O PL da Devastação e a falsa promessa do progresso. Artigo de Bruno Araujo

Foto: IBAMA

Mais Lidos

  • Alessandra Korap (1985), mais conhecida como Alessandra Munduruku, a mais influente ativista indígena do Brasil, reclama da falta de disposição do presidente brasileiro Lula da Silva em ouvir.

    “O avanço do capitalismo está nos matando”. Entrevista com Alessandra Munduruku, liderança indígena por trás dos protestos na COP30

    LER MAIS
  • Dilexi Te: a crise da autorreferencialidade da Igreja e a opção pelos pobres. Artigo de Jung Mo Sung

    LER MAIS
  • Às leitoras e aos leitores

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

29 Mai 2025

"O PL 2159/2021 é um retrato cruel do que o capitalismo faz quando quer aumentar suas taxas de lucro: acelera sua máquina de destruição, mesmo que isso signifique colocar toda a sociedade em risco. O discurso do “progresso” nunca foi neutro — e nunca foi para todos", escreve Bruno Araujo, geógrafo, especialista em Clima e Políticas Públicas, mestrando em Planejamento Urbano com foco em clima, assessor parlamentar para justiça climática (ALERJ), em artigo publicado por ((o))eco, 28-05-2025.

Eis o artigo.

Imagine viver em um país que, diante da maior emergência da história da humanidade — a climática —, decide abrir mão de sua principal ferramenta de controle ambiental. Um país que, em vez de fortalecer os mecanismos de prevenção e combate, escolhe enfraquecer ainda mais as leis, desmontar a fiscalização, silenciar povos tradicionais e abrir as porteiras para o desmatamento, a grilagem e a poluição em larga escala.

Esse país é o Brasil, e o projeto de lei 2159/2021 — apelidado de “PL da Devastação” — é o retrato desse caminho suicida travestido de “modernização”.

Apresentado como uma “Lei Geral de Licenciamento Ambiental”, o PL está sendo vendido pela bancada ruralista como um marco de eficiência e desburocratização. Mas o que ele entrega é o oposto: fragiliza os órgãos ambientais, ameaça comunidades, ignora completamente a crise climática e ainda fere a Constituição. A começar pela proposta de dispensar licenciamento para diversas atividades agropecuárias em larga escala, ignorando decisões do Supremo Tribunal Federal e, na prática, institucionalizando o desmatamento — especialmente no Cerrado e na Amazônia. Sob o pretexto de acelerar o “desenvolvimento”, libera-se o uso predatório da terra e o avanço sobre áreas protegidas, premiando grileiros e desmatadores.

Mais do que um retrocesso, o PL representa um risco direto à vida de milhões. A proposta permite, por exemplo, que empreendimentos de médio porte façam autolicenciamento ambiental — bastando preencher um formulário para começar a operar, sem vistoria, estudo prévio ou qualquer análise técnica. Também permite que as licenças ambientais sejam renovadas automaticamente, tornando as vistorias uma exceção e enfraquecendo drasticamente a fiscalização. Em um país que já sofre com desastres ambientais recorrentes — como os crimes de Mariana e Brumadinho (MG), o crime que fez Maceió afundar, a poluição em Volta Redonda (RJ) —, retirar o poder dos órgãos de controle é o mesmo que assinar um cheque em branco para novos desastres.

O texto ainda abre espaço para uma guerra regulatória ao permitir que estados e municípios decidam, sozinhos, o que precisa ou não de licença. O resultado? Um cenário de insegurança jurídica, decisões arbitrárias e conflitos interestaduais crescentes: vence aquele que protege menos para atrair mais indústrias. Além disso, o PL separa o licenciamento do uso da água, ignorando completamente a gestão hídrica, o que pode agravar crises de escassez em várias regiões. Nem mesmo o básico foi garantido: a palavra “clima” não aparece uma única vez no texto. Isso, às vésperas da COP 30, em que o Brasil tenta se posicionar como liderança global na pauta ambiental.

Como se não bastasse, o projeto silencia povos e comunidades tradicionais, desconsiderando terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas não titulados. A consulta à Funai, ao Iphan e ao ICMBio torna-se mera formalidade — um rito simbólico que pode ser ignorado por quem quiser licenciar empreendimentos em territórios tradicionais. Os conselhos ambientais perdem poder, e decisões cruciais, como a exigência de Estudos de Impacto Ambiental, passam a ser tomadas por quem emite a licença — abrindo espaço para decisões tomadas sob pressão política, lobby ou corrupção.

Em ano de Conferência do Clima no Brasil, desmantelar o licenciamento pode ter como consequência aumentar o desmatamento, e assim, elevar, o Brasil — que hoje figura entre 6º e o 7º lugar — ao topo dos maiores emissores de GEE do planeta, nos tornando um caso emblemático de país subdesenvolvido com responsabilidade de país rico.

O PL 2159/2021 é um retrato cruel do que o capitalismo faz quando quer aumentar suas taxas de lucro: acelera sua máquina de destruição, mesmo que isso signifique colocar toda a sociedade em risco. O discurso do “progresso” nunca foi neutro — e nunca foi para todos. Quando se fala em crescimento a qualquer custo, esse custo costuma ser pago com a vida dos povos da floresta, das populações periféricas, dos trabalhadores e trabalhadoras que vivem na linha de frente da crise ecológica.

Não é progresso se destrói a natureza. Não é progresso se seca os rios. Não é progresso se envenena o ar. Isso é devastação, mascarada de desenvolvimento. A luta contra o PL da Devastação deve ser a luta por um outro modelo de sociedade — ecossocialista, popular, que coloque a vida, os biomas e os territórios no centro das decisões e a ecologia como premissa de qualquer ação, no lugar da economia e do lucro.

Precisamos romper com essa lógica de destruição em nome do lucro. Precisamos pressionar os parlamentares, ocupar as redes e as ruas, denunciar o que está em curso. Porque o que está em jogo não é apenas a Amazônia ou o Pantanal — é o nosso futuro. A conta do colapso climático já chegou, e se não barrarmos esse projeto agora, estaremos assinando embaixo de uma tragédia anunciada.

Acesse pldadevastacao.org, compartilhe as informações, pressione seus representantes. Diga não ao PL 2.159/2021. Diga não à devastação. Porque proteger o meio ambiente não é um entrave. É condição básica para que possamos continuar existindo.

SPOILER: Dia 17 de junho está marcada rodada de leilão da Agência Nacional do Petróleo para vender lotes na bacia do foz do Amazonas e em outros pontos do país. Os ataques vêm de muitos lados, às vezes de quem a gente achava que era aliado. A luta só para quando vencermos!

Leia mais