09 Agosto 2025
"O Eclesiastes não é muito rigoroso no plano lógico, mas oferece uma intuição esclarecedora: o verdadeiro dom divino aos homens foi dotá-los da percepção do tempo".
O artigo é de Luciano Canfora, historiador italiano, publicado por Corriere della Sera, 05-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Uma pequena e ativa editora de Lucca, La Vela, empreendeu uma importante operação inovadora por iniciativa de Sergio Valzania, poliédrico estudioso de história. Uma operação que visa abordar, e se possível preencher, uma das lacunas mais conhecidas na cultura dos leitores de livros: o conhecimento da Bíblia. Escolheu publicar em italiano, baseando-se na chamada "Bíblia da Conferência Episcopal Italiana", infelizmente também acolhendo seus defeitos, em forma de pequenos volumes, cada livro do Antigo e do Novo Testamento. Os três primeiros volumes, lançados recentemente, são escolhidos por um critério tipológico: Gênesis, um texto sapiencial como Qoheleth (isto é, Eclesiastes, como diria o incansável tradutor Jerônimo, padre da Igreja), e o Cântico dos Cânticos (que deveria ser apropriadamente atribuído à eufórica literatura helenística, muitas vezes sacrificada até mesmo nos currículos escolares).
O leitor não é informado sobre como esse corpus do Antigo Testamento foi formado ao longo dos séculos. Isso teria prejudicado a intenção divulgativa. O frescor de um contato direto é um bom objetivo, mas tem a desvantaem de deixar na sombra a diacronia e as oscilações que estão na base da coleção. Seria fácil objetar que mesmo a Ilíada — que lemos e apreciamos como um texto unitário — é o resultado da agregação (de acordo com teorias bem conhecidas) de cantos formados ao longo do tempo. Mas ninguém poderá negar que uma mente brilhante unificou todo o poema. A aparência compacta e o encadeamento da trágica história, culminando no choro de Príamo nos joelhos de Aquiles, fazem dela, com razão, a progenitora de milênios de atividade literária.
Esse não é o caso do Antigo Testamento, nem mesmo do Novo, construções feitas de tijolos de diferentes épocas e procedências, compiladas, com intenção dogmática, dentro de um Cânone.
Mas vamos ao Eclesiastes, que desejamos discutir aqui para ilustrar a empreitada de La Vela como um todo. A observação de Valzania na nota introdutória é apropriada. O Eclesiastes é o livro de onde se originam um grande número de "máximas", ainda mais significativas dada a extrema brevidade do texto: de "Vaidade das vaidades, tudo é vaidade" a "Nada de novo sob o sol". Eclesiastes é o nome do autor e aparece, ao estilo arcaico, tanto como introdução quanto como título.
Modelos gregos e iranianos convergem: de "Assim fala Dario" da inscrição rupestre de Bisutun (e Dario é o Grande Rei dos Persas) às laicas introduções de Hecateu, Heráclito e Heródoto. A composição arcaica incorpora o título ao texto, essencialmente para garantir sua atribuição. (Eles eram, de fato, "livros" antes de se tornarem parte de um cânone) O Eclesiastes traça, através de muitas reviravoltas, misturando versos e prosa (talvez uma pista sobre o tipo de circulação que o texto teve quando era um "livro"), um caminho — que se pretende fruto da experiência — em busca da "felicidade": uma busca obstinada, conduzida por todos os meios. A chegada é antecipada bem antes do final do livro (3,10-12). "O trabalho que Deus deu aos filhos dos homens, para com ele os exercitar", escreve ele, pode ser condensada nestes termos: “tudo fez formoso em seu tempo” e também “pôs no coração” do homem “a eternidade”, mas, infelizmente, “sem que este possa descobrir a obra que Deus fez desde o princípio até ao fim”. E, portanto, conclui — antecipando correntes de pensamento subsequentes — “tenho entendido que não há coisa melhor para eles do que alegrar-se e fazer bem na sua vida".
Não está fora de questão que o final do diálogo leopardiano entre a Natureza e um islandês, onde a Natureza explica ao infeliz islandês, empenhado na vã busca da felicidade, que o mundo não foi construído em função dele, sofra daquela observação do Eclesiastes sobre a incognoscibilidade da razão que subjaz à realidade. Uma aquisição conceitual que é quase precursora do ateísmo: o que, no entanto, não é a conclusão de Eclesiastes. Que, embora ciente de que — como afirma — "tudo é vaidade", resolve a ação humana no "desfrutar da felicidade" na "própria vida".
Epicuro desvinculou os deuses da ação humana e os colocou em algum lugar para não fazerem nada; outros, depois dele, concluíram que, portanto, se poderia prescindir deles e, portanto, fazia pouco sentido admitir sua existência.
O Eclesiastes não é muito rigoroso no plano lógico, mas oferece uma intuição esclarecedora: o verdadeiro dom divino aos homens foi dotá-los da percepção do tempo ("pôs a eternidade no coração do homem"). O sentido da diacronia, isto é, da história: grande recurso do homem abandonado à sua própria sorte.