Primavera democrática: a sociedade pressiona e o Congresso recua. Destaques da Semana no IHUCast

Arte: Mateus Dias | IHU

Por: Cristina Guerini e Lucas Schardong | 27 Setembro 2025

O Brasil acordou para os desmontes do Congresso Nacional. A mobilização do último domingo, 21 de setembro, conseguiu levar milhares de pessoas às ruas no país inteiro contra a PEC da Blindagem e o PL da Anistia. A resposta: a PEC da bandidagem foi sepultada no Senado, com votação unanime da Comissão de Constituição e Justiça. O PL da anistia deve ter o mesmo caminho após Paulinho da Força condicionar a aprovação da isenção de imposto de renda à proposta de anistia.

Surpreendeu

A mobilização, nas 27 capitais do país, surpreendeu o centrão e a extrema-direita, que já não acreditavam na capacidade de articulação da esquerda. Grandes nomes da música, que tiveram forte atuação na luta pela democracia durante os anos de chumbo, voltaram a participar e convocar as manifestações. Gil, Chico e Caetano subiram no trio elétrico para, mais uma vez, defender a democracia. Entre os clássicos entonados, Cálice levantou a multidão. Um dos motivos da presença de artistas e também de parte da igreja católica, na análise de Rudá Ricci, foram os protestos heterogêneos, não convocados pelo PT ou o governo. Assim, não polarizaram com o bolsonarismo, mas pressionaram o Centrão.

Reinvindicações

As manifestações, que expressaram o mal-estar da população com o Congresso e fizeram ressurgir a sociedade civil organizada, “levaram às ruas cartazes e faixas contra a jornada 6x1, a favor da Palestina, em defesa das minorias, mas principalmente contra a anistia a Jair Bolsonaro e contra os desmandos do Congresso, personificados na Proposta de Emenda Constitucional que blinda parlamentares de investigação”.

Este ano, eu não morro!

Na avaliação de Antonio Martins, as "multidões respondem à arrogância do Congresso, colocam ultradireita e Centrão na defensiva e mostram ao governo o caminho esquecido da pressão popular. Há três meses, essa grande jornada era impensável. No entanto, ocorreu, e graças a ela surgiram novas demandas – problemas melhores, que cabe à formulação teórico-política tentar resolver. Melhor assim: aos poucos, clareia-se um caminho para que seja possível olhar para 2026 e repetir os versos de Belchior retomados por Emicida: Este ano, eu não morro!"

Primavera democrática

Para o cientista político Luiz Marques, com os protestos de domingo, "o povo dá provas de determinação, consciência e capacidade de combate para se adonar de seu destino, e o faz com alegria, entusiasmo e otimismo. A utópica caminhada atravessa o inverno. O horizonte se abre. A estrela brilha. A natureza floresce. É tempo de primavera. Quem vem lá".

Redes de nepotismo

O que estava posto na proposta da PEC da Blindagem, era a manutenção desse sistema oligárquico de castas que domina o país. Em entrevista o IHU esta semana, o sociólogo Ricardo de Oliveira, que pesquisa a genealogia das famílias brasileiras, alertou que a “PEC da Impunidade foi uma tentativa de blindagem de políticos e presidentes de partidos. Ela segue a lógica dos interesses das famílias políticas e redes de nepotismo do centrão, não só dos parlamentares, mas também dos presidentes e dirigentes de partidos políticos”.

Símbolos roubados

As manifestações, enfim, começaram a recuperar os símbolos que estavam nas mãos da extrema-direita. As cores do Brasil e a bandeira coloriram as ruas do país, com uma sociedade civil que mostrou efervescência e determinação de colocar em pauta os interesses da maioria, expressando o mal-estar que está por trás do desprezo do congresso aos temas de interesse do povo. A cultura, mais uma vez, fez frente à tirania.

#CharlieKirkMemorial

Nos Estados Unidos, o funeral de Charlie Kirk também pode ser considerado um novo marco para os americanos, assim como foram os protestos para os brasileiros. Por lá, no entanto, marca a virada para “uma mentalidade apocalíptica que se tornou profundamente enraizada no imaginário estadunidense”. 

Cruzadas ao modo Billy Graham

O funeral, que contou com milhares de participantes e milhões de espectadores online, pode ser descrito como um renascimento religioso, lembrando os grandes despertares protestantes das "cruzadas de tendas" de Billy Graham nas décadas de 1930 e 1940. O evento, que celebrou o fervor cristão, prometeu um novo entusiasmo por valores tradicionais entre a juventude americana. Embora o cristianismo tenha diminuído entre os mais jovens, a morte de Kirk pode reverter essa tendência e aprofundar a guerra cultural e as divisões políticas.

Ideal apocalíptico

O que parece inédito, segundo Pasquale Annicchino, é “que o ideal apocalíptico não se limita mais a um movimento marginal, mas agora estrutura a maneira como um grande número de autoridades e cidadãos percebem a política e o futuro do país”. Em entrevista, Pasquale observa que esse pensamento apocalíptico torna “a batalha política se torna um confronto entre o Bem e o Mal, o adversário político se transforma em um inimigo existencial que ameaça a sobrevivência da nação. Essa lógica, sem quaisquer contrapoderes ou instituições limitadoras, pode ser devastadora. Segundo o pesquisador, “estamos testemunhando agora um ponto de inflexão definitivo nesse processo. O contra-establishment não é mais uma alternativa; tornou-se o establishment”.

Retorno

Em seu discurso, Trump prometeu trazer a religião de volta aos Estados Unidos, afirmando que "sem fronteiras seguras, sem lei e sem Deus, não há país". Mas, o ponto mais relevante, foi o uso da retórica de confronto e aniquilamento dos inimigos. Trump, disse que odeia seus inimigos e que não quer ver eles bem.

Pode piorar

JD Vance falou como se estivesse no confessionário durante o memorial a Charlie Kirk. A aparente improvisação do vice-presidente dos Estados Unidos demonstrou que ele sabe interpretar as situações e a centralidade que a fé cristã de Kirk ocuparia durante a cerimônia. Ao expor sua intimidade, Vance pode obter uma vantagem política se decidir suceder Donald Trump como candidato à presidência em 2028. Para o comentarista político Charlie Sykes, "aparentemente, JD Vance decidiu que seu caminho para o poder consiste basicamente em tentar ocupar o lugar de Charlie Kirk e adotar sua retórica”. Continuando sua análise, no entanto, Sykes, adverte que o futuro pode ser ainda pior. "Eu nunca descreveria Trump como mais moderado, mas eu acredito que a retórica de JD Vance poderia ser um aviso de que se você acha que as coisas estão ruins, é possível que elas piorem ainda mais".

80ª Assembleia Geral da ONU

A semana também foi marcada pela Assembleia Geral da ONU em Nova York. Na sessão de número 80, os chefes-estado discursaram sobre diferentes temas, mas os pontos que mais estiveram nos debates foram a crise da democracia, o autoritarismo, o genocídio de Israel em Gaza, a emergência climática e as mentiras em série de Donald Trump, que protagonizou nas Nações Unidas um dos momentos mais constrangedores da história. Jamais um chefe de estado usou o espaço da ONU para falar tanta mentiras, para descreditar a mudança climática e exaltar seu narcisismo. A fala do americano contrastou com a Lula, que abriu o evento, defendendo o multilateralismo, a democracia e a soberania.

Obscurantismo

Depois de Lula, Trump subiu ao púlpito para um “show de horrores”, que criou um duelo de narrativas entre o discurso brasileiro e o americano. O republicano que descredibilizou a ONU e surpreendeu ao elogiar Lula, “fez um discurso em que quase todos os parágrafos estavam cheios de mentiras, deturpações, exageros ou delírios”, segundo Jeffrey Sachs. “Continham megalomania, vulgaridade e humilhações de todos os outros governos. Era uma representação autêntica de sua visão de mundo”, complementa.

COP da verdade

Em seu discurso na ONU, Lula enfatizou que a COP30, em Belém, será a "COP da verdade". Para ele, "será o momento de os líderes mundiais provarem a seriedade de seu compromisso com o planeta./ Mas, sem ter o quadro completo das Contribuições Nacionalmente Determinadas, destacou o presidente, caminharemos de olhos vendados para o abismo". No entanto, Lula esqueceu de falar sobre o fim dos combustíveis fósseis, que não é defendido pelo governo brasileiro, mesmo com a humanidade ultrapassando o sétimo limite planetário.

Decepção

É neste contexto de negacionismo e incertezas que nos aproximamos da COP30, que além de estar ameaçadas pelos preços exorbitantes das hospedagens, fica sob a suspeição da ausência de metas climáticas aquém do necessário. Caso da China, que apresentou suas NDCs essa semana e decepcionou. O líder chinês anunciou o compromisso de reduzir as emissões do país asiático de 7% a 10%  até 2035 em relação ao pico, esperado para ocorrer antes de 2030.

Flotilha sob fogo

A Flotilha Global Sumud avança sob fogo. “A Flotilha está sob ataque novamente. O zumbido cada vez mais alto dos drones, uma presença constante sobre os barcos da Flotilha Global Sumud durante dias. Depois, veio a interferência de rádio, com música repentinamente alta, dificultando a comunicação. Por fim, os dispositivos explosivos. Granadas de efeito moral lançadas a poucos metros dos barcos, explosivos carregados com spray de pimenta jogados no convés. Ao menos seis dos 43 navios da frota, que se dirige a Gaza e agora navega em águas internacionais ao largo de Creta, foram atingidos”.

Greve geral

Uma greve geral em favor da Palestina foi convocada para segunda-feira, 22 de setembro, na Itália por vários sindicatos de base. Foi uma mobilização histórica, tanto pela sua participação massiva quanto pela natureza de suas reivindicações. Em Roma, 70 mil pessoas reivindicaram pela Palestina Livre.

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