29 Julho 2025
Em uma entrevista anterior do Bondings 2.0, o Padre Andrea Conocchia, pastor italiano, compartilhou como sua paróquia, a Paróquia da Bem-Aventurada Virgem Imaculada, perto de Roma, se tornou um local de acolhimento para um grupo de mulheres transgênero. Na publicação de hoje, entrevisto uma dessas mulheres, Marcella, que fala sobre sua jornada de exclusão, sua redescoberta da fé e a revolução silenciosa de se sentir em casa na Igreja.
A entrevista é de Elisa Belotti, publicada por New Ways Ministry, 26-07-2025.
Como sua jornada começou?
Tudo começou durante a pandemia, quando estávamos em confinamento. A maioria das mulheres trans aqui são profissionais do sexo e, quando a Covid-19 chegou, perdemos todos os nossos clientes. Não tínhamos como ganhar dinheiro, nem como comer.
Uma de nós foi até Dom Andrea Conocchia em busca de ajuda e, quando ele a ajudou, ela espalhou a notícia, uma a uma, porque todos estávamos na mesma situação. Então, viemos à paróquia.
Foi uma mudança de mentalidade muito importante para nós, pois sempre nos sentimos excluídos e éramos excluídos da Igreja. O fato de esse padre nos ter ajudado foi significativo. Para mim, foi uma maneira de reencontrar minha fé.
Sempre houve ódio contra nós. Mas essa nova experiência nos fez sentir como seres humanos. Nos fez sentir que a Igreja também pode nos amar. Jesus sempre deu amor sem se importar com a aparência ou as características de uma pessoa. Ele olhava para a alma e nada mais.
Depois veio mais apoio, junto com o encontro com o Papa Francisco. Nunca na minha vida imaginei que encontraria um papa.
Você nasceu no Uruguai. Como foi descobrir que era uma mulher trans? E como era sua relação com a fé lá?
Desde criança, eu sabia que era uma menina. Eu gostava dos brinquedos considerados para meninas, mesmo sabendo que era algo com que eu não deveria brincar. Mas, para mim, parecia natural. Quando minha mãe ia trabalhar, eu brincava com as roupas dela. Parecia normal para mim.
Então, quando criança, percebi que as pessoas olhavam fixamente, que os vizinhos conversavam.
Comunguei aos 9 anos. Aos 11, contei ao padre que me sentia atraída por um colega de classe – um menino – e ele me disse que era pecado. Daquele momento em diante, me afastei da Igreja. Eu tinha minha fé, mas rezava em casa. Não fui mais à igreja nem à missa de domingo.
Quando cheguei à Itália, a Covid-19 eclodiu, e foi uma tragédia. Muitas pessoas morreram. Mas, de alguma forma, também nos uniu. Se não fosse por isso, talvez as outras mulheres trans e eu não tivéssemos voltado para a igreja.
Tivemos a oportunidade de retornar, receber bênçãos, ir à missa, reviver nossa fé em comunidade. Pudemos permanecer juntos, ouvir uns aos outros sem preocupações, sentar à mesa e ser servidos, comer com outras pessoas – muitas vezes, também excluídas e marginalizadas, como os moradores de rua. Essa experiência é uma riqueza que nunca imaginamos que poderíamos vivenciar.
Como é a vida na paróquia hoje?
Agora me sinto em casa. Toda vez que vou ao culto de domingo na igreja, vejo as mesmas pessoas, então nos cumprimentamos, nos conhecemos.
As pessoas costumavam se afastar. Elas tinham medo. Às vezes isso ainda acontece, mesmo quando não nos conhecemos muito bem. Mas quando você realmente conhece alguém, percebe que somos todos iguais. É uma redescoberta da nossa humanidade e das nossas personalidades. Uma redescoberta mútua.
Na paróquia, somos como todos os outros. Participamos das atividades da comunidade. Pedimos orações, por exemplo, pelos nossos entes queridos que faleceram ou em homenagem aos santos dos países onde nascemos.
Estes são passos reais para viver uma verdadeira experiência de uma Igreja aberta e inclusiva. Aqui, vivenciamos verdadeiramente a comunidade e a fraternidade.
Em um nível espiritual, o que você vivenciou durante esses cinco anos?
Levo comigo as palavras que o Papa Francisco me disse quando nos conhecemos: "Somos todos filhos de Deus, não importa o que os outros digam, mesmo que julguem. Somos todos normais, todos filhos de Deus."
Essas palavras ficaram gravadas em minha mente e alma. O Papa tinha a capacidade de nos ajudar a redescobrir o sentimento de sermos filhos. Senti que Deus é um pai que nos abraça. Ele nos faz sentir como uma filha, um filho ou uma criança amada, exatamente como somos e porque somos como somos.
Estas são palavras e ações que você não pode esquecer. Sua proximidade era real. O Papa Francisco soube cuidar de nós e nos acompanhar. Para mim, ele foi um benfeitor, um protetor dos pobres, um testemunho vivo do Evangelho.
Que mensagem você gostaria de enviar às pessoas trans que se sentem excluídas e sozinhas?
Eu repetiria as palavras que o Papa Francisco me disse quando nos encontramos: "Não percam a fé. Continuem acreditando em Deus, porque Ele sempre nos ama do jeito que somos."
Eu diria: espero que você encontre um padre que o compreenda, o ouça e o acolha. Espero que você encontre uma Igreja unida que o acolha verdadeiramente.
Aqui, somos felizes. No nosso bairro, somos um grupo de mais de 40 mulheres trans e, ao longo desses anos, nos unimos. Esquecemos nossos problemas e nos abrimos umas com as outras. Rimos, choramos e nos apoiamos.
É realmente lindo. É isso que a Igreja realmente é.