12 Abril 2025
Produtos químicos eternos, chamados de PFAS, estão em todo lugar, da roupa impermeável à maquiagem. São associados a diversas doenças e levam milhares de anos para se decompor. E as soluções para combatê-los são caras.
A reportagem é de Natalie Müller, publicada por DW, 09-04-2025.
Em 2015, ao voltar de férias, a americana Andrea Amico encontrou quatro grandes envelopes amarelos sobre a mesa da cozinha – um para cada membro da família. Eles continham os resultados de exames de sangue feitos pelo Departamento de Saúde de seu estado, New Hampshire.
Um ano antes, ela lera um artigo sobre um poço de água potável de Portsmouth, fechado por conter altas taxas de substâncias per- e polifluoralquiladas (PFAS). O nível de um dos componentes dessa família, o sulfonato de perfluorooctano (PFOS), usado na espuma anti-incêndio, era 12 vezes superior aos limites recomendados na época pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA), e 600 vezes acima dos padrões atuais.
Proveniente de uma antiga base aérea próxima à cidade, em que se usava a espuma para fins de treinamento, o PFOS vazara para o solo, contaminando a água subterrânea. O poço d'água em questão se localizava bem ao lado do escritório de seu marido e da creche das crianças.
Os testes confirmaram o que se temia: a família apresentava níveis elevados de substâncias químicas no sangue, sendo a filha menor a mais exposta. "Foi devastador", lembra Amico.
A família das PFAS engloba cerca de 15 mil substâncias sintéticas apelidadas "forever chemicals" (produtos químicos eternos), pois não se decompõem naturalmente e levam milhares de anos para se dispersar.
Devido a sua capacidade de resistir a calor, umidade e sujeira, elas são usadas numa ampla gama de produtos industriais e para o consumidor, de trajes à prova d'água, maquiagem e tapetes antimanchas, a aparelhos médicos, semicondutores e turbinas eólicas.
Por outro lado, as PFAS se dispersam facilmente na água e ar, poluindo o meio ambiente. Ingeridas através da água e alimentos, elas se acumulam gradualmente no organismo, já tendo sido detectadas em sangue, cabelos e leite humanos.
Pesquisas as associaram a afecções como colesterol elevado, doenças da tireoide, disfunção hormonal, baixa fertilidade e algumas formas de câncer. Porém até agora poucas delas foram estudadas, e dessas, apenas uma parcela é regulamentada na União Europeia e nos EUA.
Desde que leu o artigo de jornal sobre o poço poluído em sua cidade, há mais de uma década, a terapeuta ocupacional Andrea Amico se ocupa das PFAS. Os exames de sangue a deixaram zangada e assustada, e sua família não estava só: nos cerca de 2 mil habitantes da área também submetidos a testes entre 2015 e 2017, constataram-se taxas de alguns dos poluentes eternos entre duas e três vezes superiores às da população em geral.
À busca de respostas sobre impactos para a saúde e prevenção, ela ajudou a fundar, em 2017, a Coalizão Nacional sobre Contaminação com PFAS, que se empenha por regulamentações mais eficazes e para que as companhias poluidoras sejam responsabilizadas. No ano seguinte, ela depôs perante o Senado no primeiro inquérito em torno das substâncias tóxicas.
Amico também contribuiu para que. em 2019. se realizasse uma análise de impactos para a saúde em sua comunidade, como parte de um projeto maior sobre áreas contaminadas no país, cujos resultados deverão ser divulgados em 2025.
O problema das PFAS se estende por muitas cidades, lugarejos e fazendas americanas. Testes realizados nos últimos anos indicaram que 98% da população tem taxas detectáveis no sangue e que grande parte da água encanada está contaminada.
Os métodos existentes para eliminar PFAS são complicados e custosos. Na antiga base aérea de Portsmouth, além de se construírem novas estações de tratamento de água subterrânea, foram instalados filtros para impedir a penetração de PFAS no poço contaminado.
Porém a filtragem, o método mais difundido para limpar a água, tem desvantagens: "No mais dos casos, as PFAS retidas nos filtros são só transportadas para um aterro sanitário em algum outro lugar, sem ser realmente destruídas", explica Dan Jones, professor de departamento de bioquímica e biologia molecular da Universidade Estadual de Michigan.
A incineração é outra opção, porém exige instalações especializas e consome muita energia. Outras tecnologias ainda estão em desenvolvimento, como o uso de ondas sônicas ou micróbios para destruir as substâncias na água. Ainda não está claro se podem ser usadas em larga escala e se são aplicáveis a mais do que uns poucos tipos de PFAS.
E a eliminação é apenas parte do problema: "Se quisermos reduzir o risco das PFAS, temos que 'fechar a torneira' para seus usos existentes e novos", enfatiza Alissa Cordner, socióloga ambiental do Whitman College, no estado de Washington, Ela considera a eventual proibição, pela União Europeia, de mais de 10 mil PFAS, um passo significativo. Uma resolução neste sentido está sendo avaliada.
Por sua vez, países como a França já tomaram medidas para banir os poluentes eternos de cosméticos, roupas e sapatos, entre outros produtos, além de decretar- a monitoração dos níveis de PFAS na água
Nos EUA, a EPA cancelou os planos do governo Joe Biden para impor um limite nacional à quantidade dos "poluentes eternos" que a indústria pode lançar na água, deixando a regulamentação a cargo dos estados. Pelo menos o novo diretor da agência, Lee Zeldin, declarou que regulamentar as PFAS é uma "prioridade máxima" para ele.
No momento, os fabricantes devem declarar à agência o emprego de quaisquer novas PFAS, para que se avalie seu potencial de risco. No entanto, como explica Dan Jones, da Universidade de Michigan, as substâncias banidas costumam ser substituídas por outras, igualmente nocivas.
Em Portsmouth, Amico instalou um filtro na torneira da cozinha. Ela é a favor de uma interdição mais ampla das PFAS, porém acredita que os indivíduos também podem fazer uma diferença, ao selecionar o que compram.
"Sem dúvida, eu entendo que a gente adore ter casacos e botas impermeáveis, e tapetes antimanchas. Mas eu também acho que, enquanto consumidores, temos obrigação de nos perguntar: vale a pena?" Dez anos após ela receber aqueles envelopes amarelos, seus filhos estão bem. Entretanto Andrea Amico teme futuros problemas de saúde: "É, assim, o medo do que pode estar por vir."