11 Novembro 2025
O Brasil, país anfitrião, critica duramente a desinformação e elogia o ímpeto da China, enquanto Trump vira as costas para a COP no décimo aniversário do Acordo de Paris.
A reportagem é de Manuel Planelles e Naiara Galarraga Gortázar, publicada por El País, 10-11-2025.
A COP30, a cúpula anual do clima realizada na cidade amazônica de Belém, no Brasil, teve início oficialmente nesta segunda-feira, após uma reunião preliminar com dezenas de primeiros-ministros e presidentes na quinta e sexta-feira. O encontro, no qual governos de quase todos os países tentarão chegar a um consenso sobre uma abordagem comum para enfrentar a crise climática durante duas semanas, começou com temperaturas de 29 graus Celsius e 73% de umidade, em meio a um complexo clima político internacional que também interfere na luta contra o aquecimento global. Os Estados Unidos, segundo maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, ainda não enviaram delegação, em virtude da ofensiva do presidente Trump contra a agenda climática. A presidência brasileira da COP30 elogiou o papel da China, com sua tecnologia acessível, na promoção da transição energética em países em desenvolvimento.
“Chegou a hora de infligir mais uma derrota aos negacionistas”, declarou o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva na abertura da conferência. Em seu discurso, Lula alertou contra a desinformação e os algoritmos que atacam a ciência.
“O trabalho de vocês aqui não é lutar uns contra os outros, mas lutar juntos contra esta crise climática”, lembrou Simon Stiell, secretário-executivo da ONU para mudanças climáticas, aos negociadores na cerimônia de abertura. “O multilateralismo é definitivamente o caminho a seguir”, acrescentou André Correa do Lago, o diplomata brasileiro que preside a COP30. “A urgência é o elemento definidor desta missão”, enfatizou Correa do Lago, referindo-se à luta contra o aquecimento global após mencionar o tornado no Brasil, o tufão nas Filipinas no último fim de semana e o recente furacão na Jamaica.
Lula também se referiu a esses desastres alimentados pelas mudanças climáticas, traçando um paralelo entre os desafios logísticos de sediar a cúpula na Amazônia e o combate à emergência climática. “Teria sido mais fácil realizá-la em uma cidade sem problemas. Mas decidimos provar que, quando há vontade política e compromisso com a verdade, nada é impossível.” Ele acrescentou: “Para aqueles que fazem guerra, digo que é muito mais barato destinar 1,3 trilhão para acabar com o problema climático do que 2,7 trilhões para guerras, como fizeram no ano passado.”
A reunião de Belém é a trigésima realizada desde que a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima foi acordada em uma cúpula no Rio de Janeiro em 1992. Este tratado tem guiado a luta internacional contra a mudança climática sob os auspícios da ONU nas últimas três décadas. Como resultado dessa estrutura, o Acordo de Paris, o pacto climático mais ambicioso implementado até hoje, nasceu em dezembro de 2015 e celebra seu décimo aniversário este ano.
As previsões do governo brasileiro antes do início da cúpula apontavam para a participação de cerca de 170 países nas negociações. Embora os EUA tenham informado à ONU, há alguns dias, que não enviariam uma delegação a Belém, esta poderia chegar a qualquer momento, já que o país permanece membro da Convenção-Quadro, mesmo após a saída de Trump do Acordo de Paris. A participação dos EUA em recentes cúpulas ambientais no âmbito da ONU tem dificultado o progresso de tratados internacionais: em outubro, o país ameaçou impor tarifas e sanções a nações que apoiassem a taxação das emissões de dióxido de carbono do setor marítimo internacional. Em agosto, contribuiu ativamente para o fracasso das negociações sobre um tratado para restringir a produção de plástico e reduzir essa poluição. E, há alguns dias, o governo americano solicitou à ONU que declarasse, por escrito, sua rejeição à luta contra as mudanças climáticas no relatório que analisa os planos de redução de emissões dos países.
Esses ataques da administração Trump são agravados na UE por uma onda de retrocessos nas políticas climáticas e ambientais e pela ascensão da negação das mudanças climáticas pela extrema-direita nos governos de muitos países. É nesse contexto que ocorrerá uma cúpula climática que, ao contrário de outras cúpulas recentes, carece de um foco claro, além do fato de estar sendo realizada na Amazônia, um dos principais sumidouros de carbono do planeta , que também está ameaçada pelo aquecimento global.
A cúpula do ano passado em Baku, no Azerbaijão, focou no financiamento que os países mais ricos devem fornecer àqueles com menos recursos para combater e se adaptar às mudanças climáticas. E a cúpula de Dubai de 2023, pela primeira vez nessas três décadas de negociações, identificou explicitamente os principais culpados por essa crise — os combustíveis fósseis — e defendeu sua eliminação gradual.
A reunião em Belém, no entanto, será dominada pelo descumprimento de uma das obrigações do Acordo de Paris. Os quase 200 países signatários deste tratado devem apresentar periodicamente seus planos de redução de emissões (conhecidos pela sigla NDC), nos quais estabelecem metas específicas para si mesmos. Esses compromissos devem levar a um aumento da temperatura que não ultrapasse 2 graus Celsius acima dos níveis pré-industriais e, na medida do possível, 1,5 grau (embora se presuma amplamente que este último limite será ultrapassado na próxima década, e a única alternativa seja que o aumento acima de 1,5 grau seja apenas temporário).
Em fevereiro passado, todos os países foram obrigados a apresentar seus planos, com metas para 2035. Praticamente ninguém cumpriu. A ONU prorrogou o prazo para 30 de setembro. Mas apenas cerca de 60 países cumpriram o prazo, o que impediu os cientistas de realizarem uma análise completa para as Nações Unidas sobre as implicações das novas metas de redução. Nos últimos dias, os países avançaram e, até segunda-feira, 113 países, representando 69% das emissões globais, haviam apresentado suas metas nacionais.
Embora ainda não tenha sido feita uma avaliação definitiva, é evidente que as políticas atuais não estão no caminho certo para manter o aumento da temperatura dentro de limites seguros, entre 2 e 1,5 graus Celsius. Um dos pontos de debate mais controversos é como lidar com a discrepância entre o que deveria ser feito e o que os diversos governos estão planejando. Outra lacuna que precisa ser preenchida é a do financiamento para os países em desenvolvimento, que também sofreu um golpe significativo devido à retirada dos EUA dos fóruns climáticos.
Li Shuo, diretor do Centro de Clima da China no Instituto de Políticas da Sociedade Asiática, vê esta cúpula de Belém como uma “cerimônia de formatura coletiva para o Sul Global”. Isso se deve à retirada dos EUA e à hesitação da União Europeia, mas também ao passo adiante representado pelo novo plano climático apresentado pela China no final de setembro, no qual o país se comprometeu, pela primeira vez, com cortes concretos de emissões. Além disso, a China lidera o mundo na instalação de fontes de energia renováveis e na fabricação e venda de veículos elétricos.
Para o presidente da COP30, o brasileiro Correa do Lago, “a ausência dos Estados Unidos e a relutância de outros países ricos abriram espaço para o mundo ver as coisas impressionantes que os países em desenvolvimento estão fazendo”, afirmou em uma coletiva de imprensa. O diplomata elogiou com entusiasmo o papel de Pequim na luta para tornar o planeta habitável. “Acho que a China abraçou essa agenda de uma forma extraordinária”, disse ele, destacando sua liderança na fabricação e venda de painéis solares, turbinas eólicas e carros elétricos. “Graças à sua tecnologia e escala, ela trouxe soluções acessíveis para a transição energética. Ao reduzir os preços, muito mais países em desenvolvimento podem participar, e são necessários menos recursos. E a Índia está seguindo na mesma direção. Teremos dois mercados enormes.”
Em carta escrita antes do início da cúpula, Correa do Lago uniu a satisfação com os progressos alcançados a um apelo urgente para que os países sejam mais ambiciosos e acelerem seus esforços. O diplomata afirmou que a transição climática é agora uma tendência irreversível e um motor do desenvolvimento sustentável, e que “o Acordo de Paris está funcionando”. Agora, enfatizou, “o desafio é acelerar sua implementação para manter a meta de 1,5 grau Celsius ao nosso alcance, fortalecendo, ao mesmo tempo, a resiliência aos crescentes impactos [do aquecimento global]”.
Além de acelerar a implementação do Acordo de Paris, buscando estabelecer roteiros para questões como adaptação às mudanças climáticas e a eliminação gradual dos combustíveis fósseis, as prioridades do Brasil para esta cúpula são fortalecer o multilateralismo e "conectar o regime climático à vida das pessoas e à economia real". Daí a ideia de criar um fundo de investimento para proteger as florestas tropicais e compensar aqueles que as protegem por meio de seus estilos de vida sustentáveis.
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