08 Abril 2025
"Niceia inicia (...) um processo de 'romanização dos cristãos' e 'cristianização do império' que se prolongará no império bizantino e culminará no Ocidente com Carlos Magno e com o Sacro Império Romano, formalmente suprimido apenas por outro imperador, Napoleão Bonaparte".
O artigo é de Paolo Mieli, escritor italiano, publicado por Corriere dela Sera, 05-07-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na primavera de mil e setecentos anos atrás, chegaram a Niceia bispos vindos de todas as partes do mundo então conhecido. É provável que muitos daqueles homens mal soubessem onde ficava a cidade, que hoje se chama Iznik e está localizada na Turquia a cerca de cem quilômetros de Istambul, escrevem Gian Guido Vecchi e Giovanni Maria Vian em La scommessa di Costantino. Come il concilio di Nicea ha cambiato la storia (A aposta de Constantino: como o concílio de Niceia mudou a história, em tradução livre) que chega às livrarias pela Mondadori na terça-feira, 8 de abril. Na época, a cidade ficava perto de Nicomédia. O imperador Constantino os havia convocado e, em poucos meses, havia posto um fim à última grande perseguição contra os cristãos, convertera-se ao cristianismo e, em 324, decidiu fundar uma nova capital na antiga colônia de Bizâncio. Constantino, escreveu Santo Mazzarino em L'Impero romano (Laterza), foi o homem político “mais revolucionário” de sua época. Alguns levantaram a hipótese de que ele era pouco mais do que um político, capaz apenas de aproveitar as oportunidades que se apresentavam. Não, replicou Mazzarino, “na realidade, um frio cálculo político não é suficiente para despertar em um homem, mesmo em um grande homem, as energias necessárias para mudar a face do mundo”. Por essa razão, Constantino, de acordo com Mazzarino, “não pode ser considerado apenas um político”. Ele “certamente acreditava no Deus dos cristãos”.
Mas os cristãos, tendo adquirido a capacidade de movimento e legitimidade após três séculos de intermitente perseguição, haviam começado a brigar entre si. Eusébio de Cesareia, a única testemunha direta daqueles dias, relata: “Em todas as cidades, os bispos se enfureciam contra os bispos, os povos se levantavam contra os povos e por pouco, no conflito, não se massacraram uns aos outros”. O concílio, nas intenções do imperador, deveria servir exatamente para resolver essas desavenças.
Niceia é o primeiro concílio imperial, ou seja, convocado e presidido pelo imperador. E imperiais serão todos os concílios ecumênicos até o oitavo. Todos ocorrerão na presença do Papa de Roma ou, de qualquer forma, serão aprovados por ele. O oitavo concílio - o quarto de Constantinopla (869-870) - não será reconhecido no Oriente. Os concílios ecumênicos subsequentes só o serão pela Igreja Católica. Foram treze: do Latrão I (1123) ao Vaticano II, concluído em 1965. No total, portanto, foram vinte e um.
Mas voltemos a Niceia. Eusébio conta que “todos compareceram com o máximo de zelo, quase como se estivessem saindo de uma linha de partida numa corrida”. Os bispos - concorda Arnaldo Marcone em Constantino, il Grande (Laterza) e em Pagano e cristiano. Vita e mito di Costantino (Laterza) bem como Alessandro Barbero em Costantino il vincitore (Salerno) - vinham do Egito e da Palestina, da Síria e da Fenícia, da Grécia e da Macedônia, da Pérsia e da Mesopotâmia. Do Ocidente latino, Vecchi e Vian ressaltam, apenas seis dioceses estavam representadas. Faltava o bispo de Roma, Silvestre, que havia delegado seus padres Vito e Vicente. Além disso, continuam Vecchi e Vian, havia cinco bispos, “um dos quais, no entanto, tinha um papel decisivo”: o espanhol Ósio de Córdoba, homem de confiança do imperador que, no entanto, provavelmente já estava na corte imperial em Nicomédia. Os outros latinos eram Ceciliano de Cartago, Nicásio de Die (na Gália), Marco da Calábria e Domno de Sirmio (da Panônia danubiana). De acordo com Eusébio de Cesareia, havia mais de duzentos e cinquenta. Eustáquio de Antioquia fala de duzentos e setenta. Constantino menciona trezentos. Francesco Berlingieri em Il concilio di Nicea (Eretica) coloca a “questão ariana” no centro daquele concílio - como todos os estudiosos que trataram do tema. Ário estava atento “de forma exasperada” - escreve Massimo Guidetti em Constantino e il suo Secolo. L'editto di Milano e le religioni (Jaca Book) - à transcendência de Deus. Ele era movido pela preocupação de salvaguardar sua unidade, de acordo com o preceito bíblico: “Ouve, Israel, o Senhor nosso Deus é o único Senhor”.
Com relação à disputa ariana, de acordo com Manfred Clauss, “o Concílio de Niceia não esclareceu quase nada”. A fórmula encontrada – “consubstancial ao Pai” – não fazia muito sentido na época, “porque não haviam se tomado providências para definir de forma mais precisa tal consubstancialidade”. Portanto, não causa surpresa, continua Clauss, que a controvérsia teológica e suas repercussões não tenham terminado com o concílio e tenham continuado imediatamente após sua conclusão.
Quanto à Páscoa, continuam Vecchi e Vian, precedida dez anos antes por medidas legislativas hostis ao proselitismo judaico, a decisão de fixar sua comemoração em uma data diferente daquela judaica “terá o efeito de ampliar o fosso – já muito grande – que dividia os cristãos dos judeus”.
Essa decisão distanciou ainda mais o cristianismo de sua raiz judaica, “com consequências nefastas cujos efeitos posteriores”, de acordo com Vecchi e Vian, “ainda perduram até hoje”. Além disso, a partir do século V, a separação e as medidas antijudaicas seriam ainda mais acentuadas pela legislação eclesiástica e imperial para crescer ainda mais no período medieval.
Na realidade, depois de Niceia, Constantino logo abandona a condenação nicena do arianismo, com a consequência de que “a crise ariana continua com eventos alternados por mais de meio século”. Somente o Concílio de Constantinopla de 381 encerra a controvérsia no plano teológico e coloca um fim às discussões sobre a Trindade. Há tempo, no entanto, os missionários arianos haviam cristianizando os godos e outras populações bárbaras que se espalhariam pelas partes ocidentais do império a partir do final do século IV. E, com os vândalos, os arianos chegariam ao norte da África, onde perseguiriam os católicos com ferocidade. Assim, o arianismo sobreviverá até o final do século VII, quando os lombardos se converterão, enquanto a “animada cristandade africana” seria “completamente submersa pela maré islâmica”.
Niceia, defendem Vecchi e Vian, representou uma verdadeiro virada na história do cristianismo, “a primeira e única religião a estabelecer formalmente no que crer”. Mas certamente não “inventou o cristianismo”, como muitas vezes é repetido em alguns dos livros mencionados. Tampouco constituiu uma ruptura: “Uma virada sim, uma ruptura não”, de acordo com Vecchi e Vian. Pela primeira vez, o Concílio de Niceia elaborou uma “regra de fé” que certamente desenvolve formulações anteriores e, além disso, logo será contestada. Mas, apesar disso, “a estabeleceu para todos os cristãos”. Pela primeira vez, ditou um conjunto de normas, começando com a definição de uma data comum para a Páscoa, que até então as comunidades cristãs celebravam em épocas diferentes.
Nas sociedades ocidentais atuais, escrevem os autores, a religião é relegada à esfera privada e teoricamente separada da política. Em vez disso, as duas dimensões se intercruzam especialmente após a virada constantiniana e com a inserção progressiva do cristianismo nas estruturas imperiais, como já aparece durante a “crise ariana” e no curso das controvérsias subsequentes sobre a figura de Cristo.
Assim, Niceia inicia, de acordo com Vecchi e Vian, um processo de “romanização dos cristãos” e “cristianização do império” que se prolongará no império bizantino e culminará no Ocidente com Carlos Magno e com o Sacro Império Romano, formalmente suprimido apenas por outro imperador, Napoleão Bonaparte.