05 Dezembro 2025
A redescoberta em curso da obra da pensadora alemã inclui novos livros que reafirmam sua relevância no 50º aniversário de sua morte.
O artigo é de Andrea Aguilar, jornalista, publicado por El País, 04-12-2025.
Eis o artigo.
Nesta quinta-feira, completam-se cinquenta anos desde 4 de dezembro de 1975, quando a pensadora política Hannah Arendt convidou alguns amigos de longa data para jantar em seu apartamento no número 370 da Riverside Drive, no Upper West Side de Manhattan, e sofreu um segundo ataque cardíaco fatal. Brilhante, heterodoxa e radicalmente comprometida em manter seu pensamento livre de amarras ideológicas, a autora de "As Origens do Totalitarismo", "A Condição Humana" e do controverso "Eichmann em Jerusalém" faleceu aos 69 anos. Em seu funeral, alguns dias depois, seu amigo íntimo e de longa data, Hans Jonas, recordou: "As coisas pareciam diferentes depois que ela as observava". Essa perspectiva lúcida e corajosa perdura: 50 anos após sua morte, a obra e o legado de Arendt estão vivenciando um ressurgimento nas livrarias.
Nove títulos de e sobre Arendt foram publicados em 2025, somando-se aos inúmeros lançamentos do ano passado. O selo Página Indómita relançou Sobre a Natureza do Totalitarismo; Sobre a Desobediência Civil; O Que é Autoridade?; e A Essência do Totalitarismo: Sobre Hannah Arendt, de Raymond Aron. A Altamarea publicou O Que é Liberdade? e Nós, Refugiados. A Herder publicou Hannah Arendt, uma Carta de Lembrança para Amigos, de Olga Amarís, e Uma Herança Sem Testamento, Hannah Arendt, de Fina Birulés, que também é autora de Hannah Arendt, O Mundo em Jogo, publicado pela Katz. Também constam na lista a biografia de Samantha Rose Hill, publicada pela Báltica, o ensaio de Máriam Martínez-Bascuñán, O Fim do Mundo Comum, Hannah Arendt e a Pós-Verdade (Taurus), e o texto de Arendt sobre Walter Benjamin, publicado pela Flaneur.
“Arendt parece ser, hoje em dia, uma guia para muitos”, observa Thomas Meyer, autor da recém-publicada Hannah Arendt: Uma Biografia Intelectual (Anagrama) e editor e autor do prólogo de Sobre a Palestina (Taurus), um volume que reúne um ensaio escrito pela pensadora em 1944 e o relatório coletivo de 1958 sobre refugiados palestinos do Instituto para Assuntos do Mediterrâneo, do qual ela participou.
“A guerra na Ucrânia, a catástrofe em Gaza, a manipulação da esfera pública por tecnocratas — diante de todas essas crises, a obra de Arendt nos desafia e nos faz questionar se estamos cumprindo nosso dever como intelectuais públicos. Ela se manteve firme no limiar entre o ativismo político e o compromisso com a independência intelectual. E queria encontrar soluções; recusou-se a resignar-se, como demonstra seu envolvimento no trabalho com refugiados”, destaca Meyer. O professor da Universidade de Munique enfatiza como a pensadora se distanciou do mundo estéril dos intelectuais que assinavam cartas abertas ou se isolavam em suas salas de aula, recusando-se a participar de debates televisionados ou a se juntar ao círculo de escritores engajados no estilo de Sartre e Beauvoir. “Arendt enfrentou bravamente os desafios de seu tempo em sua obra e em sua vida. Em meu livro, quis recuperar os fatos históricos que cercam sua trajetória para reconstruir o que a motivou a escrever como escreveu”, explica ele. Meyer insiste que o pensamento multifacetado e atento de Arendt, abrangendo uma ampla gama de questões, torna impossível vê-la como um "todo coerente" ou uma figura monolítica. "Muitas vezes, hoje em dia, os aspectos mais duros e desafiadores de Arendt são negligenciados." E de todas as facetas possíveis de Arendt, ele se sente atraído pela pensadora ferozmente independente que escreveu "A Condição Humana", que "assume riscos e se lança no mundo".
Arendt não acreditava em repetir o passado; alguns fragmentos poderiam ajudar a iluminar novas situações, mas ela não achava que a mesma estrutura pudesse esclarecer problemas diferentes. Em vez disso, defendia o pensamento inextricavelmente ligado à experiência. Compreender a vida era a pedra angular de suas análises, não a sede de acumular conhecimento e sabedoria. "A questão é como evitar, a todo custo, ser arrastado pela correnteza", escreveu ela em seu diário, em uma citação destacada por Samantha Rose Hill em sua biografia.
Arendt era mais bem compreendida em sua época do que hoje? “Ela escrevia para uma classe média intelectual, rejeitava o puramente acadêmico e, além disso, havia poucas mulheres e ela tinha poucos modelos a seguir. Ela trilhou seu próprio caminho, desiludida com Heidegger desde a década de 1930, incapaz de concordar com o sionismo. Arendt defendeu a objetificação da própria experiência para alcançar uma posição moral”, reflete Meyer, acrescentando, em referência às críticas feministas que ela recebeu e que ele aborda em seu livro, que a pensadora é “um produto de seu tempo e, portanto, também tem limitações”.
“Sua capacidade de olhar além das convenções de seu tempo e moldar um pensamento completamente novo é o que a torna uma guia insubstituível”, escreve Máriam Martínez-Bascuñán em seu ensaio, no qual ela conecta as reflexões de Arendt com o presente.
Para Wolfram Eilenberger, autor de "O Fogo da Liberdade: O Refúgio da Filosofia em Tempos Sombrios 1933-1943", livro que apresenta Arendt ao lado de Simone de Beauvoir, Simone Weil e Ayn Rand, a pensadora alemã personificou a filosofia e as vicissitudes do século XX em sua própria vida. “Sua vida parece um romance. Nascida na terra natal de Kant, ela viveu em Berlim, Freiburg e Marburg, onde teve uma relação intensa com Heidegger. Em Paris, forjou uma amizade próxima com Walter Benjamin e acabou em Nova York, destino que compartilhou com muitos judeus alemães. Ela era uma excelente escritora, autora de crônicas, poemas e ensaios, e não se limitava ao mundo acadêmico ou a qualquer escola de pensamento específica. Ela abordou temas como trabalho, mal, amor e identidade de uma maneira esclarecedora e contemporânea”, explica Eilenberger. “Talvez uma das coisas mais importantes para a sobrevivência da obra de um pensador seja que ela não possa ser politicamente categorizada, e isso certamente se aplica ao caso de Arendt. Ela foi incrivelmente corajosa, e isso é algo grandioso na filosofia.” Ele adverte, contudo, que a obra de Arendt não é complacente, mas sim provocativa, e celebra o fato de sua figura e suas ideias estarem agora em destaque, após muitos anos em que a academia alemã pareceu não levá-la a sério. “Ela é uma grande pensadora que defendeu corajosamente o pluralismo.”
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