Por: Jonas | 14 Fevereiro 2015
Diante da presença de apenas um acusado, Jorge Néstor Troccoli, ex-membro do Serviço de Inteligência da marinha uruguaia, a Justiça italiana deu início ontem, em Roma, ao primeiro julgamento contra a Operação Condor na Europa. Também são acusados, mesmo que ausentes e livres em seus respectivos países, 31 militares e civis do Uruguai, Chile, Bolívia e Peru, denunciados pelo desaparecimento ou assassinato de 43 pessoas (6 ítalo-argentinos, 4 ítalo-uruguaios e 20 uruguaios) durante as ditaduras militares que dominaram essas nações latino-americanas, nos anos 1970.
A reportagem é de Elena Llorente, publicada por Página/12, 13-02-2015. A tradução é do Cepat.
Presidida por Evelina Canale e com um jurado de 12 juízes populares, de acordo com a forma como funciona a Justiça italiana, a primeira audiência durou seis horas para resolver formalidades e rebater todas as objeções que os defensores dos acusados apresentaram. Também fixou a próxima audiência para dia 12 de março, e para o dia 13 uma nova audiência pelo caso do general boliviano Luis García Meza, envolvido na Operação Condor e detido em La Paz por ser acusado de assassinato e cumplicidade com o narcotráfico. Sobre o caso deste golpista, que entre outras coisas derrubou o governo democrático de Lidia Guelier, em 1980, a Justiça italiana não pôde decidir ainda se o incorpora ou não ao processo Condor.
“Após 40 anos dos fatos, este processo tem um valor moral e procura conhecer a verdade ou parte da verdade do que ocorreu na América Latina. Deve demonstrar o que ocorreu de modo autônomo, independente, imparcial”, disse à imprensa o promotor Giancarlo Capaldo, que começou a reunir provas há mais de 12 anos. Diante da falta de acusados argentinos neste processo - sendo que a ditadura argentina, como se sabe, fez parte da Operação Condor para a eliminação de opositores políticos junto às do Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile e Peru -, o promotor havia declarado anteriormente que se tratava de uma “escolha política” do governo argentino.
De sua parte, fontes da embaixada argentina reiteraram que o “governo argentino ao ter eliminado as leis de impunidade que existiam, garantiu que os julgamentos de crime contra a humanidade pudessem ser realizados de maneira absolutamente aberta. Os que iniciaram ações legais fora de seu país fazem isto porque possuem dificuldades para agir em sua própria nação”.
Apenas dois familiares estiveram presentes na audiência de ontem, ambas residentes na Itália, as uruguaias Cristina Mihura, viúva de Bernardo Armone, desaparecido em Buenos Aires, no ano de 1976; e Aurora Meloni, cujo marido, Daniel Banfi, foi sequestrado (e depois apareceu morto) por forças policiais uruguaias e argentinas, em Buenos Aires, no ano de 1974. “Estamos começando, após tantos anos de luta. Não será fácil, porque não é fácil provar coisas depois de tanto tempo. A maior parte das provas fomos nós, os familiares, que recolhemos, com muito pouca ajuda dos Estados, porque os arquivos estavam lacrados e por motivos diversos, e por pessoas que tiveram medo e que somente agora estão tomando jeito. Porém, manteremos a mesma tenacidade que tivemos até o momento”, disse Mihura ao jornal Página/12. E Meloni, de sua parte, comentou: “A emoção é forte e o agradecimento a quem permite que isto aconteça, também. Refiro-me ao Estado italiano, à promotoria, ao trabalho realizado pelo promotor Capaldo, ao de todos nós, familiares que representamos estas vítimas. Penso que está chegando ao mundo o que está acontecendo. O que espero disto? Espero respostas, notícias, informações que não tenho e, sobretudo, justiça”.
As primeiras 10 ou 15 filas de mesas da sala de audiências judiciais da Prisão de Rebibbia (conhecida como “o bunker”, porque aí são feitos julgamentos penais perigosos) foram ocupadas por um numeroso grupo de advogados, muitos de ofício, que defenderam acusados e familiares. Não apenas os familiares se constituíram como partes demandantes, mas também o governo do Uruguai, as Avós da Praça de Maio e duas associações de familiares, uma do Chile e a outra da Bolívia. “A presença das Avós da Praça de Maio será um suporte importante neste processo - disse ao jornal Página/12 a advogada que as defende, Simona Filippi -. Porque os casos mais atrozes, no meu modo de ver, são os dessas mulheres grávidas que não só foram torturadas e depois assassinadas, mas também lhes foram retiradas seus filhos pequenos. Estela Carlotto estará entre as testemunhas do processo”. As testemunhas são 149, de diferentes países, e dentro de alguns dias se conhecerá o calendário para essas presenças.
Para Giancarlo Maniga, um dos advogados que há anos defende os latino-americanos em matéria de direitos humanos, “mesmo que tenha passado muito tempo, desde que foram apresentadas as primeiras denúncias, por sorte estamos começando. Lamentavelmente, vários dos acusados morreram. Porém, o que conta é chegar a uma conclusão, espero, de condenação”. E acrescentou: “Estes processo possuem três pontos relevantes: fazer justiça, que é a nossa obrigação, manter a memória e contribuir para que nos países onde estes fatos aconteceram amadureça uma Justiça verdadeira, como um passo importante da democracia”.
Vestido de marrom e cabisbaixo quase o tempo todo, Troccoli estava sentado ao lado de seus defensores. Contudo, não quis fazer declarações, indicando seu advogado, Francesco Saverio Guzzo, para que falasse. “Troccoli jamais teve um papel determinante nas coisas pelas quais é acusado, e isto será demonstrado durante o processo - disse -. Não se pode negar que fez parte de uma organização militar. Entretanto, desde 1996 tomou distância de seus velhos conhecidos, reiterando sua total não responsabilidade nos fatos que lhe são atribuídos. Além disso, é preciso relembrar que Troccoli chegou à Itália em 2007, foi preso por alguns meses e, depois, a Justiça o deixou em liberdade. E isto é um bom ponto de partida para ele”.
As embaixadas do Chile, Uruguai, Peru e Bolívia enviaram seus representantes à audiência. O embaixador boliviano, Antolín Gómez, o único embaixador presente, disse ao jornal Página/12 que seu governo está disposto a colaborar com as autoridades italianas, “apesar do fato das pessoas acusadas já estarem na prisão e condenadas. No entanto, estamos aqui porque não é importante só para nosso governo, mas também para as famílias atingidas”.
Entre os acusados estão os uruguaios Juan Carlos Blanco (ex-ministro do Exterior do governo de fato 1973-76); o general Iván Paulós, chefe do Serviço de Informações da Defesa (SID), e o coronel Pedro Antonio Mato Narbondo, acusado de ter sido um dos organizadores da repressão e das torturas no centro de detenção clandestina de Buenos Aires, conhecido como Automotores Orletti. Também os chilenos Sergio Arellano Stark, famoso por ter dirigido a Caravana da Morte que foi assassinando presos políticos por todo o país; Manuel Contreras, que dirigia a DINA, o serviço da ditadura de Augusto Pinochet; e Daniel Aguirre Mora, dirigente do terrível CNI (Centro Nacional de Inteligência). Entre os peruanos se destaca a figura do general Francisco Morales Bermúdez, presidente do Peru de 1975 a 1980; o chefe do Serviço de Inteligência do Exército (SIE) Martín Martínez Garay e o general e ex-primeiro-ministro Pedro Richter Prada.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Itália julga os repressores da Operação Condor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU