A Bioética Social e suas perspectivas sociais. Entrevista com Marcos Aurélio Trindade

Foto: Matthew Smith | Unsplash

18 Outubro 2025

A nova edição nasce da experiência acumulada no Curso Nacional e Internacional de Bioética, promovido entre os anos de 2019 e 2024, sob coordenação de Marcos Aurélio Trindade, e realizado em parceria com universidades brasileiras e estrangeiras. O curso que teve especial relevância durante o período pandêmico reuniu grandes nomes da bioética nacional e internacional, transformando-se em um espaço de diálogo plural e resistência intelectual frente aos desmontes científicos e éticos vividos naqueles anos.

A obra foi organizada por docentes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) — Marcos Aurélio Trindade, Joanilva Ribeiro Soares, Jorge Gomes Gray, Maria Ângela Figueiredo Braga, Orlene Veloso Dias e Patrícia Alves Paiva e o curso contou com autores de diversas instituições nacionais e internacionais, entre eles José Roque Junges posfaciador, Anor Sganzerla, Elda Coelho de Azevedo Bussinguer prefaciadora, Gilberto Galindo, Alexandre Andrade Martins, Susana Maria Vidal, Volnei Garrafa, José luiz Quadros de Magalhaes, Thiago Rocha da Cunha e Francisco Javier de la Torre Díaz, Mário Antonio Sanches, alguns são autores desse capítulo, entre outros.

Além de reunir contribuições inéditas e provocativas, o livro presta uma homenagem póstuma aos bioeticistas que marcaram a história da Bioética Latino-Americana e Global: Pe. Dr. Leocir Pessini, Pe. Dr. Christian de Paul Barchifontaine, Pe. Dr. François Hubert Jean Émile Lepargneur e Prof. Dr. José Eduardo de Siqueira personalidades que, como lembra o organizador, “lutariam bravamente contra os desmontes científicos e éticos que abalaram nosso tempo”.

A obra também reconhece os bioeticistas vivos que continuam iluminando o campo, como Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos e Prof. Dr. Mário Antônio Sanches, reafirmando a importância da solidariedade intelectual e da democracia como antídotos contra toda forma de autoritarismo e obscurantismo.

Em suas palavras e a do organizadores a apresentação, resume o espírito do livro do seguinte modo:

“É com muita alegria que o grupo de pesquisadores da Unimontes-MG, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná, da Sociedade Brasileira de Bioética Nacional e da Regional Mineira, como práxis investigativa, tem a honra de apresentar os capítulos escritos por autores de reconhecimento nacional e internacional nesta intensa obra. Este grupo de pesquisa, em consonância com as instituições parceiras, permanece incansável na defesa da vida e da estrutura ecológica diante dos desmantelos da ação humana.

Esta obra, agora em sua segunda edição, é fruto de um curso nacional e internacional de Bioética pensado em 2019 e fortalecido até os dias atuais. Cada autor que aqui contribuiu o fez com singular cuidado, revelando a diversidade intelectual que purifica e fortalece o pensamento frente à onda opressiva do negacionismo científico.

Sabemos que a sabedoria de quem pesquisa para o bem exorta a virtude da vigilância diante dos conflitos da sociedade, tornando-se um ato de resistência frente à ignorância e à indiferença. Somos contra o discurso do ódio, a barbárie e o mal governo que arruinaram a realidade latino-americana no período pandêmico, em conluio com órgãos institucionais omissos.”

O livro A Bioética Social e suas Implicações sociais é, portanto, um convite à leitura crítica e humanizadora, que articula saberes e experiências em prol de uma ética voltada à vida, à justiça e à dignidade. Seu alcance nacional e internacional demonstra o vigor de uma bioética comprometida com o bem comum, com o diálogo interdisciplinar e com o enfrentamento das desigualdades globais.

A entrevista foi enviada pelo entrevistado ao Instituto Humanitas Unisinos — IHU, 16-10-2025.

Marcos Aurélio Trindade (Foto: Reprodução)

Marcos Aurélio Trindade possui formação em filosofia, teologia, psicologia, bioética e Antropologia. É mestre em Bioética pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR) e mestre em Antropologia Social pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Atualmente, cursa Medicina e foi professor colaborador da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes-MG) entre 2020 e 2024. É membro da Sociedade Brasileira de Bioética (SBB) e dedica-se à pesquisa em bioética social, saúde global, decolonialidade e direitos humanos. Sua trajetória acadêmica é marcada pelo compromisso com uma bioética crítica, reflexiva e comprometida com a justiça social e a dignidade humana. Este organizou a primeira edição da obra A Bioética Social e suas Implicações Filosóficas em 2019 articulado entre ética, política e filosofia em contextos de desigualdade e vulnerabilidade em parceria com o saudoso Pe. Dr. Christian de Paul Barchifontaine (in memoriam), uma importante obra coletiva dedicada à reflexão sobre os fundamentos e os desafios contemporâneos da bioética, reafirmando o compromisso com o pensamento humanista, interdisciplinar e socialmente engajado que inspira sua produção intelectual.

Este relata que, tem uma trajetória marcada pelo compromisso acadêmico e pelo interesse profundo nas questões éticas e sociais que atravessam a vida humana. Foi Introduzido no campo da bioética há mais de 10 anos atrás pelos saudosos Pe. Dr. Leocir Pessini, Pe. Dr. Christian de Paul Barchifontaine, Dr. William Saad Hossne e Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos, Dr. François Hubert Lepargneur. Marcos Aurélio construiu, desde o início, uma relação de proximidade, diálogo e amizade com esses mestres, cujos ensinamentos foram decisivos para o amadurecimento de sua visão crítica e filosófica da bioética.

Sua trajetória acadêmica é marcada pela busca constante de integração entre ética, filosofia, política e cultura, consolidando uma perspectiva própria no campo da Bioética Social vertente que se debruça sobre as desigualdades, a justiça social e os impactos éticos da vida contemporânea. Essa abordagem se manifesta com vigor na obra A Bioética Social e Perspectivas Sociais, da qual é autor e organizador. O livro, em sua segunda edição, reflete o amadurecimento de um percurso intelectual que une pensamento crítico e compromisso ético com a dignidade humana.

Eis a entrevista.

Como surgiu a ideia de reunir a obra A Bioética Social e suas Implicações Sociais e qual foi o contexto que inspirou essa segunda edição?

A ideia de reunir esta obra nasceu da necessidade de pensar a bioética para além dos muros acadêmicos, como um instrumento de diálogo social e de resistência ética. A primeira edição do livro surgiu há alguns anos, a partir de um movimento coletivo de pesquisadores comprometidos com a reflexão sobre justiça, dignidade e vida em sociedade.

Com o passar do tempo e especialmente durante o período pandêmico, sentimos a urgência de revisitar esse projeto. Entre 2020 e 2024, coordenei o Curso Nacional e com ajuda Internacional de Bioética, promovido em parceria com diversas universidades, entre elas a Unimontes, a PUCPR que promoveram e instituições internacionais. Esse curso foi um espaço de encontro entre perspectivas teóricas e experiências concretas um verdadeiro jardim de pensamento bioético.

Essa já é a segunda edição do livro, portanto, o amadurecimento dessa trajetória. Ela nasce em meio à necessidade de reencantar o sentido da ética, frente aos desmontes científicos, à negação da ciência e às desigualdades que se agravaram no contexto global principalmente no governo Bolsonaro.

Quem participa dessa nova edição e qual a importância do diálogo entre autores de diferentes origens e instituições?

A interdisciplinaridade é a alma da bioética social. Esta segunda edição foi organizada em parceria com docentes da Universidade Estadual de Montes Claros (Unimontes) — Joanilva Ribeiro Soares, Jorge Gomes Gray, Maria Ângela Figueiredo Braga, Orlene Veloso Dias e Patrícia Alves Paiva e reúne autores de reconhecimento nacional e internacional. Essa diversidade é o que fortalece a obra. Cada autor traz sua própria visão, enraizada em realidades distintas, mas unidas pelo mesmo propósito: pensar a ética da vida a partir da justiça e da solidariedade. A pluralidade de vozes é, em si, uma resposta crítica à fragmentação e ao negacionismo científico que marcaram nossa época.

O livro é fruto de um percurso formativo e também de uma práxis ética. Como o senhor define o papel do Curso Nacional e Internacional de Bioética nesse processo?

O curso foi, antes de tudo, um espaço de formação humanística e política. Quando idealizamos o projeto, queríamos aproximar a bioética das realidades vividas pelos profissionais da saúde, das ciências humanas e sociais, e dos cidadãos comprometidos com o bem comum.

Entre 2019 e 2024, reunimos nomes expressivos da bioética brasileira e latino-americana. Durante a pandemia, o curso ganhou ainda mais força: tornou-se um espaço de resistência, um lugar de reflexão diante da dor coletiva, do luto e da injustiça.

A nova edição do livro reflete esse espírito. É uma extensão daquele diálogo formativo, transformado agora em registro permanente de uma geração que acredita na bioética como antinomia da indiferença.

Livro: A Bioética Social e Perspectivas Sociais

O senhor prestou homenagens a grandes nomes da bioética na obra. Como essas figuras marcaram sua trajetória pessoal e intelectual?

Minha inserção na bioética foi profundamente influenciada por mestres que transformaram o campo no Brasil e na América Latina: o Pe. Dr. Leocir Pessini, o Pe. Dr. Christian de Paul Barchifontaine, o Dr. William Saad Hossne e o Prof. Dr. Márcio Fabri dos Anjos, Dr. François Hubert Lepargneur. Com o Pe. Christian de Paul, tive a honra de organizar, em 2019, uma obra A Bioética e suas implicações filosóficas, que marcou profundamente minha trajetória. Ele foi um pensador luminoso, comprometido com a justiça e a humanização da saúde. Também tenho artigos vários artigos científicos e outras obras de livro no campo incluindo psicologia, filosofia, teologia, sociologia, antropologia e  medicina sempre de um modo ou de outro relacionado com a bioética

O senhor utiliza com frequência o termo “bioética e o social”. O que o diferencia da bioética tradicional e quais são seus desafios atuais?

Marcos Aurélio Trindade – A bioética social nasce de uma perspectiva latino-americana que compreende a ética da vida como inseparável da justiça social, da cultura e das relações de poder. Diferente da bioética principialista, mais centrada em dilemas biomédicos, a bioética social busca olhar para as estruturas que produzem sofrimento e exclusão a pobreza, o racismo, a desigualdade de gênero, a colonização do saber.

Ela é um convite à emancipação ética, um movimento que reconhece o outro como sujeito político e não como objeto de cuidado. Em tempos de negação da ciência e de desumanização, a bioética social é um exercício de resistência ética, de esperança ativa.

Que mensagem o senhor deixa aos leitores e pesquisadores que se aproximam da bioética hoje?

Acredito que pensar bioeticamente é resistir à banalização da vida. A ciência precisa reencontrar a compaixão e a filosofia precisa reencontrar o corpo humano e sua vulnerabilidade. Meu convite aos leitores é que se aproximem da bioética não apenas como um campo de estudo, mas como uma atitude diante do mundo uma forma de olhar para a vida com responsabilidade, ternura e coragem.

Como afirmamos no livro:

Viva a democracia — antídoto de toda ditadura.”

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