03 Abril 2025
“O rearmamento da Alemanha me assusta. Estamos vivendo em um momento histórico de grande confusão e as soluções imaginadas pelos líderes políticos são pouco credíveis”. No dia em que se encerra a Bienal Democracia, o evento por ele idealizado em 2009 e que nesta nona edição é dedicado a “Guerras e Pazes”, o presidente emérito do Tribunal Constitucional Gustavo Zagrebelsky reflete sobre os atuais conflitos e os debates que estão animando e dividindo a Europa.
A entrevista é de Filippo Femia, publicada por La Stampa, 31-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Em uma pesquisa publicada no La Stampa, 94% dos italianos se declaram contra o envio de tropas para a Ucrânia. Isso o surpreende?
De forma alguma. O que me surpreende é que não chega a 100%. Quando de ideia abstrata, que pode ser o heroísmo, a dignidade de um povo, o orgulho nacional, a guerra se torna algo concreto, a fome das trincheiras, o mau cheiro dos cadáveres não enterrados, então só um louco poderia desejá-la. Como escreveu Erasmo de Roterdã, o grande precursor do espírito europeu: “Dulce Bellum Inexpertis”, bela é a guerra para aqueles que não a vivenciaram. Felizmente, na Itália, não tivemos experiências de conflitos há 80 anos, e é vista como uma eventualidade abstrata.
Não deveria então ser o contrário? Sem a consciência da guerra, poderia prevalecer um impulso para defender militarmente a Ucrânia e os ideais europeus. Não concorda?
É preciso distinguir os diferentes tipos de conflito. Quando a guerra começa porque há uma ameaça imediata e concreta à tua vida, à tua cultura ou às tuas tradições, então se trata de legítima autodefesa. Mas nós, neste momento da história, não estamos enfrentando esse perigo. Há uma diferença fundamental entre a guerra e a guerra de libertação, como foi o caso da Resistência. Continua sendo uma ação armada, mas se configura como legítima defesa. Ela se torna uma luta pela liberdade.
Comenta-se que o Ministro da Defesa Crosetto teria elaborado um plano para alistar 40.000 soldados. O que pensa disso?
Duvido muito que a resposta a uma eventual convocação às armas possa ser tão maciça.
A Alemanha anunciou um plano de rearmamento de 500 bilhões. Essa virada militarista o preocupa?
Mais do que isso, me assusta. Porque não sabemos onde vamos parar. A rivalidade histórica com a França poderia reaparecer a qualquer momento. O nascimento da UE se deve a muitos motivos, incluindo a prevenção de conflitos e o desenvolvimento harmonioso das atividades econômicas. Mas também para ‘diluir’, política e militarmente, a Alemanha derrotada na Segunda Guerra Mundial. Agora estamos indo em uma direção completamente oposta.
Qual é a sua opinião sobre a coalizão dos dispostos?
Mas alguém realmente imagina uma coalizão unindo militares franceses e alemães? Os primeiros, obviamente, gostariam de impor sua hegemonia. Mas não acredito que os outros seguiriam as ordens como subordinados. Estamos vivendo um momento histórico de grande confusão e as soluções imaginadas pelos líderes políticos são pouco credíveis.
Vê como muito distante o horizonte de uma Europa federal?
Este certamente não é o momento, mesmo que os ideais do Manifesto de Ventotene se mantenham. As premissas daquele documento se alicerçavam em um julgamento histórico: as guerras modernas são travadas por estados nacionais e soberanos. Para combater as causas, partes de soberania devem ser reduzidas. Isso foi alcançado com a criação das Nações Unidas. Mas agora tudo foi destruído. O mesmo se aplica ao direito internacional: as grandes potências não se importam, mas também os pequenos Estados não, com suas políticas de rearmamento. Quanto mais essas atitudes prevalecem, menos favoráveis são as condições para políticas federalistas.
O senhor acredita que a cultura da paz não tem espaço suficiente na Itália?
É curioso observar as estátuas em nossas cidades: quase todas elas celebram triunfos em batalhas ou têm a ver com a guerra, nenhuma é dedicada a um pacificador. Afinal de contas, a história que é estudada em nossas escolas é uma sequência de guerras intercaladas por períodos de paz: a perspectiva deveria ser invertida. Com minha esposa, costumo atravessar muitas vezes um espaço onde dezenas de alunos do ensino fundamental se reúnem. Eles correm, riem, brigam. Estou convencido de que, em seu modo de agir, lúdico e de saudável conflito ao mesmo tempo, está o húmus da democracia. E sempre repito: nessa idade, as crianças são uma maravilha, depois nós as estragamos.
Gerou polêmica uma sua entrevista intitulada “Prefiro uma paz injusta à ‘morte justa’ de inocentes”. Você gostaria de esclarecer?
Fui mal interpretado. Meu raciocínio era em relação à hipótese da guerra total. Não aos conflitos tradicionais, que foram travados até a época atômica e terminavam com tratados de paz. Eu estava me referindo à guerra que destrói a humanidade: comparado a esse cenário, acredito que qualquer pessoa que não seja movida pela loucura escolheria uma paz injusta. Para esclarecer: eu preferiria uma paz injusta a uma guerra justa com o risco da destruição total.
Então não estava se referindo à Ucrânia e a uma rendição com concessões territoriais à Rússia de Putin?
Absolutamente não.
A nona edição da Bienal Democracia foi encerrada em Turim. Qual é a sua avaliação pessoal?
Quando tudo começou em 2009, nunca teríamos apostado que iriamos sobreviver todos esses anos, muito menos expandir. Em vez disso, não há personalidade da cultura política que não tenha passado por esse evento nos últimos anos. Estamos muito satisfeitos com esta última edição: fiquei muito feliz em ver muitos jovens assistindo aos debates e palestras sobre o tema 'Guerras e Pazes'. Agora é hora de festejar, a partir de amanhã começaremos a pensar na edição de 2027, a décima.