04 Setembro 2025
O presidente chinês consolida sua aliança com os líderes da Rússia e da Coreia do Norte. Ele os recebeu para celebrar o 80º aniversário da vitória sobre o fascismo japonês. A mensagem para Washington e a resposta americana.
A reportagem é de Sebastián Cazón, publicada por Página|12, 04-09-2025.
De Pequim
Oitenta tiros ecoaram na terça-feira na imensa Praça da Paz Celestial, o centro político e simbólico de Pequim, dando início ao maior desfile militar da história recente. Foi um tiro para cada ano desde a vitória da China sobre o fascismo japonês durante a Segunda Guerra Mundial e o início de um evento massivo no qual Xi Jinping deixou claro ao mundo que pretende posicionar seu país como líder indiscutível da nova ordem mundial. "A revitalização da nação chinesa é imparável", declarou o presidente asiático, recebendo aplausos de cerca de vinte chefes de Estado presentes, incluindo, na primeira fila, o russo Vladimir Putin e o norte-coreano Kim Jong-un. A imagem histórica dos três líderes juntos pela primeira vez representou uma mensagem desafiadora a Washington e provocou uma reação imediata de Donald Trump. Entre fúria e ironia, o republicano os acusou de "conspirar contra os Estados Unidos".
De armas e discursos
Em uma limusine Hongqi de fabricação chinesa, Xi Jinping exibiu seu poderio militar e apoio internacional. Na Avenida Chang'an, em meio a bandeiras chinesas e do Partido Comunista, o presidente inspecionou as tropas do Exército de Libertação Popular (ELP), que se moviam com coordenação precisa, entoando: "Lutem para vencer! A justiça prevalecerá! A paz prevalecerá! O povo prevalecerá!" Da hora e meia que durou o evento, o presidente falou apenas sete minutos. O restante do tempo foi dedicado à demonstração do desenvolvimento moderno de suas forças terrestres, marítimas e aéreas, que compõem a tríade nuclear. Ele exibiu mísseis hipersônicos e intercontinentais, drones de reconhecimento e ataque, equipamentos ciberespaciais, veículos blindados de última geração e caças que sobrevoaram o parque.
Durante seu breve discurso para mais de 50 mil convidados, o presidente citou a Guerra de Resistência como exemplo para delinear os desafios globais do século XXI. Ele observou que o conflito de 1937-1945 foi "a primeira vitória abrangente da China contra a agressão estrangeira nos tempos modernos" e indicou que, na luta contra o fascismo japonês, "o povo chinês deu uma importante contribuição para salvar a civilização humana e defender a paz mundial com imenso sacrifício". Com base nessa premissa histórica, e em meio a crescentes tensões com os Estados Unidos, Xi Jinping alertou que "hoje, a humanidade mais uma vez enfrenta a escolha entre paz ou guerra, diálogo ou confronto". Nesse contexto, prometeu que "permaneceriam firmemente do lado certo da história" e buscariam "unir forças com o resto do mundo para construir uma comunidade com um futuro compartilhado". Por fim, enfatizou aos seus adversários geopolíticos que "a revitalização da nação chinesa é imparável".
🇨🇳 Se você perdeu o Desfile da Vitória da China, aqui está um vídeo de 60 segundos com os principais momentos.
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Via @DD_Geopolitics pic.twitter.com/B6i1UrZPXD
Chá para três
A comemoração do 80º aniversário do fim da guerra, que homenageou veteranos e aqueles que contribuíram para a vitória chinesa, ganhou maior relevância internacional devido à presença de Vladimir Putin e Kim Jong-un. A fotografia de Xi Jinping, ladeado à direita pelo líder russo e à esquerda pelo líder norte-coreano, acrescentou intensidade política a um encontro que reuniu um total de 26 líderes de diferentes países. Também estiveram presentes o presidente bielorruso, Alexander Lukashenko; o presidente iraniano, Masoud Pezeshkian; o primeiro-ministro paquistanês, Shehbaz Sharif; e o chefe de Estado cubano, Miguel Díaz-Canel, entre outros.
A forte participação da China no Dia da Vitória se soma às visitas realizadas esta semana à Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Vinte países, representando quase metade da população mundial, reuniram-se no domingo e na segunda-feira em Tianjin para participar deste fórum, que se apresenta como um verdadeiro multilateralismo e desafia a ordem liderada por Washington.
O encontro sem precedentes entre Xi Jinping, Putin e Kim Jong-un seguiu a mesma linha. Enquanto Donald Trump rejeita alianças ocidentais e impõe penalidades tarifárias aos seus aliados, do outro lado do Pacífico, os três líderes decidiram aparecer juntos pela primeira vez e sinalizar um vínculo mais forte.
🇨🇳 As formações militares femininas da China são impressionantes!
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Parada da Vitória, Beijing, 3 de setembro de 2025. pic.twitter.com/x0tQOShATk
Fúria na Casa Branca
Minutos depois de os três chefes de Estado caminharem juntos pelo tapete vermelho na Praça da Paz Celestial, Trump lançou uma mensagem carregada de fúria e ironia nas redes sociais. Primeiro, cumprimentou o "maravilhoso povo chinês" pela celebração do 3 de setembro e, em seguida, fez um pedido especial a Xi Jinping. "Mandem minhas mais calorosas saudações a Vladimir Putin e Kim Jong-un enquanto conspiram contra os Estados Unidos da América", escreveu, com raiva.
A polêmica publicação foi publicada duas semanas depois de Trump ter se reunido bilateralmente com Putin no Alasca para tentar negociar um cessar-fogo na Ucrânia. "Estou muito decepcionado com o presidente Putin, posso dizer isso", disse o republicano na terça-feira, quando questionado se se sentia traído pelo presidente russo. "Tínhamos um ótimo relacionamento. Estou muito decepcionado", lamentou, embora não tenha esclarecido se estaria disposto a aceitar qualquer repreensão.
Diante do poderio militar chinês e do eixo que está sendo construído por China, Rússia e Coreia do Norte, Trump afirmou que "não está nem um pouco preocupado". "Temos as forças armadas mais fortes do mundo, e eles jamais as usariam contra nós. Acredite, isso seria a pior coisa que poderiam fazer", concluiu em tom ameaçador.
Não se trata apenas de uma foto da Cúpula da Organização para a Cooperação de Xangai. É a estampa da marcha do Sul Global para a nova ordem, enquanto o antigo centro sistêmico se isola com políticas erráticas e unilaterais, a China assume as rédeas da transição sistêmica. 🧶🇨🇳 pic.twitter.com/5LJ5Qvqbs4
— Diego Pautasso 🧉 (@dgpautasso) September 3, 2025
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