10 Novembro 2025
Fenômeno registrado no Paraná está associado a ciclone extratropical na região Sul do país e deixou ao menos 6 mortos.
A informação é de Clivia Mesquita publicada por Brasil de Fato, 09-11-2025.
Especialistas ouvidos pelo Brasil de Fato afirmam que o tornado que atingiu o Paraná, embora seja natural, se insere no contexto das mudanças climáticas. O climatologista José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), aponta que há uma intensificação dos eventos extremos em geral. No caso dos tornados, a rapidez com que eles se formam dificulta ainda mais o monitoramento desse fenômeno.
“Mudança climática através do aquecimento global está gerando a intensificação de eventos extremos. Esses eventos podem durar horas ou dias. Mas, para o caso dos tornados que demoram minutos, é difícil [prever]. Tornados são fenômenos naturais, já aconteceram antes e vão continuar existindo”, explica.
Li agora pouco um estudo de 1978 falando sobre o risco de algumas regiões no Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul virarem corredores de tornados porque o agro estava avançando e removendo as árvores.
— Bruno Brezenski (@bbbrezenski) November 8, 2025
Um estudo de 1978, e desde sempre a ciência sendo tratada como quem quer… https://t.co/E54XxkZTh4
O professor de geografia da Universidade de São Paulo (USP) Wagner Ribeiro aponta que o monitoramento é feito pelo acompanhamento das massas de ar. No entanto, com as mudanças climáticas, observa-se o deslocamento cada vez mais rápido dessas massas em relação aos pontos de alta e baixa pressão.
“É possível prever com modelos matemáticos, porém a dificuldade que está posta hoje é justamente a velocidade com que esses fenômenos estão ocorrendo e certamente as mudanças climáticas contribuem, porque nós estamos diante de um novo cenário, uma nova dinâmica climática do planeta”, avalia Ribeiro.
O geógrafo explica que o tornado ocorre a partir do encontro de uma massa de ar mais quente com uma massa de ar mais fria. Na medida em que ganha velocidade, o movimento adquire a forma de um funil que pode chegar a dois quilômetros de largura.
“As consequências são realmente devastadoras, eles podem variar da velocidade de 100 até pouco mais de 500 quilômetros por hora. Quando ele passa por uma cidade, por exemplo, as consequências são seríssimas, como nós vimos agora no Paraná”, disse.
Rio Bonito do Iguaçu foi cidade mais afetada pelo tornado de nível F3, conforme classificação do Sistema de Tecnologia e Monitoramento Ambiental do Paraná (Simepar) | Diangela Menegazzi
Detecção
A cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no centro-sul do Paraná, foi o epicentro de um tornado com ventos de até 250 km/h que deixou ao menos seis mortos e mais de mil pessoas desalojadas. O fenômeno meteorológico está associado a um ciclone extratropical na costa sul do país.
“O importante é não só prever, mas também detectar. Teríamos que ter toda uma rede de radares dedicados exclusivamente a isso, coisa que nós não temos. A previsão [de tornado] é muito difícil, porque a previsão do tempo, por exemplo, é para as próximas 3 horas, 6 horas. Mas este fenômeno [tornado] demora minutos. Os modelos atuais não têm essa capacidade de modelar a formação de um tornado. O que se vê no solo é o que as pessoas veem também de cima [no monitoramento]”, continua Marengo.
Ele aponta que ainda não há certeza sobre a tendência de aumento dos tornados. “Mas [eventos] extremos em geral estão aumentando como consequência de mudança climática”, alerta.
Eu mato a cobra e mostro imagens de satélite 🛰️.
— Bruno Brezenski (@bbbrezenski) November 9, 2025
Li um estudo de 1978 falando sobre o risco de criar um corredor de tornados poderoso no sul do Brasil se o agro avançasse contra a mata nativa que impediam a formação dos tornados.
1978 foi o estudo, agora veja o que aconteceu… pic.twitter.com/zUsDnqVT3h
Para Claudio Angelo, coordenador do Observatório do Clima, eventos extremos são catastróficos, mas já não surpreendem os especialistas. “Climatologistas já sabem há bastante tempo que esse tipo de evento extremo tem ficado mais intenso e mais frequente por conta da mudança do clima”, pontua.
“A gente tem muita energia na atmosfera por conta do aquecimento da Terra, que aumenta a evaporação dos oceanos, que aumenta o teor de umidade no ar. Isso é combustível para esse tipo de tempestade. E a única coisa possível a fazer é reduzir emissões de gás de efeito estufa”, aponta Angelo ao mencionar também a realização da COP30 que nesta segunda-feira (10), em Belém.
Mais difícil de prever
O pesquisador do Cemaden, que está em Belém para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), afirmou que é preciso criar a percepção de risco nas pessoas e nos governantes para as consequências de diversos eventos climáticos extremos: secas prolongadas, inundações, deslizamentos e ondas de calor.
“Se os desastres estão passando a ser mais comuns e frequentes, a população tem que começar a entender isso e se preparar”, avalia o climatologista José Marengo. No caso dos tornados, no entanto, mesmo países com longo histórico, têm enfrentado dificuldade em alertar a população a tempo.
Isso porque são fenômenos que duram poucos minutos, como foi observado também no Paraná. Os Estados Unidos, país com maior incidência de tornado no mundo, já começou a ter problemas nesse sentido, aponta o pesquisador.
“Em Oklahoma, por exemplo, quando se detecta a entrada de um tornado, as sirenes disparam e a população tem tempo de se esconder em lugares seguros. Mas, ultimamente, o alarme chega quase ao mesmo momento que o tornado ou até depois”, explica.
Marengo acrescenta que, por serem fenômenos mais difíceis de prever, acabam provocando mais mortes. “Aqui no Brasil não existe cultura de tornados, a população não está preparada”, completa.
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