02 Dezembro 2025
“Nada assusta mais um charlatão do que ser considerado trouxa. Este é um dos temas dominantes na carreira de Trump: a ideia de que outros países estão se aproveitando dos Estados Unidos, que estrangeiros estão zombando dos estadunidenses. Parece estar projetando suas próprias ansiedades sobre o país”, escreve Ian Buruma, historiador, professor de democracia, direitos humanos e jornalismo no Bard College, em artigo publicado por Clarín-Revista Ñ, 26-11-2025. A tradução é do Cepat.
Eis o artigo.
Uma fotografia do presidente Donald Trump na Casa Branca, exibindo orgulhosamente sua coleção de bonés MAGA (“Make America Great Again”) aos líderes europeus que se reuniram às pressas para as negociações de paz sobre a Ucrânia, levantou, mais uma vez, a questão do que motiva esse homem tão peculiar. Ao contrário de seus cartazes de campanha e retrato oficial, que mostram um homem forte, com uma expressão à la Churchill, essa imagem sugere um estereótipo diferente e muito estadunidense: o empresário extravagante que se gaba de sua riqueza e mostra fotos de seus filhos a desconhecidos.
Os críticos de Trump frequentemente afirmam que ele personifica os piores aspectos da cultura estadunidense: a ostentação vulgar, o amor à violência, a ignorância petulante, a fanfarrice – “o melhor, o maior, o espetáculo mais bonito da Terra!!!”
Algo disso existe. Contudo, por trás da teatralidade de Trump, escondem-se forças mais obscuras.
O homem não é ideológico. Apesar de seus preconceitos, não é movido por convicções políticas firmes. Ideias e crenças são uma forma de obter poder e, quando deixam de ser úteis, podem ser descartadas. Enxergar Trump como um fascista é imaginar uma coerência política que simplesmente não existe.
Em alguns aspectos, o governo Trump se assemelha a uma operação mafiosa. Forçar escritórios de advocacia e universidades de elite a entregar grandes somas de dinheiro para evitar problemas é uma extorsão clássica. Mas, ao contrário de Trump, a maioria dos mafiosos tende a ficar nos bastidores e evitar os holofotes. Seu negócio consiste em explorar e corromper as instituições existentes, não derrubá-las.
O estereótipo estadunidense ao qual Trump mais se assemelha é o do charlatão, do vendedor ambulante, do exibicionista de terno chamativo que sabe como manipular e enganar os incautos. Conforme se costuma atribuir a P.T. Barnum, empresário, político, vigarista e fundador do famoso Circo Barnum & Bailey do século XIX, “a cada minuto, nasce um trouxa”.
Nessa perspectiva, o mundo está cheio de perdedores ingênuos que se deixam enganar por promessas de dinheiro fácil, fama instantânea ou um futuro promissor. Nada assusta mais um charlatão do que ser considerado trouxa. Este é um dos temas dominantes na carreira de Trump: a ideia de que outros países estão se aproveitando dos Estados Unidos, que estrangeiros estão zombando dos estadunidenses. Parece estar projetando suas próprias ansiedades sobre o país.
Existe um vínculo entre essa atitude e o Sonho Americano. O fato de o sucesso, a fama e a riqueza seguirem fora do alcance da maioria dos estadunidenses não torna a perspectiva de obtê-los menos potente. A promessa de que qualquer um pode “vencer na vida” nos Estados Unidos gerou muita energia positiva – assim como negativa. A crença correlata de que dinheiro suficiente pode resolver qualquer problema alimentou o otimismo estadunidense, bem como um profundo cinismo: todo mundo tem seu preço.
Esse espírito não admite um senso de tragédia, muito menos de ironia. O fatalismo é para os países cansados do mundo, de onde as pessoas fogem em busca de fortuna nos Estados Unidos.
Mas o cinismo, e especialmente a convicção dos charlatães de que todos somos movidos pela ganância material, tem um outro lado: uma ingenuidade perigosa. Algumas pessoas não se deixam influenciar por promessas de riqueza e fama. É possível resistir a tais tentações pelas melhores razões morais, mas também pelas piores. Afinal, pessoas que cometem o mal, muitas vezes, agem por convicção profunda, impulsionadas pelo zelo religioso ou político.
O presidente russo Vladimir Putin pode ter ficado lisonjeado com os elogios de Trump na cúpula do Alasca: do tapete vermelho e o passeio na limusine presidencial aos sorrisos calorosos e as promessas de um “grande acordo”. No entanto, é quase certo que nada disso calou fundo em um homem cuja riqueza eclipsa a de Trump, e cujo objetivo de recriar a Rússia imperial não pode ser alcançado por meio de concessões.
Ao contrário de Trump, Putin tem plena consciência da história. Quer ser um grande líder russo, seguindo os passos de Josef Stalin e Pedro, o Grande. A ideia de Putin de restaurar a grandeza russa não é apenas um slogan em um boné de beisebol, mas um plano real para expandir seu território e aumentar sua influência, não importa quantas vidas sejam perdidas.
O erro de Trump é presumir que ele e Putin são almas gêmeas, inclusive, amigos. Não consegue enxergar que Putin não é um charlatão. Na reunião subsequente com líderes europeus na Casa Branca, um microfone aberto captou Trump sussurrando ao presidente francês, Emmanuel Macron, que Putin “quer fazer um acordo para mim. Você entende isso? Por mais louco que pareça”. Isto mostrou que Trump é um verdadeiro ingênuo. É um charlatão que acredita em suas próprias mentiras, como o homem que se vangloria exibindo seus bonés MAGA. Isso o torna um trouxa, e Putin, consciente disto, tem se aproveitado.
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