12 Abril 2025
"Quais são exatamente os fatores que nos impedem de competir em pé de igualdade com os outros? O acesso gratuito à educação é suficiente? Deveríamos tornar o sistema tributário ainda mais progressivo? E não deveríamos avaliar as políticas de migração também pensando no senso de comunidade dos países que recebem essas pessoas e no impacto sobre os salários dos trabalhadores menos qualificados?", questiona Pietro Reichlin, pesquisador no Instituto Einaudi de Economia e Finanças (EIEF), professor de Economia na Universidade Internacional Livre Luiss Guido Carli de Estudos Sociais, em artigo publicado por La Stampa, 10-04-2025.
O ensaio de Daniel Chandler (“Liberi e uguali. Manifesto per una società giusta” [Livres e iguais. Manifesto por uma sociedade justa]): como tornar viáveis os preceitos de Rawl [1] sobre a justiça social.
O que define uma sociedade justa? O que distingue a esquerda da direita? Nunca teremos uma resposta definitiva, mas talvez possamos dizer que os pontos de referência ideológicos que serviram no passado para nos dar uma ideia mudaram profundamente. Nestes dias está sendo publicada a tradução de um livro que tem a ambição de propor uma resposta a esses dilemas para a esquerda (Daniel Chandler, Liberi e uguali, Laterza). A ideia de Chandler é recuperar os ensinamentos de Rawls, o filósofo que mais contribuiu para o renascimento da filosofia política no século passado, para dar à esquerda um projeto unificador de princípios fundamentais. As características próprias da esquerda são o igualitarismo e a correção dos resultados do mercado. A dificuldade é conciliar a redistribuição e a intervenção pública com a liberdade (econômica e política), a responsabilidade individual e a eficiência.
Durante os primeiros trinta anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, parecia que esses objetivos fossem conciliáveis, pelo menos na Europa, mas, desde meados da década de 1980, o modelo social europeu começou a apresentar algumas rachaduras, devido ao declínio demográfico, ao menor crescimento do PIB e da produtividade, à globalização e às tensões sociais causadas pelos fluxos migratórios. As consequências são a perda de confiança na capacidade dos partidos socialistas e dos sindicatos de resolver os problemas sociais e o surgimento de um populismo de viés conservador. Tudo isso privou a esquerda de uma bússola e criou uma profunda fratura dentro dela entre aqueles que propõem uma via “liberal” que atraia eleitores de centro e aqueles que gostariam de voltar ao trabalhismo ou se tornar intérpretes das demandas de um conjunto heterogêneo de grupos de interesse.
De acordo com Rawls, uma sociedade “justa” deve seguir um princípio de imparcialidade, ou seja, ser o produto de um contrato social em uma situação abstrata em que as partes contratantes ainda não sabem qual é sua condição econômica, estado físico ou talento. Esse “véu de ignorância” permite que todos raciocinem sobre o que é justo, “colocando-se no lugar dos outros” e sem a necessidade do paternalismo ou do planejamento vindo de cima. Vários princípios inevitáveis resultam desse exercício teórico. Os mais importantes são a salvaguarda dos direitos de liberdade individual (expressão, culto) e o “princípio da diferença”. As liberdades de expressão são necessárias porque o pluralismo é inevitável e fecundo e, sem liberdade, não seria possível desenvolver as ideias e opiniões que alicerçam o contrato social. O princípio da diferença afirma, por outro lado, que a sociedade deve admitir todas aquelas desigualdades que possam ser justificadas pelo objetivo de melhorar a posição daqueles que estão em pior situação na escala social. Isso é perfeitamente coerente com a abordagem contratualista e se baseia na ideia de que a equidade social não deve ser um axioma, mas brotar do interesse daqueles que participam do contrato por trás do véu da ignorância, reconhecendo o valor do interesse individual, do pluralismo e da responsabilidade.
Nessa condição abstrata, de acordo com Rawls, todos nós deveríamos concordar que é preciso ser livres para buscar o nosso bem-estar pessoal em uma medida que não prejudique aqueles que são particularmente desafortunados. Por outro lado, os resultados que podemos alcançar individualmente não dependem apenas da sorte, mas também do esforço e dos sacrifícios que estamos dispostos a fazer.
O princípio da diferença de Rawls, em sua essência, justifica a redistribuição, mas reconhece suas limitações se ela desestimular o trabalho e a inovação e corroer a eficácia dos incentivos.
Chandler argumenta que os princípios de justiça de Rawls oferecem um forte apoio a uma série de propostas concretas, desde a renda universal até a “codeterminação” nas empresas, à limitação das doações privadas para a política e aos empréstimos subsidiados para os estudos universitários. Com base nessa lista, podemos dizer que Chandler interpreta com bastante liberdade as ideias do filósofo estadunidense, buscando um compromisso justo entre princípios alternativos. Por exemplo, poder-se-ia pensar que os princípios de responsabilidade e de diferença levem a endossar a igualdade de oportunidades em detrimento da igualdade de resultados. Essa distinção, no entanto, desaparece se pensarmos as qualidades pessoais e a capacidade de trabalho como sendo equiparáveis ao resultado de uma loteria (ou seja, não seriam uma responsabilidade individual “verdadeira”). Mas poucas pessoas estão dispostas a aceitar que os incentivos possam ser irrelevantes, que os méritos devem ser cancelados e que tudo o que conseguimos realizar depende de como nossos genes foram selecionados e não de nossas escolhas.
E, no entanto, Rawls nos fornece argumentos eficazes em apoio à ideia de que o Estado deve procurar melhorar a condição daqueles que estão mais abaixo na escala social devido a causas independentes de sua responsabilidade direta. Uma tarefa fácil de ser enunciada, mas difícil de ser colocada em prática. Quais são exatamente os fatores que nos impedem de competir em pé de igualdade com os outros? O acesso gratuito à educação é suficiente? Deveríamos tornar o sistema tributário ainda mais progressivo? E não deveríamos avaliar as políticas de migração também pensando no senso de comunidade dos países que recebem essas pessoas e no impacto sobre os salários dos trabalhadores menos qualificados?
Concluindo, o livro de Chandler pode ser útil para estimular a esquerda italiana a pensar sobre a relação entre “valores” e “interesses” e a encontrar o justo compromisso entre estado e mercado, valorizando o papel das instituições e deixando para trás um marxismo economicista cujo único ponto de chegada é a utopia de uma sociedade alternativa desprovida de conflitos e ideias divergentes.
[1] - John Rawls (Baltimore, 1921 - Lexington, Massachusetts, 2002) foi um dos mais importantes filósofos estadunidenses contemporâneos, elaborando uma teoria neocontratualista de justiça social, retomando a tradição de Locke, Rousseau e Kant, que se baseia no pressuposto da escolha racional, por cada membro de um hipotético estado de natureza, dos princípios aos quais as instituições deveriam se conformar para serem consideradas justas.