31 Outubro 2025
“O genocídio em curso em Gaza é um crime coletivo, sustentado pela cumplicidade de Estados terceiros influentes que permitiram violações sistémicas e de longa data do direito internacional por parte de Israel”. Quem o afirma é Francesca Albanese, a jurista relatora especial da ONU para os direitos humanos nos territórios palestinianos ocupados, no seu mais recente trabalho intitulado “Genocídio de Gaza: um crime coletivo”.
A informação é publicada por 7 Margens, 30-10-2025.
O documento enviado no último dia 20 à Assembleia Geral pelo secretário geral da ONU, António Guterres, coloca a ênfase na cumplicidade de vários estados com Israel, em particular depois do ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023 em território israelita, a partir do qual Israel “intensificou a sua violência a um nível sem precedentes”.
“Sem a participação direta, ajuda e assistência de outros Estados, a prolongada ocupação ilegal israelita do território palestiniano, que agora se transformou num genocídio em pleno, não poderia ter sido mantida”, reitera Francesca Albanese, sempre apoiada em factos e documentos quer da ONU quer de Estados membros.
O relatório agora apresentado documenta essa colaboração e cumplicidade em quatro planos: político-diplomático (que normalizou a ocupação israelita e não conseguiu alcançar um cessar-fogo permanente); apoio militar (através de ajuda em grande escala, de cooperação e transferências de armas, principalmente de e para os Estados Unidos e Estados europeus); cooperação económica (com a União Europeia, o maior parceiro comercial de Israel, a assegurar quase um terço do comércio total ao longo dos dois últimos anos); e transformação da ajuda humanitária em arma de guerra (desmantelando a ajuda humanitária existente e impondo condições de vida calculadas para provocar a destruição dos palestinianos como grupo). Foi a conjugação da cobertura nestas várias frentes que permitiu a Israel perpetrar o genocídio.
A ação de Estados terceiros e a relutância de outros em responsabilizar Israel permitiram “consolidar o regime de apartheid colonialista no território palestiniano ocupado (TPO), com mais colonatos, demolições de casas, restrições à circulação e perda e aniquilação da vida palestiniana”, vinca o texto. “Muitos Estados, principalmente os ocidentais, facilitaram, legitimaram e, por fim, normalizaram a campanha genocida perpetrada por Israel”, acrescenta.
A relatora especial lembra, neste contexto, o sucesso e importância da ação concertada da comunidade internacional para pressionar estados colonialistas, como aconteceu com Portugal, ou com regimes de apartheid, como a África do Sul ou a Rodésia. “Hoje, sublinha o relatório, os Estados terceiros têm a mesma obrigação legal e moral de aplicar essas e outras medidas contra qualquer Estado que ainda perpetre violência colonialista e apartheid”. “O seu fracasso em responsabilizar Israel pelos seus crimes internacionais de longa data – apesar das ordens claras dos tribunais internacionais – expõe o flagrante duplo padrão da comunidade internacional”.
Para a relatora especial da ONU, logo a seguir ao 07-10-2023, a maioria dos líderes ocidentais repetiram as narrativas israelitas, divulgadas pelos media, “reiterando alegações desmentidas e apagando as principais distinções entre combatentes e civis”. O presidente Biden, refere o texto, chegou a citar mais de uma vez, relatos não comprovados de “bebés decapitados”.
Na parte conclusiva e de recomendações, Albanese salienta que, nesta conjuntura crítica, “é imperativo que os Estados terceiros suspendam e revejam imediatamente todas as relações militares, diplomáticas e económicas com Israel, uma vez que qualquer envolvimento deste tipo pode representar um meio de ajudar/ assistir/ participar diretamente em atos ilegais, incluindo crimes de guerra, crimes contra a humanidade e genocídio”.
O desrespeito pelo direito internacional por parte dos países que se têm mostrado cúmplices do genocídio israelita “mina os alicerces da ordem multilateral cuidadosamente construída ao longo de oito décadas pelos Estados e povos dentro das Nações Unidas”, observa o relatório. ´É a própria “ideia da nossa humanidade comum” que está em causa. Daí que a responsabilização dos principais responsáveis “vai além dos processos judiciais e inclui reparações: restituição, compensação, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição, por parte de Israel e dos Estados terceiros que apoiaram os seus crimes”. “As estruturas de poder que permitiram esses crimes hediondos devem ser desmanteladas”, conclui o documento.
A relatora especial exorta, por fim, os sindicatos, advogados, sociedade civil e cidadãos comuns a “monitorizar as ações dos Estados em resposta a estas recomendações e a continuar a pressionar instituições, governos e empresas para que promovam boicotes, desinvestimentos e sanções, até ao fim da ocupação ilegal israelita e dos crimes relacionados”.
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