“Nós, teólogas e feministas, prontas para dissipar preconceitos”

Foto: Dmytro Pankratov/Unplash

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25 Novembro 2025

Há algum tempo, o sagrado tem se tornado cada vez mais assunto de mulheres. As teólogas estão ganhando espaço no debate sobre religiões, deslocando o eixo e desconstruindo muitos estereótipos. O fato de um festival como A Herança das Mulheres coloque no centro uma discussão sobre essas questões entre diferentes tradições religiosas é, portanto, um excelente sinal dos tempos. O interessante é essa nova onda de teologia feminista imparável que pega os Evangelhos e os relê, pega o Alcorão e o apresenta sob uma nova perspectiva. Quase sempre, o ponto de partida é a escuta dos textos. A leitura faz a diferença.

A reportagem é de Raffaella De Santis, publicada por La Repubblica, 23-11-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

As três teólogas envolvidas são: Mpho Tutu van Furth, sul-africana, sacerdotisa episcopal, filha de Desmond Tutu; Simona Segoloni Ruta, feminista católica e professora do Instituto Teológico João Paulo II em Roma, e Shahrzad Houshmand Zadeh, teóloga muçulmana que atualmente leciona Estudos Islâmicos em Nápoles e San Marino e língua e literatura persas na Universidade La Sapienza de Roma. Elas se encontraram no último domingo em Florença no debate "O sagrado que nos pertence” focado na ideia de inclusão e liberdade espiritual, buscando um terreno comum onde o diálogo se torna gesto de abertura e reconhecimento mútuo. O encontro foi moderado por Lucetta Scaraffia.

Reunimos as três teólogas numa conversa no Zoom para entender a forma que o feminismo assume quando se trata de religiões. São aberturas importantes porque até mesmo os absolutos estão abertos à interpretação. A figura de Maria é o símbolo desse novo caminho. Maria, a mulher que engravida antes do casamento, a mãe em quem Cristo se encarna, a mulher que também desempenha um papel central no Alcorão.

Segoloni Ruta: "A encarnação no cristianismo teve uma necessidade absoluta de uma figura feminina, de um útero para acolher o Verbo, de uma mulher que lhe permitisse aparecer no mundo." Mas reduzir Maria de Nazaré a um mero papel materno é um erro contra o qual os próprios textos sagrados desaconselham: "No Evangelho de Lucas", continua Segoloni Ruta, "quando Jesus ouve 'bendito o ventre que te gerou e te amamentou', algo significativo acontece. Jesus muda o eixo da bem-aventurança e diz: bem-aventurados aqueles que creem".

Parece pouco, mas não é. O que importa é crer, e as mulheres não são significativas apenas por serem mães. Que Maria é uma figura de suprema sabedoria, mesmo no Alcorão, é confirmado por Houshmand Zadeh: "O último versículo do capítulo 66 apresenta Maria precisamente como um ícone e um modelo a seguir. Para mim, ela é uma figura feminina que realizou plenamente em si mesma o plano da Vida de Deus — com V maiúsculo. E isso se traduz em acolhimento, abraço, inclusão".

Mas o que aconteceu ao longo dos séculos? Por que as mulheres foram marginalizadas de papéis importantes nas várias igrejas, ou até mesmo acabaram na fogueira como bruxas por terem lido a palavra de Deus de maneira diferente? Porque suas raízes foram desconsideradas.

No mundo islâmico, explica Houshmand Zadeh, existe uma mulher muito importante: Khadija, que se tornou esposa do profeta, "a primeira a acreditar na palavra de Maomé quando ele havia perdido a fé". Também é importante o aspecto demográfico: quando se encontram, Khadija é uma viúva de quarenta anos, enquanto o profeta tem 25. O que aconteceu ao longo do tempo para que tudo isso fosse esquecido?

Segoloni Ruta intervém: "Não podemos esquecer que Jesus tinha como seguidores tanto homens quanto mulheres e tinha as mulheres em altíssima consideração". Afinal, até mesmo a ressurreição foi anunciada por uma mulher, Maria Madalena. Todas essas coisas ao longo dos séculos foram canalizadas, normalizadas e dobradas pelas dinâmicas de poder dentro da sociedade e das respectivas igrejas.

Mpho Tutu van Furth tem uma história emblemática. Sacerdotisa anglicana sul-africana, ela teve que se mudar para Amsterdã porque a igreja sul-africana não lhe permitiu exercer seu ministério sacerdotal depois de se casar com uma mulher, Marceline van Furth. Ela sorri e conta sua história de ativista pragmática que rejeita o papel de vítima: "Eu era casada com um homem, tinha dois filhos e, um dia, me apaixonei por uma mulher". Ela relata como o exemplo de seu pai, o arcebispo antiapartheid Desmond Tutu, os ensinamentos recebidos e o papel da mãe na família a ajudaram a se sentir livre: "Meus pais tinham um profundo respeito mútuo; o relacionamento deles nunca foi hierárquico". A frase do pai Desmond Tutu que ela gosta de recordar é: "Eu jamais iria para um paraíso homofóbico".

O futuro? "Uma leitura cada vez mais libertadora dos textos sagrados", diz Segoloni Ruta. Algumas passagens do Novo Testamento, assim como do Antigo, refletem interpretações patriarcais. O exemplo é a famosa passagem sobre a submissão das esposas aos maridos. Segoloni Ruta explica que a interpretação correta é "submissão mútua": não se trata de um discurso de prevaricação, portanto, mas de respeito mútuo.

E acrescenta: "A própria masculinidade que Cristo encarna está fora dos cânones. Além disso, Jesus escolheu não se casar, colocando-se fora da estrutura familiar tradicional."

O ativismo das teólogas contemporâneas já não pode mais ser sustado e, com razão, exige posições de liderança para as mulheres na Igreja. Houshmand Zadeh também observa que o feminismo no Islã tem mais de cem anos e está difundido em países islâmicos como Egito, Tunísia, Irã e Marrocos. Ela cita Nosrat Amin, a grande teóloga conhecida como Lady Amin, autora de 15 livros de comentários sobre o Alcorão. E, em relação ao tratamento injusto dado às mulheres em certos países muçulmanos, explica que a injustiça é principalmente social e que a religião está sujeita a interpretações equivocadas: "No Afeganistão, as mulheres são proibidas de estudar, enquanto Maomé escolheu sua filha Fátima como herdeira da tradição profética. Algo não fecha."

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