e nisto estão envolvidos todos os partidos políticos”.
Assegurou que nos acordos de San Andrés “está um exemplo de como se pode construir um pacto social, uma lei, uma Constituição com diálogo. São um exemplo de como o povo está preparado para construir sua história com participação. E temos que fazê-lo”.
Mas o que mais impressiona dos acordos, acrescentou, “é o descaro, a exibição de sua hipocrisia, de sua podridão. O senhor (Ernesto) Zedillo (que era presidente quando os acordos foram assinados) é um criminoso que deve pagar por crimes de lesa humanidade que cometeu. Pelo amor de Deus! Junto com todos os seus chefes”.
Vera López expôs que “as contribuições dos acordos seguem sendo válidos, já que neles está claro que os irmãos indígenas são sujeitos de direito. O que está ali está bem escrito, bem acordado, bem pensado. Isto é válido e tem que ser aplicado. Mas enquanto estes estiverem no poder, não serão aplicados. Não há esperanças, são uns traidores, carniceiros. Não sei como chamá-los”.
Disse que 20 anos após a assinatura dos tratados “sua imoralidade foi tão fatal que hoje não apenas os recursos de Chiapas já estão vendidos, mas os de todo o país. Neste momento, a sua maldade já se estendeu por todo o território nacional”.
Entrevistado nesta cidade, Vera López, que era biso coadjutor da diocese de San Cristóbal quando os acordos foram assinados, no dia 16 de fevereiro de 1996, manifestou que “o que vimos então com a guerra de baixa intensidade, a criação de grupos paramilitares, assassinatos e desaparecimentos, estendeu-se, porque agora o Exército já não cria apenas paramilitares, mas apóia os criminosos”.
O país, disse, “vive sob um governo criminoso, em meio a uma estratégia violenta contra a população. Um exemplo é o que estão fazendo com os professores, com todos os mexicanos com o desastre econômico, a crise de direitos humanos”.
Expressou que o que o governo fez há 20 anos, quando “mostrou sua putrefação por sua atuação em Chiapas, não tem comparação com o monstruoso horror em que mergulharam o México. Não há comparação, porque não há doença comparável”.
Assinalou que os zapatistas tiveram que colocar em prática a autonomia em suas comunidades, porque “há um governo corrupto, mas temos que mudar isso. Não podemos nos contentar com isso. É um crime, porque no dia em que se propuserem, virão e vão barrar tudo. Estão destruindo outras coisas que pareciam... não podemos nos contentar com isso. Não basta isso, está muito bem, mas não basta. Eles (os zapatistas) estão em contínuo risco se não fizermos nada para enfrentar toda essa corrupção rampante nesta estrutura criminosa que não se pode chamar de governo”.
Advertiu: “Se não fizermos nada... estes rapazes estão em um terreno minado. O governo vem com tudo com a aplicação do Tratado de Livre Comércio e agora com o Transpacífico. Temos que prestar atenção nisso. Isso nos obriga a abrir espaços para os nossos irmãos indígenas. Temos que prestar atenção em como vamos abrir espaços para todos os pobres do México”.
Em separado, Felipe Arizmendi Esquivel, bispo da diocese de San Cristóbal de las Casas, em cujos 37 mil quilômetros estão assentadas majoritariamente as comunidades zapatistas, lamentou que aos legisladores, “o que menos lhes interessam são os povos indígenas. Às vezes, há algumas posturas esporádicas, mas eles têm outro tipo de interesses: ver como ascendem a outros postos, mas o problema dos indígenas é um problema latente que necessitamos atender”.
Recordou que há 20 anos, quando foram assinados, “havia muita desconfiança em relação aos acordos, porque alguns imaginavam que poderiam significar uma separação, como se os indígenas já não quisessem ser mexicanos. Mas os tempos avançaram e a própria Organização das Nações Unidas (ONU) já publicou uma série de documentos que facilitam a compreensão do que implica a autonomia solicitada por estes povos, que não rompe a unidade nacional, mas que reconhece a identidade própria dos povos indígenas”.
Informou que no Congresso de Chiapas “está sendo apresentada uma iniciativa para dar um pouco mais de força aos povos indígenas. Querem que eu opine a respeito. Não apenas por ocasião da visita do Papa, mas em si é um direito que está latente porque, por exemplo, em Chiapas ainda não se reconhecem os direitos dos povos às suas línguas, tradições, decisões, território, a ser consultados sobre projetos que lhes dizem respeito”.
Acrescentou: “Eu gostaria que por ocasião deste 20º aniversário e também pela visita do Papa pudesse haver um avanço mais notável em seus justos direitos”.
O secretário de Governo de Chiapas, Juan Carlos Gómez Aranda, que fazia parte da Comissão de Concórdia e Pacificação (Cocopa) quando os tratados foram assinados, afirmou que “seu cumprimento não saldaria apenas uma dívida histórica pendente com os povos indígenas, mas que seria um caminho adequado para soluções de conflitos atuais”.
Sustentou que “hoje mais do que nunca é necessário recuperar a agenda estabelecida pelos acordos de San Andrés para que as ações encaminhadas para combater a pobreza e os atrasos, possam gerar maiores benefícios para os povos indígenas, que esperam com impaciência soluções para os seus velhos e novos problemas”.
Acrescentou ainda: “Cumprir os acordos de San Andrés representaria honrar a palavra e o compromisso das partes, além de que seria uma forma de passar às ações: redobrar obras e ações como as que se estão impulsionando para resolver de vez as causas da pobreza e dos atrasos que afetam os povos e comunidades indígenas em nosso país”.
Destacou que os acordos “foram assinados e construídos por infinidade de atores sociais e políticos, e inclusive pelas instituições da República”, razão pela qual “o compromisso com os povos indígenas segue vigente”.
Após assinalar que o movimento zapatista de 1994 “colocou à vista uma realidade inegável: os povos indígenas do México são o setor mais vulnerável, com maior pobreza, atraso e marginalização”, acrescentou que “se deve reconhecer e valorizar novamente a contribuição dos povos originários para o desenvolvimento histórico e cultural de nosso país, como está fazendo o governador Manuel Velasco Coello”.
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México. O acordo assinado entre o ELZN e o governo é um exemplo de pacto social, constata bispo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU