27 Mai 2025
Debate toma a esfera judicial em ação de entidades ambientais contra o Executivo.
A reportagem é de Bettina Gehm, publicada por Sul21, 24-05-2025.
Afinal, o Guaíba é rio ou lago? O debate sobre as águas que banham a capital gaúcha é antigo, mas agora chegou à esfera judicial. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS) marcou uma audiência pública sobre o tema para o dia 30 de maio, a fim de subsidiar o julgamento de uma ação civil pública movida por entidades ambientalistas contra o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Município de Porto Alegre.
Autores da ação, a Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), o Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e o Movimento de Justiça e Direitos Humanos (MJDH) querem que o Guaíba seja enquadrado à Lei de Proteção à Vegetação Nativa – Código Florestal – a fim de ampliar a proteção das comunidades no entorno do curso d’água.
O Código Florestal estabelece a área mínima a de proteção, a partir das margens, conforme a largura de cada curso d’água. Essa proteção inicia com 30 metros para cursos d’água de menos de 10 metros de largura, podendo chegar a 500 metros, quando o curso d’água tiver mais de 600 metros de largura.
Emerson Prates, do Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais, afirma que as próprias entidades ambientais vêm debatendo sobre a denominação do Guaíba. “Curso d’água tem a área de preservação de mata ciliar e de encosta. Mas a gente não tem essa definição pronta, se vamos levar essa ideia para frente ou se vamos adotar o rio mesmo, porque um curso d’água também é um arroio e é um rio”.
A preservação da mata ciliar na beira dos rios é importante por vários motivos. “Além de absorver as inundações, ela diminui a velocidade dos ventos, para que não chegue em áreas urbanas derrubando tudo”, elenca Emerson. “Ela regula os ciclos das chuvas, conservando elas. Não colocando concreto, também não se monta mais ilhas de calor”.
“Poderíamos chamar o Guaíba de rio, lago, estuário, sanga, açude, oceano, poça, ou qualquer outro nome, desde que tenhamos a proteção máxima possível prevista em lei”, explica Heverton Lacerda, presidente da Agapan. “O que temos em disputa, na realidade, não é um título nem uma definição técnica, mas sim os interesses do mercado de especulação imobiliária, que, literalmente, ganha terreno ao ter o Guaíba categorizado como lago, contra as necessidades da sociedade civil”, detalha.
“A nossa ação também cobra atenção ao artigo 225 da Constituição Federal, que estabelece o direito de todos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. O Guaíba, diferente do que diz o governo do Estado, não está preservado”, afirma Heverton. “Basta olhar para suas margens e água ou prová-la, o que não recomendo”.
Até os anos de 1990, o Guaíba foi considerado rio. A partir daí, passou a ser definido como lago, e essa é a denominação que a Prefeitura assumiu oficialmente. O fato é que a discussão foi reacendida após a cheia que inundou a cidade em maio de 2024.
Quando a Capital e o estado ainda estavam mensurando os estragos da enchente, o MJDH promoveu um debate sobre o Guaíba. Na ocasião, o professor Elírio Toldo Júnior, do departamento de Mineralogia e Petrologia da UFRGS, foi categórico: é rio – se fosse lago, já teria virado uma fossa, tamanha a quantidade de dejetos que deságuam nele.
A definição do Guaíba como rio é importante, segundo o professor, para medir corretamente o nível da água e prevenir transtornos em enchentes como a que ocorreu em 2024. No entanto, interessa ao setor imobiliário que o Guaíba seja definido como um lago, o que acarretaria em um estreitamento da área protegida em suas margens.
A principal evidência apresentada pelo professor para chamar o Guaíba de rio é seu desnível: diferente de um lago, a superfície da água é inclinada. “O peso da água se desloca no sentido do declive”, resumiu Elírio.
A importância desse dado num contexto de enchente só foi conhecida na catástrofe daquele mês de maio. Segundo o professor, a Zona Norte da Capital inundou mais que o resto da cidade porque – além dos evidentes problemas estruturais –, o desnível do Guaíba entre essa região e o Gasômetro chega a dois metros em uma cheia. Na região, o bairro Sarandi foi um dos que passou mais de um mês alagado.