31 Outubro 2025
"O que Francisco está nos dizendo? Que o perdão, antes de ser um gesto, é um estilo de vida. Manifesta-se na bondade do olhar, antes mesmo que nas palavras. E é belo quando essa bondade transparece não na voz, mas no próprio olhar", escreve Enzo Fortunato, escritor e colunista, em artigo publicado por La Stampa, 29-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Um trecho do livro do Padre Enzo Fortunato: E se tornasse Francesco? (E se voltasse Francisco?)
Eis o trecho.
A Regra
É interessante o que acontece na vida desse jovem agora maduro, que busca deixar sua marca na Ordem, ou melhor, na grande família franciscana, em seus primeiros companheiros.
Francisco não queria fundar uma ordem, muito menos um exército: simplesmente queria viver. E, de fato, ele afirmará: "A regra e a vida dos Frades Menores é esta: viver o Evangelho, seguir os passos de Cristo."
Francisco é obstinado, determinado a levar adiante o projeto que o Senhor lhe inspirou. Muitos lhe sugerem para adotar as regras das grandes ordens monásticas da época — a Regra Beneditina, por exemplo, baseada no ora et labora — mas ele responde: "Não, o Senhor me inspirou."
É a força dos profetas, extraordinária, capaz de derrubar a resistência dos papas, dos membros da cúria e até mesmo dos próprios frades.
Dentro da família franciscana — que podemos imaginar como ampla e articulada — desenvolveu-se um grande embate. Francisco é chamado a reescrever a Regra. Inicialmente, havia uma simples proposição (propositum vitae), depois se chegou à Regra não bulada e, finalmente, à Regra bulada, aquela definitiva.
Alguns a definiram como "seca", mas a primeira estava inteiramente imbuída de Evangelho. Francisco desejava apenas isto: viver o Evangelho. Dois episódios emblemáticos merecem destaque. O primeiro, muito impactante, envolve Francisco diante do Papa. Ele afirma que quer viver o Evangelho como regra de vida. O Papa lhe pergunta se esse estilo de vida não é excessivamente duro. Nesse momento, um cardeal — também evidentemente inspirado por Deus — exclama: "Santo Padre, se dissermos que é muito duro viver o Evangelho, não estaremos blasfemando contra o próprio Evangelho?" Eis, então, a contenção que se opõe a Francisco, mas também a confiança: "Ide e dai testemunho do Evangelho".
Os papas que conviveram com Francisco foram principalmente dois: Inocêncio III e Honório III. Duas figuras de autoridade para a época: um combativo, o outro mais ponderado, mas ambos de grande estatura. Depararam-se com um homem maltrapilho, desejoso por viver um modo de vida evangélico.
Francisco, porém, não se coloca fora da Igreja, como muitos outros homens de seu tempo: permanece dentro dela. E será precisamente isso que o salvará. A Igreja, de fato, também sabe preservar a profecia.
Se Francisco sobreviveu até hoje, é precisamente porque permaneceu dentro dos trilhos da Igreja.
O episódio seguinte é igualmente impactante. Os frades ministros provinciais, juntamente com o Irmão Elias — vice de Francisco — vão a Fonte Colombo, onde o Santo está escrevendo a nova regra. Ele os vê chegar e pergunta: "Quem são?" "São os ministros provinciais", responde o Frei Elias, "os responsáveis pelas fraternidades." "E o que querem?", pergunta Francisco. Elias responde: "Eles me disseram que a regra que você está escrevendo é demasiado dura. Guarde-a para você. Eles preferem uma mais branda."
Francisco, com um lampejo de genialidade — trazendo consigo seu espírito brincalhão — dirige-se diretamente ao Senhor: "Senhor, Senhor, eu te disse que eles não acreditariam em mim?" Um gesto de extraordinária inteligência espiritual. Francisco não responde diretamente: ele deixa que seja Deus a fazê-lo. Os santos são assim: brilhantes, capazes de apontar um caminho sem impô-lo.
Uma coisa é certa: Francisco não é intransigente. As fontes o descrevem assim: "intransigente consigo mesmo, mas uma mãe para os outros."
Por isso ele dirá: "Vamos unir regra e vida. Queremos permanecer nos trilhos, mas dentro desses trilhos deve haver criatividade e respeito. O cerne da regra é o respeito pelo homem."
Aqui me volta à lembrança Don Milani, quando dizia: "Dentro dos trilhos, dou todas as cambalhotas que quero."
E Francisco, dá essas cambalhotas justamente assim, dizendo: "Se o Senhor quiser", "se você quiser", "se você puder".
Uma linguagem que respeita a pessoa, aberta à liberdade, à jornada, à possibilidade.
O perdão
O ano de 2015 foi extraordinário: o Ano da Misericórdia. Todos provavelmente se lembram da famosa carta Misericordiae Vultus, assim como do gesto das "misericordine” distribuídas na Praça de São Pedro. Mas de onde o Papa haure essa graça? Creio, provavelmente, da experiência evangélica, claro, mas também do que Francisco de Assis desejava para seus frades e, sobretudo, para as pessoas que iam à Porciúncula.
Há um episódio muito significativo, hoje popularmente conhecido como o "Perdão de Assis". É celebrado todos os anos e é a indulgência plenária que se pode obter visitando a Porciúncula ou outros locais franciscanos. De onde nasce esse episódio?
Creio que tem suas raízes em duas experiências vividas pelo Santo.
A primeira é esta: em determinado momento, Francisco vai até o Papa Honório III e lhe diz: "Santo Padre, recentemente, em honra da Virgem Mãe de Cristo, restaurei uma igreja para o senhor. Por favor, conceda-me que uma indulgência seja posta nela, sem a necessidade de ofertas." O Papa respondeu: "Segundo o costume, isso não pode ser feito. É apropriado que aquele que pede uma indulgência a mereça estendendo a mão para ajudar." Depois acrescentou: "Diga-me, porém, quantos anos deseja que eu estabeleça para essa indulgência." E Francisco respondeu: "Santo Padre, que Vossa Santidade me conceda não anos, mas almas."
Francisco estava realmente interessado em conceder o dom da misericórdia. Se isso fosse concedido, seria um ato extraordinário, válido para sempre.
Há também uma carta escrita por Francisco que, na minha opinião, representa sua verdadeira encíclica sobre a misericórdia.
O que havia acontecido?
Alguns frades, infelizmente, haviam discutido, talvez até duramente. O líder da fraternidade foi até Francisco e disse: "Francisco, deixe-me ir a um eremitério para rezar." A intenção, em si, era boa. Mas Francisco queria indagar as motivações mais profundas por trás do pedido e percebeu que, na realidade, tratava-se de uma fuga do conflito. E então respondeu: "Que seja mais valioso para você permanecer aí, exatamente onde está aquele frade que lhe causa dificuldades. Não exija dele nada além do que o Senhor quiser doar a você, e nisso, ame-o. Não espere que ele se torne um cristão melhor. Que isso seja mais valioso para você do que permanecer recluso em um eremitério. Que não haja nenhum frade no mundo que tenha pecado — quando é possível pecar — que, depois de cruzar o olhar com você, parta sem receber o seu perdão, se o pedir. E se ele não pedir perdão, pergunte você a ele se deseja ser perdoado. E se ele não o desejar, e posteriormente pecar mil vezes diante dos seus olhos, ame-o mais do que a mim por isso, para que você possa atraí-lo para o Senhor. Tenha sempre misericórdia desses irmãos e informe também os guardiões de que você decidiu agir assim." Ouvimos três passagens importantes, mas a última diz respeito aos olhos.
O que Francisco está nos dizendo?
Que o perdão, antes de ser um gesto, é um estilo de vida. Manifesta-se na bondade do olhar, antes mesmo que nas palavras. E é belo quando essa bondade transparece não na voz, mas no próprio olhar.
Os olhos são a janela do coração.
 
Livro "E se tornasse Francesco?", de Enzo Fortunato (San Paolo, 2025).
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