12 Dezembro 2025
O Congresso Nacional de Honduras recusou-se a validar os resultados das eleições presidenciais realizadas em 30 de novembro no país e denunciou um golpe eleitoral em curso devido à interferência externa, embora os resultados oficiais das eleições ainda não tenham sido divulgados.
A reportagem é publicada por Página|12, 12-12-2025.
“Denunciamos a existência de um golpe eleitoral em curso, materializado por meio de ações coordenadas que afetaram gravemente a integridade, a transparência e a legitimidade do processo eleitoral realizado no país”, afirmou a Comissão Permanente do Congresso Nacional de Honduras em comunicado.
Assim, a Comissão expressou sua total rejeição à interferência dos EUA no processo eleitoral, após o presidente americano Donald Trump ter demonstrado apoio ao candidato de extrema-direita, Nasry Asfura, que lidera com menos de um ponto percentual de vantagem sobre o candidato conservador, Santiago Nasralla. “Condenamos veementemente a interferência do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que, por meio de declarações públicas feitas 72 horas antes das eleições, ameaçou e coagiu cidadãos hondurenhos, interrompendo o livre exercício do direito ao voto ”, dizia o comunicado.
O documento da Comissão Permanente do Parlamento alertava que o Congresso Nacional não validaria um processo “contaminado por pressões internas de estruturas do crime organizado ligadas ao narcotráfico e a gangues, como a MS-13 salvadorenha”, criticando também o Sistema de Transmissão de Resultados Eleitorais Preliminares (TREP). “Ele não funcionou como estabelecido, o que coincide com as gravações de áudio apresentadas como prova na denúncia que está sendo processada pelo Ministério Público”, afirmaram os representantes. “Um povo submetido a ameaças não pode votar livremente, portanto, eleições realizadas nessas condições carecem de plena validade democrática e legal”, concluíram.
Palavras de Xiomara Castro
Diante da demora na apuração dos votos, a presidente hondurenha Xiomara Castro anunciou que denunciará o golpe eleitoral nas Nações Unidas, na União Europeia (UE), na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e na Organização dos Estados Americanos (OEA). Ela afirmou que as manobras irregulares realizadas no sistema eleitoral local "desencadearam uma fraude colossal" e culpou a interferência do governo dos EUA.
“O povo foi às urnas e participou com bravura e decisão, mas vivenciamos um processo marcado por ameaças, coerção, manipulação do TREP (sistema de apuração preliminar) e adulteração da vontade popular”, declarou a presidente em pronunciamento público citado pelo canal de notícias Telesur. “O povo jamais deve aceitar eleições com interferência e chantagem”, enfatizou.
Nesse contexto de incerteza quanto ao resultado e à consequente direção do país, apoiadores do partido governista se mobilizaram na quarta-feira em várias partes do país, queimando pneus e gritando "Não à fraude" nas eleições gerais.
O pedido da União Europeia e da OEA
Entretanto, a Missão de Observação Eleitoral da União Europeia (MOE-UE) apelou aos atores políticos para que respeitem a vontade do povo hondurenho nas eleições e incentivou as diversas forças políticas do país a utilizarem todos os mecanismos de rastreabilidade oferecidos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) e os recursos legais disponíveis para resolver quaisquer contestações aos resultados eleitorais. A delegação europeia, que se encontra no país com 138 observadores desde 11 de outubro, solicitou ainda que os membros do CNE e do Tribunal Eleitoral atuem com imparcialidade e de forma exemplar, evitando obstruções ou atrasos com motivação política.
Da mesma forma, a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (MOE/OEA) instou os partidos, os candidatos e as autoridades a aguardarem os resultados oficiais e a manterem uma supervisão ativa da contagem de votos em curso, para garantir que as etapas finais do processo sejam conduzidas de acordo com a lei e reflitam a vontade popular.
A OEA enfatizou a necessidade de máxima transparência, instou o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) a acelerar a apuração dos votos e reiterou que continuará monitorando o processo em conformidade com o Capítulo V da Carta Democrática Interamericana. Além disso, ressaltou a importância da proteção do material eleitoral pelas forças de segurança e alertou contra quaisquer incitações à perturbação da ordem pública durante a contagem dos votos.
A contagem de votos
Mais de uma semana após as eleições, o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) ainda não divulgou os resultados finais, que é legalmente obrigado a publicar em até 30 dias após a votação. A incerteza decorre do fato de que 2.773 atas de apuração com inconsistências ainda estão pendentes e serão submetidas a uma recontagem especial. Essa recontagem, que pode representar mais de 500 mil votos, poderá começar já no próximo fim de semana, segundo fontes não oficiais, e completará um processo eleitoral marcado por falhas recorrentes no sistema automatizado de contagem e transmissão de dados.
A última contagem oficial, com 99,40% das urnas apuradas, dá a liderança a Nasry “Tito” Asfura, candidato do Partido Nacional (conservador) e apoiador de Trump, com 1.298.835 votos (40,52%), contra 1.256.428 votos (39,48%) de Salvador Nasralla, do Partido Liberal (liberal). Rixi Moncada, candidata do partido governista Liberdade e Refundação (Libre, de esquerda), permanece em terceiro lugar com 618.448 votos (19,29%).
Salvador Nasralla afirmou que seu partido venceu as eleições por ampla margem e reiterou seu pedido de recontagem. "É por isso que todos estão pedindo recontagem, porque o Partido Liberal de Honduras venceu as eleições por ampla margem", enfatizou. O político conservador denunciou falhas no sistema de Transmissão Preliminar dos Resultados Eleitorais (TREP), que, segundo ele, alteraram a contagem de votos.
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