05 Junho 2025
Em entrevista ao jornal "La Stampa", o secretário de Estado Vaticano pede que "o bloqueio à ajuda humanitária seja suspenso com urgência" em Gaza, diante da "enorme tragédia" em andamento. Trabalhemos por uma paz, na Ucrânia, que "proteja a dignidade de todos, sem humilhações". A corrida armamentista na Europa é desestabilizadora; "um esforço coordenado para uma iniciativa de pacificação é urgentemente necessário".
Entrevista com Pietro Parolin, por Domenico Agasso, publicada em La Stampa, 04-06-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado do Vaticano, após a ineficácia da cúpula de Istambul, quais são os passos a serem dados para tentar deter as hostilidades na Ucrânia?
O fracasso da cúpula de Istambul não pode e não deve marcar o fim dos esforços para parar a guerra. A Santa Sé, fiel à sua missão de paz, renova com força o apelo para não ceder à lógica da violência e ao falso realismo que quer a guerra como inevitável. Nenhuma guerra é inevitável, nenhuma paz é impossível. As armas podem e devem se silenciar para dar espaço à esperança da paz. É o que pede o Evangelho e clamam os povos que sofrem. O Papa Leão XIV assumiu este empenho: ‘Para que essa paz se espalhe, empregarei todos os esforços. A Santa Sé está à disposição para que os inimigos se encontrem e se olhem nos olhos, para que aos povos seja devolvida a esperança e seja restituída a dignidade que merecem, a dignidade da paz’. Embora a cúpula de Istambul pareça um fracasso, espero que possa ser considerada um primeiro passo em direção à paz.
O Pontífice colocou a urgência de uma paz ”justa e duradoura" na Ucrânia: o que isso significa concretamente?
Significa, em primeiro lugar, que não existe uma paz autêntica se ela for apenas o resultado de uma solução imposta ou do medo mútuo. Uma paz verdadeira se constrói a partir de dentro, é fruto de um diálogo profundo, respeitoso e sério entre as partes envolvidas. Não se pode falar de paz verdadeira se um país nega a existência de outro país. Uma paz é ‘justa’ quando reconhece e protege a dignidade de todos, sem humilhações, sem condições que deixem feridas abertas. E uma paz entre os Estados é ‘duradoura’ apenas se assentar em bases sólidas de direito internacional, de respeito pela justiça e pela liberdade, e não em equilíbrios precários garantidos pelas armas. A Igreja e a Santa Sé continuam a apoiar tanto os atores internacionais e os responsáveis das nações, pedindo a todos que não fechem a porta ao diálogo, porque só assim poderemos ver um dia uma paz autêntica, justa e duradoura, quanto aqueles que, muitas vezes em silêncio e em oração, tecem caminhos de paz, porque eles são os verdadeiros artesãos da paz.
A corrida ao rearmamento parece acelerar em várias partes do mundo, a começar pela União Europeia: qual é a posição da Santa Sé? Como se coloca o conceito de legítima defesa?
O aumento das despesas militares verificado nos últimos anos, cuja dinâmica se intensificou recentemente, demonstra como existe uma forte percepção de um mundo inseguro e fragmentado. Embora seja legítimo e necessário o empenho de cada país em salvaguardar a soberania e a segurança, é sempre preciso questionar-se em que medida o fortalecimento do poder militar pode ajudar a aumentar a confiança entre as nações e contribuir para a construção de uma paz duradoura. É importante ressaltar também que o direito à autodefesa não é absoluto. Ele deve ser acompanhado não apenas pelo dever de minimizar e, quando possível, eliminar as causas profundas ou a ameaça de um conflito, mas também pelo dever de limitar as capacidades militares àquelas necessárias para a segurança e a legítima defesa. O acúmulo excessivo de armas, embora permita obter uma vantagem estratégica muitas vezes procurada, não está isento do risco de alimentar ainda mais a corrida armamentista, fomentar a ameaça e o medo do outro, contribuir para uma desestabilização que pode levar a uma situação dramática para todos. É urgente reencontrar um equilíbrio pacífico nas relações internacionais e prosseguir num esforço coordenado para um impulso pacificador do desarmamento.
O conflito em Gaza continua a causar massacres de civis. Qual é a posição da Santa Sé sobre a conduta do governo israelense?
Como em outros conflitos, a Santa Sé não compartilha a estratégia da guerra para a resolução de problemas e, assim como grande parte da comunidade internacional, pede que o bloqueio das ajudas humanitárias seja removido com urgência. É aceitável em 2025 ter que assistir ao que está acontecendo em Gaza, onde a população civil está exposta a uma imensa tragédia humanitária? Até agora, as duas tréguas realizadas resultaram na libertação de mais de 140 reféns, mostrando que a negociação tem sua eficácia intrínseca, especialmente em um contexto tão complexo. Como desejado por muitos países, também para a Santa Sé essas negociações devem ser inseridas no âmbito de um processo político que vise resolver de forma mais global a questão israelense-palestina e estabilizar todo o Oriente Médio.
Após as tensões dos últimos meses, a presença do presidente israelense Isaac Herzog na missa de início do pontificado de Leão XIV é sinal de um novo rumo nas relações diplomáticas entre o Vaticano e o mundo judaico?
A Santa Sé nunca fechou a porta a ninguém. Pelo contrário, na última década, se houve um líder no mundo que condenou constantemente o antissemitismo, sem hesitação, esse foi justamente o Papa Francisco, que reiterou várias vezes que ‘quem é cristão não pode ser antissemita’, assim como reconhecido por muitas comunidades judaicas. Portanto, o Papa Leão XIV continuará a desenvolver as relações judaico-cristãs, que, por parte católica, nunca foram postas em discussão, nem mesmo diante do inquietante fenômeno dos cuspes que alguns indivíduos judeus lançam contra os cristãos, em Jerusalém. Quanto a Herzog, ele é o presidente de um Estado e atua em um plano diferente da religião, ou seja, o político, que a Santa Sé espera cultivar com vistas a um processo de paz justa e duradoura e de temas de interesse comum entre os dois Estados.
Os Estados Unidos e a China parecem estar caminhando para um novo bipolarismo global. Como lidar com essa dinâmica geopolítica e econômica?
A Santa Sé continua convencida de que o diálogo é a única via viável para evitar que as divergências entre esses dois países e os seus respetivos interesses degenerem em contraposição. Neste momento, é necessário evitar o risco de que o conflito entre as duas superpotências seja visto como o único desfecho possível. Nesse sentido, é fundamental que Pequim e Washington continuem o diálogo iniciado, procurando reduzir as tensões existentes e encontrar pontos de contato em questões-chave, como o comércio e a segurança. Da mesma forma, é importante que os outros países e as organizações internacionais cooperem para um retorno em auge do multilateralismo e para o desenvolvimento de um multipolarismo equilibrado, que garanta a estabilidade global. Diplomacia, respeito mútuo, justiça e transparência são instrumentos indispensáveis para enfrentar essa situação complexa, na busca de soluções que possam favorecer paz, desenvolvimento e sustentabilidade para todos.
Que significado tiveram os encontros e as conversas entre os líderes mundiais no funeral de Francisco e na missa de posse de Leão XIV?
Considero que foram um sinal significativo do reconhecimento internacional do empenho da Santa Sé em favor da paz. Um empenho confirmado justamente pelas primeiras palavras do Papa Leão XIV, que foram um veemente apelo para juntos construirmos pontes. Parece-me que a comunidade internacional o tenha acolhido com interesse e os diálogos que se realizaram nos dias seguintes centraram-se precisamente na necessidade de pôr fim aos conflitos, reconhecendo à Santa Sé um papel credível na sua resolução.