06 Setembro 2025
"De válvula de escape terapêutica, os diários gradualmente se transformam em uma autêntica busca por um sentido, para encontrar a força necessária para superar tempos cada vez mais sombrios e terríveis, dirigindo-se para um misterioso Deus interior", escreve Angela Calvini, correspondente especial na Avvenire, especializada em entretenimento, em artigo publicado por Avvenire, 03-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Moderna, misteriosa, contraditória, corajosa e evasiva, fascinante para milhões de leitores de seus Diários, publicados apenas em 1980: Etty Hillesum é uma personagem complexa para adaptar em toda a sua profundidade a uma obra cinematográfica, e o diretor israelense Hagai Levi tentou essa titânica empreitada apresentando ontem, no Festival de Cinema de Veneza, sua Etty, uma série de TV em seis episódios de cerca de uma hora cada.
Era necessária uma perspectiva diferente e contemporânea, explicou o diretor e roteirista da série ontem no Lido, para aproximar o público atual do tema do Holocausto, transportando a ação da Amsterdã em 1941 para os dias atuais, como se a Segunda Guerra Mundial estivesse se desenrolando agora e os nazistas dominassem a Europa (mas será que esse espectro está realmente tão distante assim?) e também tivessem como alvo imigrantes, além dos judeus. Isso torna ainda mais chocante ver uma estudante como Etty (a expressiva Julia Windischbauer), vestindo camiseta, jeans e mochila, ser expulsa de uma farmácia por ser judia, numa espiral cada vez mais claustrofóbica que leva cidadãos como nós à perda de direitos e à deportação para campos de concentração.
"As imagens do Holocausto resultaram muito vívidas desde 7 de outubro, quando de repente vimos famílias escondidas num armário, famílias assassinadas. E não se conseguia deixar de ver o Holocausto nas imagens de Gaza. Os temas da série estão conectados ao que está acontecendo, com os discursos de Etty contra o ódio, mas também falam da desumanização das pessoas, da vida humana, para vê-las apenas como inimigas", explica Levi, que ataca o "regime" de Netanyahu e defende os muitos israelenses que se manifestam contra ele na "esperança de que as coisas possam mudar".
A série tem um viés psicanalítico (afinal, a bem-sucedida série da HBO "In Treatment" nasce de sua série israelense "Be-Tipul"): esta Etty tem a cadência lenta de uma longa sessão psicanalítica no início, quando sua relação de profunda compreensão e amor com o psicoquirologista e mentor Julius Spier (o intenso Sebastian Koch) se desenvolve. Hagai Levi escolhe o estilo bergmaniano (que ele refez para a TV Cenas de um Casamento de Bergman) para contar o despertar da alma de Etty derramada em um fluxo de consciência nos seus diários.
A garota que não sabia se ajoelhar, como se definia, inicia uma jornada mística em suas paisagens interiores, visualmente representadas por imagens poéticas de campos de trigo, vastas pradarias ou geleiras — "o céu dentro de mim", escrevia ela — que acompanham suas palavras. Às vezes, contrastam com a dureza de suas escolhas de vida (veja o desesperado aborto na véspera de sua entrada no campo de concentração nazista).
De válvula de escape terapêutica, os diários gradualmente se transformam em uma autêntica busca por um sentido, para encontrar a força necessária para superar tempos cada vez mais sombrios e terríveis, dirigindo-se para um misterioso Deus interior. "O livro foi recomendado por meu terapeuta, eu estava passando por um período difícil na minha vida, e aquele livro me ajudou e mudou minha vida", explicou Levi, contado um período de gestação que durou 12 anos. "Vislumbrei como se pode enfrentar um momento de dificuldade ganhando autonomia e força interior. Ele permite que você tenha a ideia de que nada pode ser tirado de você, mesmo que tirem tudo de você".
Mas quem é esse Deus? Na conversa mais intensa do quinto episódio, pergunta-lhe diretamente seu amigo Klaas Smelik, que durante anos tentará publicar seus diários. Etty responde que não é o Deus da religião, mas um "buraco" dentro de si que a leva a superar o medo e o sofrimento para se dedicar ao outro. É uma troca poderosa, mas seria limitado reduzir à mera psicanálise a coragem de Etty, judia não praticante que rejeita o Deus dos exércitos bíblicos para se aproximar de um Deus que está dentro do homem, um Deus de misericórdia que a tornou tão amada até mesmo pelo mundo cristão. Só assim podemos compreender melhor seu sacrifício de amor ao escolher ser enviada para trabalhar no campo de triagem de Westerbork como membro do Comitê Judaico para confortar os deportados, sabendo que sua vida está em risco.
De lá, em 1943, ela foi enviada para os campos de concentração na Polônia com toda a família, morrendo em Auschwitz em 30 de novembro de 1943, véspera de seu trigésimo aniversário. Em suas notas de direção, porém, Levi revela e esclarece: "Cresci como um devoto judeu ortodoxo. Aos vinte anos, abandonei aquele mundo à força, com violência, abandonando as perguntas sobre Deus, a fé e o sentido da vida. Tentei preencher o vazio e a depressão resultantes com trabalho, ambição e sucesso; na maior parte, em vão. Hillesum oferecia uma outra opção: uma religiosidade diferente, um novo senso da fé, para além da religião institucional".
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