"O Evangelho segundo Mateus 24,37-44, está inserido no chamado discurso escatológico, quando apresenta a vinda do Senhor no fim dos tempos, próprio desse tempo litúrgico. A linguagem apocalíptica retrata o período de perseguição e de conflitos internos e externos, após a guerra judaica, a destruição de Jerusalém e do Templo, vivido pelas comunidades mateanas. Sua temática central é a confiança na presença de Deus e a imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem."
A reflexão é de Zuleica Aparecida Silvano, fsp, religiosa da Congregação das Irmãs Paulinas. Ela possui licenciatura em Filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS (1999), graduação em Teologia pelo Instituto Santo Inácio - ISI (2001), em Belo Horizonte, mestrado em Ciências Bíblicas pelo Pontifício Instituto Bíblico - PIB (2009) de Roma e doutorado em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia - FAJE (2018), em Belo Horizonte. Pertence aos Grupos de Pesquisa: A Bíblia em Leitura Cristã (FAJE) e Bíblia e Interpretação: linguagens da Escritura (PUC-MG). É assessora no Serviço de Animação Bíblica (SAB/ Paulinas) em São Paulo.
1ª Leitura: Is 2,1-5
Salmo: Sl 121(122),1-2.4-5.6-7.8-9 (R. cf. 1)
2ª leitura: Rm 13,11-14a
Evangelho: Mt 24,37-44
Celebramos o primeiro domingo do Advento, que tem como destaque o profeta Isaías, que anuncia a peregrinação de todas as nações para Sião para serem conduzidas por Deus pelo caminho da justiça e da paz. O Evangelho nos apresenta a imprevisibilidade da vinda de Jesus e da salvação definitiva. Por isso, Paulo nos convida a estarmos em vigilância, como sentinelas, despojando-nos de tudo que nos afasta de Deus e sermos verdadeiramente pessoas que irradiam a Luz.
O Evangelho segundo Mateus 24,37-44, está inserido no chamado discurso escatológico, quando apresenta a vinda do Senhor no fim dos tempos, próprio desse tempo litúrgico. A linguagem apocalíptica retrata o período de perseguição e de conflitos internos e externos, após a guerra judaica, a destruição de Jerusalém e do Templo, vivido pelas comunidades mateanas. Sua temática central é a confiança na presença de Deus e a imprevisibilidade da vinda do Filho do Homem.
Para reforçar essas temáticas traz como exemplo o tempo de Noé, dado que ninguém esperava pelo dilúvio, somente o justo Noé (Gn 6,9; 7,1), que depositou sua confiança nas palavras de Deus. O tempo de Noé também serve para ressaltar a vigilância, pois não sabemos quando será o dia ou a hora do final dos tempos. Essa data está nas mãos do Pai, porém temos a certeza de que Ele virá. Essa insistência na vigilância e na imprevisibilidade não são somente iluminadas por textos bíblicos, mas pela experiência cotidiana, retratada na imagem do dono da casa que protege sua família e do ladrão que vem para invadi-la (vv. 43-44). Provavelmente, a intenção desses discursos é a de ajudar as comunidades cristãs a avaliar a realidade de conflitos que estão vivendo, animá-las para não desistirem do projeto de Deus e continuarem testemunhando a opção pelo Reino dos Céus. Portanto, objetiva sustentar a esperança cristã, alimentar a fé na vinda definitiva do “Filho do Homem”. Para isso, é necessário um constante discernimento, a conversão do coração e o compromisso - em tornar o Reinado de Deus visível nas relações cotidianas e na sociedade.
Nesse sentido, o Evangelho está em sintonia com a primeira leitura, de Is 2,1-5. Essa profecia, também, foi escrita num período de crise política, econômica e social em Judá, gerada pela proliferação da injustiça, pela desonestidade de suas lideranças, pela opressão por meio dos impostos, da exploração do trabalho, pelo culto desvinculado da vida e pelas alianças realizadas com as outras nações, que não tinham como finalidade preservar a vidas das pessoas. Diante dessa realidade, o profeta anuncia um tempo favorável, no qual todos os povos peregrinarão ao monte Sião, guiados por Deus pelos caminhos da justiça, no qual prevalecerá a paz, quando todas as relações serão transformadas e reinará uma vida digna para todos.
Essa mudança nas relações será fortalecida na segunda leitura extraída de Rm 13,11-14a, quando o autor ressalta a seriedade do tempo messiânico, que as pessoas batizadas vivem, pois o tempo favorável prometido não virá somente no futuro, mas já chegou com a vinda do Messias Jesus. Por isso são convocadas a serem filhas e filhos da luz por meio de uma humanização das relações consigo, com as outras pessoas e com Deus.
Ao iniciar um novo ano litúrgico, somos interpeladas e interpelados à vigilância e nos perguntar:
- O que significa ser desarmada e desarmado em nosso contexto tão marcado pela violência, na qual a falta de gentileza e de paz imperam? Infelizmente, percebemos essa violência nas ruas, nos hospitais, nas escolas, na sociedade, nas famílias, nos relacionamentos em vários contextos, marcada pelo preconceito, pelo ódio.
- Diante dessa realidade, o que significa testemunhar a luz, que vem de Cristo, em nossas comunidades?
- O que nos caracteriza como pessoas batizadas?
- Como estamos começando esse novo tempo litúrgico, do advento, o que move nosso ser, em qual aspectos somos chamadas e chamados a nosso converter?
- O que essas leituras podem nos ajudar sobre a sinodalidade como conversão dos processos, dos vínculos e das relações?
- O que é ser sentinela da esperança, vigilantes, pessoas que escutam e discernem, nesse tempo de travessia, de crise, de busca de sentido?
Enfim, como essas leituras nos interpelam?
Desejo a todas e todos um lindo e profundo início de Advento.