24 Junho 2025
"O discurso de ódio e a banalização da violência contra minorias jogam um papel importante no aumento da violência dentro das escolas", escreve Leandro Basegio, em artigo publicado por Extra Classe, 23-06-2025.
Leandro Basegio é doutor e mestre em Sociologia pela Ufrgs, com especialização em Educação pelo Centro Universitário Unilasalle, e graduação em História, com licenciatura plena pela Ufrgs. É autor de livros sobre fundamentos teóricos e metodológicos das Ciências Humanas e da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Como pesquisador, investiga os fenômenos da violência, criminalidade e criminogenia. É docente da rede municipal de ensino de Porto Alegre, atuando no ensino regular e na modalidade de EJA.
A violência nas escolas não é um fenômeno recente e remonta ao surgimento da própria instituição escolar. No entanto, em anos recentes tem chamado a atenção a escalada no número de casos, agravados por episódios de violência extrema, tais como os massacres de Realengo (2011) e de Suzano (2019), para citarmos os de maior repercussão.
O MEC considera, em sentido lato, que quatro tipos de violências afligem as comunidades escolares: i) as agressões extremas, que resultam em ataques letais; ii) as violências interpessoais, caracterizadas pelas hostilidades entre alunos e entre esses e seus professores; iii) o bullying, definido como agressões físicas ou morais – estas últimas também através de redes sociais, o cyberbullying – recorrentes e prolongadas; e, iv) a violência institucional, que envolve as práticas excludentes promovidas pela própria escola, quando, por exemplo, utiliza materiais didáticos que não levam em conta questões como a diversidade cultural, de gênero e de raça.
Os números são alarmantes para todos esses tipos de violência. De acordo com o Sistema de Informações de Agravos e Notificações (Sinan/SUS), que registra em todo o país os casos de violência atendidos pelos serviços de saúde, públicos ou privados, entre 2013 e 2023, houve 60.985 vítimas de violência interpessoal em escolas. Em 11 anos, a variação foi de 247,8%. Considerando apenas os casos de violência autoprovocada, no mesmo recorte temporal, a variação positiva foi 954,5%.
Quanto aos episódios de violência extrema, o relatório Ataques de violência extrema em escolas no Brasil (2025) indica que, entre 2001 e 2024, foram realizados 42 ataques desse tipo no país. Impressiona o fato que 64% desses episódios ocorreram somente entre os anos de 2022 e 2024.
Diante desses dados, não há como não questionarmos sobre as causas dessa aceleração nos índices de violência escolar. Algumas hipóteses podem ser colocadas e todas merecem alguma discussão.
É possível pensar que houve uma melhoria na coleta dos dados, uma vez que admitimos que a violência escolar é um fenômeno histórico. Contudo, parece pouco provável que apenas ajustes metodológicos produziriam um salto tão drástico nos números.
É preciso levar em conta o ambiente social que estamos experimentando nesta última década para ver se a partir dele encontramos algumas respostas satisfatórias. A radicalização dos debates público e político, marcada pelo avanço dos discursos de ódio e de banalização da violência contra minorias (mulheres, negros e grupos LGBTQIA+), certamente joga um papel importante no aumento da violência dentro das escolas.
O chamado bullying, conceito criado para caracterizar o tipo de violência que ocorre entre estudantes e nas escolas, muitas vezes tem como substrato preconceitos já cristalizados na sociedade brasileira. Ora, não é por acaso que das 13.117 agressões interpessoais registradas nas escolas brasileiras, apenas no ano de 2023, 60,6% das vítimas foram mulheres e 52,6% pessoas que se declaram como pretas ou pardas. Em 2024, 90% dos estudantes LGBTI+ afirmaram terem sido vítimas de agressões verbais e 35% de agressões físicas dentro do ambiente escolar.
A banalização dos discursos violentos e de ódio faz com que essas agressões passem quase desapercebidas nas escolas. Quando notadas, muitas vezes são qualificadas simplesmente como bullying – o que também acaba barateando esse conceito – e se buscam soluções como a mediação entre agressores e vítimas, nem sempre eficazes para enfrentar problemas que têm raízes sociais bem mais profundas. Tampouco medidas repressivas ou a militarização das escolas adiantam (três escolas militarizadas sofreram ataques extremos, em todas houve uma morte), a não ser como panaceia para os discursos políticos que têm contribuído para a aumentar a conflitualidade em todos os ambientes sociais, o que reflete diretamente nas escolas. Os números têm mostrado isso.
O fato é que temos problemas que se interseccionam e que não têm soluções fáceis nem rápidas. A contribuição que as escolas podem dar para que o ambiente escolar se torne mais seguro e menos tolerante às agressões é discutir abertamente sobre as diferentes formas de violência escolar e seus condicionantes sociais. Por fim, trata-se de dar visibilidade a essas violências e de analisar suas raízes, tal como ampliar os espaços democráticos, onde os estudantes, os pais, os funcionários e os professores possam expressar como sentem essas violências e possam debater medidas viáveis para amenizar esses episódios no cotidiano escolar.
O autor fez a abertura do programa Conversa de Professor 2025 – com o painel Bullying – quando ele chega às escolas?, que pode ser acessado na íntegra no Canal da Fundação Ecarta no Youtube.